Por Tadeu Porto, colunista do blog O Cafezinho*
Foram meses complicados em 2014, Setembro e Outubro, que me dediquei incansavelmente a campanha de reeleição da presidenta eleita Dilma Rousseff. Gastei até onde pude minhas camisas vermelhas – como a minha preferida com Lula e Dilma na frente“os 10 anos que mudaram o Brasil” – me lambuzei de protetor solar para panfletar nas ruas das cidades que frequento, levei minhas pernas ao limite do doce cansaço e gastei saliva e digitais para defender uma política nacionalista que levasse o país a grandeza que ele merece, no debate presencial e virtual.
A democracia tem disputas abertas e regulamentadas, como são os pleitos de dois em dois anos, as quais não se pode abrir mão de maneira alguma. São partes de uma engrenagem legal, construída para dar estabilidade política ao debate inerente das decisões coletivas, afinal, se cada civil quisesse ser representado da maneira que lhe convém, viveríamos o caos.
Algo semelhante com nossos dois últimos anos.
A vitória da esquerda em 2014 veio, mas não demorou muito para a ficha cair e se constatar, dias após (precisamente com Cunha ganhando a presidência da câmara e a mídia comemorando), que a direita não tinha construído a atmosfera das eleições passadas para perder: uma operação policial tendenciosa, com delações vazadas e arquitetadas (como o “eles sabiam de tudo”) a mídia trabalhando noite e dia para destruir um projeto popular não poderia ter sido em vão.
A elite brasileira chegou ao seu limite na divisões de tempo e espaço: ver os pobres frequentar áreas VIPS e ter que criar camarotes exclusivos; conviver com os restaurantes lotados e ter que inventar a comida gourmet (mais cara porque tem uma folha de hortelã em cima) para tentar restringir o público; aguentar os shoppings lotados, assistir peles negras desfilarem marcas de roupas internacionais e partilhar o salão de beleza com aquele cabelo de “pixaim”, foi demais pra burguesia.
O projeto bolivariano e popular teria que sair na marra, custe o que custar.
Nem que valha a própria democracia, afinal, assim está sendo o processo de retirada do partido que mais representou o povo brasileiro em sua totalidade [liberdade aqui para usar o gerúndio, sei que é feio mas pra mim a luta ainda não acabou com a admissibilidade] para a volta de um projeto que quebrou o país três vezes e entregou nossas riquezas a preço relativo de banana – o valor absoluto deve ser calculado somando-se a privataria – e jogou para debaixo do tapete tons de corrupção.
A liberdade econômica e a eficiência do Estado significam, conotativamente, entregar de mão beijada o capital, bens e serviços nacionais para oligopólios e monopólios privados que terão muito mais facilidade de concentrar renda, já que terão as ferramentas para dominar uma república mais fraca (bem mais fácil de chantagear) e não tem que dar satisfações à população nem mesmo mediante a venda dos produtos, com preços dominados por um cartel plutocrático.
A brasileira e o brasileiro conhecem, na prática, muito bem as políticas liberais: FHC virou as costas para os mais pobres, fez a periferia desejar o pão que o diabo amassou (era melhor isso do que morrer de fome) e governou para uma aristocracia vira-lata e entreguista que não serviu nem mesmo para fazer uma revolução francesa [burguesa] tupiniquim.
Foi a liberdade tucana que não deixou uma infraestrutura básica de energia (o apagão que o diga); trouxe o caos do tripé manco (não conseguiram cumprir nem a política deles mesmo); promoveu o sufocamento da classe produtiva com um mega pacote de arrocho salarial e retirada de direitos; abandonou a educação de maneira criminosa e que, sobretudo, negligenciou a miséria e as mortes de fome que circulavam pelo país.
Foi a técnica, os notáveis e a eficiência que, por exemplo, sucateou a Petrobrás a ponto de conseguir afundar uma plataforma inteira de petróleo em 2001 deixando de produzir barris importantes para nação durante anos e, sobretudo, tirando a vida de onze petroleiros, como se existisse uma guerra literal contra o trabalhador (será que o exército na refinaria em 1995 foi um presságio?).
E, claro, tamanho desastre nunca voltaria pela porta de frente. É por isso que, apesar dos erros consideráveis do PT todos esses anos, o projeto liberal não consegue sentar na cadeira de presidente. Ainda arde nas lembranças do povo brasileiro o sofrimento passado, o que dificulta a aceitação – pelo crivo da democracia direta – de qualquer proposta privatista, como o documento “uma ponte [de volta] para o futuro”.
Todavia, a imoralidade não tem o menor pudor de trabalhar na margem das regras para afanar o voto de mais de 54 milhões de cidadãos e cidadãs, consequentemente, Dilma cede lugar temporário a Temer – com o nacionalismo levando uma rasteira do entreguismo – pela via mais perversa da ética: da traição, do obscurantismo e da demagogia.
Os deputados e senadores que votaram “sim”, não aguentariam três rodadas de discussões dialéticas sem mostrarem o lado fascistas que ataca as políticas de inclusões sociais e não aceita os avanços populares do país. Por isso, foi na tribuna da retórica que o golpe foi dado: um monólogo político sem o contraponto justo das massas que deveriam, numa democracia, ditar os rumos da política nacional.
O golpe de Estado, a ruptura institucional democrática e o rasgar da constituição deram ao liberalismo seu ar da graça de volta a terras verde e amarelas, encarnado no que há de mais retrógrado na nossa política. Pronto para sugar, mais uma vez, o sangue e o suor dos negros, mulheres, gays, índios, pobres e trabalhadores como se fôssemos pilhas energéticas da matrix da plutocracia.
Assim, simples assim, um governo roubado na mão invisível grande.
*Tadeu Porto [twitter: @tadeuporto] é Diretor do Sindicato dos Petroleiros do Norte Fluminense (Sindipetro-NF)