Por Rogerio Dultra dos Santos
Era uma vez um país cuja Presidente legítima foi acusada de não ter dado a atenção devida ao seu Vice. Ela confiava que era dele o dever de cumprir rigorosamente o papel moral de discrição e lealdade.
Contudo, neste país específico, havia já uma larga história de golpes, intentonas e traições, geralmente envolvendo Vice-Presidentes. E alguns deles, por bem ou por mal, acabavam chegando ao poder.
Então, era forçoso que a Presidente legítima tivesse todo o cuidado para não sofrer uma ferroada insidiosa.
Aguilhoada tanto mais previsível quanto se sabia que o seu Vice queria ser presidente já quando criança. Tal estranha natureza fora documentada desde as arcadas de sua faculdade, quando este Vice tentava ganhar eleições majoritárias, sempre sem sucesso.
Deste modo, se, ou melhor, quando a picada viesse, esta não só chegaria de surpresa, mas seria cheia de veneno.
Mas, diferentemente do que era de se esperar, e numa estratégia canhestra como somente aqueles anormalmente sem talento podem fazer, o Vice se denunciou golpista através de uma rocambolesca carta “vazada” para a imprensa. Ali foi adiantado o estratagema: um lamentável muro de acusações, um triste e peçonhento relato de alguém que supostamente fôra abandonado pela Presidente legítima.
O Vice, ausente o elemento surpresa, acusava o caráter de sua situação: era meramente decorativo.
E, como todo sujeito sem talentos, como todo aquele talhado para protagonizar os rodapés e os apêndices da história, como os que demonstram sua deslealdade em previsíveis ardis subterrâneos, esse Vice finalmente foi, de forma solene, ignorado pela Presidente legítima.
Magoado, ferido em seu orgulho, o Vice-decorativo resolveu abandonar a pele de cordeiro e passou a conspirar abertamente para surrupiar o poder da Presidente legítima.
As oposições, entenderam o recado e organizaram um modo de transformar o traiçoeiro Vice em um mandatário de fachada, isto é, em um Presidente verdadeiramente Decorativo.
Contaram, para seu plano maléfico e mordaz, com o apoio animado dos meios de comunicação e de uma decadante porém grande potência alienígena.
Soube-se depois que o Presidente Decorativo e ilegítimo adornara o seu vazio discurso de posse com a retórica grandiloquente dos ressentidos sem autoridade.
E os sobreviventes daquele episódio disseram que o Presidente Decorativo fabulou, prometeu, floreou e – lacaio a interesses variados, mas todos voltados para canibalizar aquele belo e indefeso país –, permitiu que se montasse o governo mais esdrúxulo que jamais fôra visto naquelas plagas.
Ocorreu, portanto, que sequer pôde controlar a escolha de seus ministros. E nem mesmo teve condições de definir as políticas de seu país, não obstante o desmonte da maioria delas tenha sido de sua única e exclusiva responsabilidade.
Machistas para “cuidar” das mulheres, racistas para “proteger” negros, mal-criados dirigindo universidades, ladrões ministeriando o erário, enfim, um conjunto de raposas controlando o galinheiro.
Estórias como esta já se sabe como terminam.
O insidioso Vice, transmutado artificiosamente em Presidente, só que Decorativo e bastardo, sem povo, sem dirigir um Centro Acadêmico, no momento em que se tornou interino-traidor-golpista-decorativo, foi usado pelos que acolheram a sua bile prenhe de torpeza.
Tornou-se um Presidente Decorativo sem poder, uma espécie de engenheiro sem diploma ou poeta sem alma.
A oposição, tão ou mais vil e ardilosa que o Presidente Decorativo, controlara tudo de longe, sem sujar as mãos, mesmo negando de pés juntos apoiar tamanha mediocridade.
E foi assim que se acabou o curto período daquele que foi sem nunca ter podido ou devido ser.
Desacreditado em sua capacidade de comando, perdido em devaneios lunáticos com a sua primeira dama ricamente adquirida, ele, num dia de luz, também foi apeado do poder.
Só que a sua queda não foi nem chorada, nem combatida pelo povo. É que ele, Presidente Decorativo, não era o Presidente legítimo. No frigir dos ovos, ele sequer tinha voto.
Pego de surpresa – como nunca conseguira fazer com suas vítimas –, acabou atingido como os embriagados pela ilusão de que o poder é soberano (ou eterno) e também caiu. Afundou em silêncio e no ostracismo daqueles disponíveis para o descarte.
Ser ou não ser – presidente – não era mais uma questão.
E a moral da estória é que a sua queda se deu exatamente por acreditar que tinha deixado de ser decorativo. Confiou, temerariamente, que os traíras teriam vez. Soçobrou no rio caudaloso da política, engasgado no seu próprio veneno.
Ao atravessar esta fábula, poderemos nos perguntar se, com a queda do Presidente Decorativo, foi o caso de ter morrido também a democracia. Mas resposta não virá ainda desta vez, visto que tal estória, infelizmente, é uma outra…
FIM