Música e ruído no Brasil: explorando fronteiras sonoras em tempos sombrios

Por Bernardo Oliveira*, editor de música do Cafezinho.

No final do século XIX, emerge toda uma problemática acerca dos limites e dos sentidos do som que incide decisivamente sobre a música contemporânea. A revolução científica e industrial redefiniu a fisionomia e os aspectos da urbe, seja nas relações de poder, seja na estrutura visual e no espectro sonoro, olfativo, táctil que ela envolve. Por proliferar as máquinas e, consequentemente, os ruídos, o progresso exponencial da indústria e seus subprodutos sensoriais, alteraram consideravelmente os decibéis das cidades, reconfigurando a tolerância sonora e fornecendo novos ambientes e materiais para os artistas.

Um pouco dessa história pode ser contada a partir da experiência dos Futuristas italianos Luigi Russolo (autor do manifesto L’Arte dei Rumori, “A Arte do Ruído”), Filippo Marinetti e Hugo Piatti em uma feira de variedades na Londres de 1914. Há um mês da eclosão da I Guerra Mundial, os Futuristas mexeram com os nervos do público inglês, apresentando um concerto de explosões, gritos, assovios, zumbidos, estalidos e arranhões extraídos de um dos exemplares do Intonarumori. Russolo desenvolveu toda uma teoria do ruído, reivindicando a incorporação dos sons das máquinas à estética do futuro, e desenvolveu mecanismos especificamente desenhados para esta finalidade. Para muitos, foi o advento da “música experimental”, uma arte voltada para a exploração do som, reiterando uma noção comum às ideias de Russolo: “esta evolução musical é paralela à multiplicação das máquinas.”

O acúmulo de experiências precursoras das máquinas sonoras não deve ser esquecido — como a Orchestre Militaire Électro-Moteur criada em 1890 por JB Schalkenbach — mas pode-se dizer que a visita dos Futuristas a Londres foi determinante para a proliferação de manifestações ruidosas no século XX. Entre elas, destacam-se o registro complexo da realidade sonora através da Música Concreta de Pierre Schaeffer; a sonda eletrônica de Stockhausen remapeando o espaço da escuta; a força política da obra tardia de John Coltrane e do Free Jazz; as viagens estratosféricas da música alemã dos 70; as esculturas sonoras com feedbacks de guitarra elaboradas por grupos como Velvet Underground e Sonic Youth; a estridência das vertentes mais radicais do punk rock como o hardcore e o grindcore; as sonoridades alienígenas de Merzbow, o pai do noise japonês e demais exemplos que testemunham o alargamento do espectro de sons com os qual operam os músicos no século XX. Como consequência, suas criações ampliaram a escuta no âmbito da modernidade tecnocientífica, evidenciando um fato em nada corriqueiro: a arte como potência transgressora e transformadora da vida.

E se soubéssemos que esse fenômeno não se restringe aos países europeus, aos EUA e ao Japão, e que possui algumas expressões próprias, singulares, no Brasil? Que, no horizonte nebuloso no qual se inscreve a República no século XXI, um grupo de indivíduos localizados em vários estados do país, busca desenvolver um trabalho no ramo da chamada “música de ruídos” — ou noise music, como se costuma rotular esse tipo de música em países como o Japão e os EUA? Mais do que isso: e se disséssemos que esses artistas já recusam esse rótulo, desfiliando-se propositalmente das correntes e tendências internacionais e buscando trilhar caminhos desconhecidos? Que esses artistas sondam as fronteiras movediças entre a música e a não-música, tocando em um tema-tabu no terreno das glórias nacionais? Que abrindo mão de inscreverem-se em quaisquer rótulos ou práticas consolidadas, o fazem com um intuito essencialmente político? Que com suas pesquisas, trazem outros insumos para a paleta sonora que sustenta a sacrossanta tradição musical brasileira, essencialmente cancional e ciosa do conjunto harmônico? Pois, saibam, a pesquisa e invenção sonora ruidista não-acadêmica no Brasil é uma expressão autêntica que vem produzindo resultados silenciosos, porém reais, constantes e consistentes.

Mapeando um pouco desse panorama, reunimos alguns artistas que atuam no registro das sonoridades fronteiriças, dos barulhos incômodos, dos timbres rascantes e dinâmicas imprevistas. Operando no território da reflexão e incorporando o problema do acontecimento à experiência sonora, destaca-se a obra de J.-P. Caron, músico e produtor do selo Seminal Records. Jogando com a simbiose entre o ferro-velho imagético do capitalismo e uma estética baseada na ideia de “baixa resolução” (lo-fi), Thiago Miazzo constrói uma problematização das relações entre registro e memória. Investindo em experiências com as qualidades físicas do som e intermitência formal, o Insignificanto que lançou recentemente Eva Mitocondrial. Usando os altos decibéis como dispositivo de “confronto e propagação do caos”, Jhones Silva comanda o God Pussy, um verdadeiro contraste sonoro diretamente do município de Belford Roxo, Região Metropolitana do Estado do Rio. Bella busca captar a energia sonora das mitologias e da astrologia como força criativa para interferir no espaço de performance. Já Thomas Rohrer e Cadu Tenório (VICTIM!, Sobre a Máquina, Ceticências), dois nomes importantes da música exploratória brasileira, uniram forças e lançaram Fórceps pelo selo QTV em abril. Ambos possuem trajetórias bem diferentes, fato que ressalta a importância da colaboração e do improviso no âmbito da experimentação sonora. As colagens abstrata do trio carioca DEDO, que traz em suas formação alguns nomes como Arthur Lacerda e Lucas Pires. Com o projeto Mortuário, Pires desenvolveu uma música pioneira com fitas cassetes ainda nos idos de 2003, enquanto Lacerda se ocupa em criar sonoridades a partir de técnicas específicas aplicadas a guitarra e objetos como molas e trenas. No campo das convergências elétricas entre arte da performance e arte do ruído, finalizamos com o Chelpa Ferro, que desde os anos 90 faz música com instrumentos inventados e interfaces com as artes visuais.

Detalhe da arte do CD “Dedicado a Carlos Lamarca”, de God Pussy.

Dentro de um escopo de produção sonora que se aproxima das ideias acima — e que envolve a eletroacústica, a otoacústica, a psicoacústica, a composição, o improviso e demais formas de sondar e projetar os espaço sonoro — citamos ainda o trabalho longevo do núcleo paulistano Ibrasotope (comandado por Mario Del Nunzio e Natacha Maurer), bem como a presença de “ruidistas” de longa data como Carlos Issa, do Objeto Amarelo, os pernambucanos Thelmo Cristovam e Tulio Falcão do Hönir, Fernando Torres (fundador do Plano B Lapa, no Rio e mestre dos feedbacks), Yersiniose (projeto de Mario Brandalise Baril, responsável pelo excelente 1911, lançado pela Seminal), Bemônio (duo de metal extremo e abstrato do Rio, formado por Eduardo Manso e Paulo Caetano), Henrique Iwao, Paulo Dantas, Alê Fenerich, Rafael Sarpa, Gustavo Torres, Magno Caliman, Guilherme Darisbo, entre muitos outros. Para se ter uma dimensão mais precisa do que está acontecendo nesse registro, ainda que à boca pequena, listo alguns selos (e não são poucos!): Seminal Records, Estranhas Ocupações, Sinewave, TOC Label, QTV, Meia-Vida, Malware, Plataforma Recs, etc.

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Um olhar mais atento sobre o problema, revela que estes artistas não só diferem radicalmente entre si, como também parecem recusar o rótulo “música de ruídos” (ou noise music), talvez por reconhecer nele a formalização de clichês capazes de consolidar um “gênero”. E, no caso de artistas que buscam pensar não a música, mas o som, a questão dos gêneros é um sinônimo de prisão. Segundo Jacques Attali, autor do clássico Ruído — Ensaios acerca da Economia Política da Música, a utilização estratégica da música pelo poder opera em três frentes: pode escamotear a violência geral; produzir uma harmonização falsa do mundo; e, por fim, silenciar os indivíduos à força, censurando seus ruídos incômodos. Porém, a música também pode manifestar um horizonte de superação, de profecia. Segundo Attali, “a música torna audível um novo mundo que gradualmente se tornará visível.” Isto é, percebe-se que esse trabalho subterrâneo e microscópico é essencialmente político, não somente porque se desprende das estratificações impostas pelo capital, mas também por propor uma experimentação que não se restringe ao nível estético e formal, imiscuindo-se nos modos com os quais buscamos renovar práticas, percepções e visões de mundo.

Destruição da partitura de “Curtos Circuitos”, de J.-P. Caron. 2002 produzida para “Breviário”. 2015

Para a grande maioria do público que consome música, o território musical não é aquele do desconforto e do desacordo, mas da harmonia e do acolhimento. As relações de expansão e retração da tolerância sonora em uma comunidade qualquer, se definem a partir dos limites que demarcam aquilo que chamamos de “música” dos outros sons, aqueles que julgamos não pertencer ao terreno da “música”. Evidente que, neste caso, o que define as fronteiras entre o que é música e o que não é música são, não suas práticas efetivas, mas as dinâmicas de controle cultural e sócio-econômico. O problema é político e, portanto, moral.

Neste sentido, me interessa aqui registrar alguns desses trabalhos desenvolvidos no Brasil a partir de entrevistas e conexões. As questões são genéricas com o intuito de provocar a emergência das diferentes visões e perspectivas sobre uma atividade que só pode ser realizada com muita dedicação. Primeiro, cada artista conta um pouco sobre sua trajetória e interesses, os conceitos e referências que os influenciaram. Depois, falam sobre a ideia, conceito ou técnica que norteou seu último álbum e, para finalizar, descrevem seus próximos projetos. A intenção é produzir um mapeamento parcial, mas que pretende atestar uma proto-tese (ou uma tese-protótipo): há mais elementos em jogo do que uma prática consistente no campo da “música de ruídos” e da experimentação ruidista.

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Artistas e projetos: entrevista

J-p Caron Junto a Henrique Iwao, Sanannda Acácia, entre outros, Caron é um dos responsáveis pelo selo musical Seminal Records, “focado em música experimental, incluindo produções de música eletroacústica, ruído, eletrônica, improvisação livre, música conceitual e bizarra”; participa dos projetos musicais -notyesus> (com Rafael Sarpa), Epilepsia (com Henrique Iwao), Oco (com Marcos Campello), II|III (com Magno Caliman), não-vazio (com Gustavo Torres), além do trabalho solo. Participante da cena musical e de ruído independente, foi membro do coletivo Ibrasotope entre 2010 e 2012. É também professor de filosofia na UFRJ.

J.-P. Caron no extinto Plano B Lapa. Foto: Fátima Lopes.

“Comecei como músico contemporâneo, escrevendo partituras ainda antes de qualquer formação institucional. Frequentei a universidade de música ao mesmo tempo em que atuava extra-academicamente em espaços independentes como o Plano B entre outros. Em algum momento senti a necessidade de me deslocar para fora da música e passei a estudar filosofia enquanto continuava a habitar os espaços musicais/estéticos independentes. Hoje a distinção música/pensamento tende a desaparecer no meu trabalho.

Breviário (meu último álbum) se baseava na relação entre três eixos: som, imagem e palavra. Por isso fiz um livro no qual há várias partituras verbais, como eu chamo, que são bulas para a realização de ações que teoricamente qualquer pessoa pode ler e por em prática. Essas bulas podem funcionar de forma direta como ‘partitura’, isto é, influenciar ações com vistas a um resultado musical, ou podem ter caráter meramente poético ou provocador. Imagens também aparecem no livro ou como motivadoras de performances sonoras (partituras) ou por sua aparência desvinculada de qualquer função, ainda que esta aparência possa remeter à de partituras tradicionais. E os sons, por sua vez, são, em sua maioria, gravações de campo sem intuito de um dia tornarem-se ‘música’. Outros, são peças musicais que parecem não-musica. Assim, a idéia é habitar diferentes locais deste continuum que é formado pela relação som-imagem-palavra, lançando mão de diversas ambiguidades.

“Tem pelo menos quatro álbuns sendo feitos no momento: o trabalho com Gustavo Torres, não-vazio, que mexe com sons de suportes sonoros — o som do vinil ou da K7 sem nada gravado —, e procura trazer estes sons, que são parte da moldura, para dentro da imagem, por assim dizer, e compor com eles; o trabalho com o Magno Caliman, que é o nosso duo de Black Metal Abstrato; o segundo álbum do -notyesus> que, nesta altura, está demorando quase tanto quanto o primeiro demorou para ficar pronto; e, finalmente, o segundo álbum do Epilepsia em processo de mixagem agora, após a K7 lançada pela TOC Label que era uma gravação de um show ao vivo.”

“A presença de ruído não garante nenhuma relevância estética ou política para a obra que o emprega.”

“A presença de ruído não garante nenhuma relevância estética ou política para a obra que o emprega. Mas também não tenho a certeza se foi essa presença o que me atraiu para este ‘gênero’ em momento algum. Na verdade me parece que o juízo ‘isto é ruído’ é muito mais ligado à forma como os conteúdos são articulados, mais do que somente de que tipo é o conteúdo, se melódico, ruidoso, textural, etc. Nesta chave fica clara a idéia que a própria pergunta coloca, da presença de um cânone configurando clichês que amortecem o caráter ruidoso da coisa, mesmo que o material de base possa ainda ser ‘ruído’ em sua acepção acústica.”

“Tenho um selo, o Seminal Records, que me faz escutar muita coisa produzida no Brasil. Não saberia dizer, portanto, se há de fato essa diferença na música que se faz no Brasil. Não por não conhecer a produção nacional, mas por estar muito submerso nela. O que posso arriscar é que não vejo uma unidade entre as coisas que se fazem no país e que poderiam estar de alguma forma ligadas a esta noção de ruído. Como em outros lugares do mundo, ruído virou de um lado um gênero com seus protocolos previsíveis, mas por outro também funciona como um sintagma que indica não-afiliação a gênero algum. Assim, tem-se uma variedade grande de abordagens, algumas dentro do gênero outras que funcionam de forma mais fluida, distante das definições do mesmo. Assim, é um nome cujo significado oscila entre um fechamento e, ao contrário, uma abertura, ou ainda uma obstrução ao fechamento, caso que me parece o mais interessante. A questão-Brasil poderia ser respondida talvez se eu tivesse o mesmo nível de vivencia do noise internacionalmente, de tal forma a detectar as pequenas diferenças que possam existir, mas no momento estou mais dedicado ao que ocorre localmente.”

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Thiago Miazzo Artista visual, experimentador sonoro e professor de história na rede estadual de SP, é responsável junto com Cadu Tenório do selo TOC Label, grava e se apresenta como Gruta, Mesbla e Alfa Lima International, além de assinar trabalhos como Miazzo/Thiago Miazzo.

Thiago Miazzo. Foto: Carlos Issa.

“Comecei a trabalhar com música experimental/exploratória em 2005. Desde então lancei algumas dezenas de álbuns, sob um sem número de pseudônimos. Apesar do noise (considerado como um ‘gênero’) e da estética lo-fi ser o norte do meu trabalho, transitei por diversos campos do experimentalismo: do vaporwave ao chopped & screwed. Todavia, não poderia deixar de mencionar o impacto que o metal e o punk tiveram na minha formação pessoal e musical. Mesmo fazendo uso de instrumentos não-convencionais, me inspiro na velocidade de bandas como o Lärm e na timbragem do hardcore japonês.”

“Mesmo fazendo uso de instrumentos não-convencionais, me inspiro na timbragem do hardcore japonês.”

“No momento, desenvolvo dois projetos simultâneos. Agora to fazendo uns vídeos também. Meu trabalho mais recente é o curta Privacidades VHS, um filme que envolve experiências psicodélicas de uma equipe amadora de cineastas tentando adentrar os bastidores do show do Lee Ranaldo. Toda a trilha foi feita por mim e produzida de forma estritamente analógica, calcada em manipulação de fita cassete. Tentei reduzir ao máximo o uso de pedais de efeito para não correr o risco de ofuscar o protagonismo da fita e a peculiaridade dos tape decks.”

Privacidades VHS from Miazzo on Vimeo.

“Meu último álbum lançado foi uma demo de 7 faixas sob a alcunha Pallidum (nome que eu usei pela última vez em 2011). Me inspirei bastante no meu último álbum, intitulado Volume 1, lançado no ano passado pela Seminal e em Espelho de Carne, EP do Are You God? Já meu próximo lançamento será um split com uma artista que eu admiro muito — acho que é tudo o que eu posso adiantar por hora. A minha parte já está pronta e contou com a pós-produção caprichada do Paulo Dantas. Também estou trabalhando no debut do Mesbla — sem dúvida um dos projetos mais desgastantes que já desenvolvi a nível de pesquisa e produção. Por fim, vou rodar mais alguns videos e investir um pouco mais de energia nessa área.”

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Insignificanto Sanannda Acácia é experimentadora e artista sonora que, entre outras atividades, participa do selo Seminal Records. Começou a fazer música em 2013 e lançou Eva Mitocondrial em 2016 pelo seu próprio selo.

Insignificanto (Sanannda Acácia). Foto: Fernanda Kowalsky.

“Eu não posso dizer que sou uma musicista, apesar de às vezes afirmar que sim, mas é pura petulância.  Comecei a produzir música em 2013, nessa época eu era só uma grande ouvinte de punk, industrial e noise que não tinha aprendido nem a tocar guitarra direito na adolescência. Através da ajuda de alguns amigos fui apresentada a possibilidades de fazer música e gravar coisas em casa, manipulando sons com alguns pedais e posteriormente também usando de softwares e ferramentas virtuais. Fiz uma primeira peça que utilizava uma música da compositora medieval Hildergard Von Bingen processada em time-stretching para produzir gradualmente uma parede densa de ruído sobreposta a gravações de campo também em time-stretching. Nessa época eu idealizei o projeto Insignificanto e apresentei essa peça com ele no ano seguinte no festival Perturbe de 2014.”

“Tenho interesse em aprender práticas mais formais da música, mas o meu gatilho inicial foi despertado quando entrei em contato práticas experimentais de execução. Gosto muito de trabalhar com materiais pré-gravados e a adulteração dos mesmos através de diversas possibilidades de manipulação, recortes e colagens. Muitas vezes está presente no meu trabalho a sobreposição de várias versões manipuladas de uma mesma fonte sonora primária. A artificialidade é um componente que me atrai muito na música também, o aspecto do som quando ele pretende simular um comportamento natural, como a interação do som com o ambiente que habita e com outros sons que lá também habitam.  Quando eu penso em artificialidade na minha música eu realmente me empolgo muito, pois é como se eu pudesse criar minha própria natureza de interações.”

“‘Eva mitocondrial’ é um termo evolucionista. Há três milhões e meio de anos surgiram os primeiros ancestrais humanos, mas todas as linhas genéticas mitocondriais antes de cerca de 200 mil anos foram extintas. Todos os seres humanos da contemporaneidade descendem geneticamente de um único DNA mitocondrial – o Mais Recente Ancestral Comum -, de descendência unicamente matrilinear, que é característica particular das organelas mitocondriais em mamíferos: A Eva Mitocondrial. Até onde se sabe, Eva Mitocondrial foi uma habitante que viveu na África ou na região mesopotâmica, o seu DNA mitocondrial foi passado através das proles de suas filhas.”

“Pode soar como reverência a uma essência feminina-una-ancestral, uma sagrada mãe mitocondrial. Mas muito pelo contrário. A descoberta revelou que essa mulher específica foi a única a deixar suas marcas genéticas — definindo assim os humanos modernos tal qual como conhecemos hoje — foi meramente uma fatalidade do acaso. Nada indica que foi uma mulher mais forte, fértil ou divina que as outras de sua época. O nome do disco faz referência a um termo da biologia, mas a presença dele é, de certa forma, cínica.  Esse disco tem uma simbologia bem pessoal pra mim,  representa minha luta contra todas as fatalidades que me definiram, meu incômodo com a família, com o sexo que me define como mulher e humana. É o meu desespero por estar presa em uma condição biológica e o meu desejo de transcender essa condição. As faixas são uma narrativa do meu processo de ‘possuir o verbo’, possuir conscientemente as ações sobre minha vida. É uma revolta contra a natureza e as fatalidades que ela nos impõe. A Eva-mitocondrial é o ponto de partida que ficou lá atrás e se tornou inumano. As faixas foram feitas como um mosaico de gravações acumuladas por mim desde 2013.”

“Tem um próximo projeto solo em criação chamado ‘phenomena’. É inspirado em música pop eletrônica e cafonices de sintetizador. Tem também um projeto em parceria com a artista Bella, que é uma pesquisa sobre a interação do som com o meio através de projeções virtualizadas do céu para o palco. O projeto usa de gravações de campo e frequências puras atribuídas aos astros que são dispostas em fontes num palco circular, captadas em tempo real e devolvidas para o palco outra vez de diferentes pontos de uma sala. É um projeto de pesquisa que me interessa bastante e espero bons resultados e descobertas com ele.”

“A mulher que faz música experimental e música de ruído é por vezes vista como rara e anormal. Nosso processo de dominar o universo de exploração sonora mal começou.”

“Eu não creio, como você [Bernardo Oliveira] afirma, que o universo sonoro do século XX tenha sido tomado por mulheres. O que eu vejo que acontece é um recorte histórico retroativo que acontece hoje e que contempla as mulheres. Talvez usando de um recorte semelhante pudéssemos levantar alguns muitos nomes de cineastas mulheres do século XX que desconhecemos. Mas tenho certeza que mulheres apareceriam em menor número em ambos setores. Eu sou artista visual também e não posso reclamar da presença de mulheres nessa área. É inclusive uma presença muito maior do que a que vejo na música e essa presença é vista de forma bem mais igualitária pelos os artistas que circulam na área. Eu como feminista apoio e desejo a presença feminina nas cenas, inclusive coloco em prática no meu selo a busca por trabalhos femininos. Mas na música, a presença feminina ainda é muito minada de expectativas. A mulher que produz música é coroada como ‘mulher que faz música’, e muitas vezes o fato de ser mulher nos coloca num limbo onde nosso trabalho é visto em dependência de sermos mulheres. A mulher que faz música experimental e música de ruído é por vezes vista como rara e anormal. Acho essa visão ingênua pouco saudável, parece presumir que mulheres são naturalmente menos propensas a fazer esse tipo de música e que as que fazem são diferente das outras. As mulheres serem em menor número na música é devido ao fato de que realmente é um meio dominado em grande maioria por homens há séculos e cheio de crenças machistas camufladas. Nosso processo de dominar o universo de exploração sonora mal começou.”

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God Pussy Jhones Silva toca adiante o God Pussy, levando a experiência do ruído a um patamar político poucas vezes visto antes no Brasil. Além de artistas, Silva criou o Dissonance from Hell, blog incansável sobre as muitas vertentes da “musica desconfortável”. Lançou recentemente o álbum triplo Animal. Seu último disco chama-se Desaparecidos e saiu pelos selos Malware e Al Revés.

“O God Pussy surgiu em meio à necessidade de manifestações: artística, cultural e de inconformismo. O trabalho mantém uma postura de confronto e intenção de propagação do caos, não visando à musicalidade, mas a elaboração de uma concepção e reflexão para um determinado assunto. Assim surgem os ruídos gerados pelo projeto, com os quais criei o termo ‘ruídos por ódio’. Prossigo com base na resistência do harsh-noise! Creio que por trás de muito barulho sempre haverá uma grande lógica. Para dizer que não falei das flores, posso citar como algumas de minhas principais referências, Cartola, Nelson Mandela, Jovelina Pérola Negra, Eduardo Taddeo, Malcolm X, Panteras Negras, Bezerra da Silva, Zumbi dos Palmares, Carlos Lamarca e todo o nosso caos contemporâneo que funciona como combustível para seguir adiante.”

“Creio que por trás de muito barulho sempre haverá uma grande lógica.”

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“De forma DIY (‘do it yourself’ ou ‘faça você mesmo’) estou concluindo o material do próximo trabalho: Retratando A Realidade Bélica. O álbum vai sair em tape e CD-R, acompanhado de um pequeno folheto contendo nossas tragédias sociais, cada imagem representando uma faixa do disco. Após seis meses do disco triplo ANIMAL, acabei engavetando o Retratando a Realidade Bélica e colocando o álbum Desaparecidos na frente. Foi um dos materiais que mais me comoveu na hora de desenvolver o conteúdo. Esse ano serão apenas dois álbuns solos. O Retratando a Realidade Bélica será um álbum baseado em conflitos urbanos, religião, corrupção e tudo que nos afronta diariamente. Já está disponível o web-clip da faixa “Caos Nosso de Cada Dia”. O material já está no ar para quem quiser ir amaciando os ouvidos.

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Bella Artistas sonora envolvida em projetos solo e com o Meteoro, grupo de experimentação sonora formado por Anais-Karenin, Juliana Borzino, entre outras, que surgiu por iniciativa de Bia Lemos, com o intuito de reunir mulheres para improvisar no Castelinho do Flamengo, espaço cultural no Rio de Janeiro.

Bella. Foto: Anderson Félix.

“De forma objetiva, tenho trabalhado com o improviso, que parte do princípio do ‘vamos fazer agora’; e também desenvolvo conteúdos que se repetem, que podemos chamar de ‘peças’. Começando pelas peças, o Cantar sobre os ossos é um álbum que partiu da necessidade de falar do feminino, de encontrar os fios soltos, resgatar essas vozes. É uma peça baseada na colagem, e também no ritual e na mitologia. Sigo três etapas para executá-la, existe um inicio, meio, fim, quase religiosos. Já, o Facies consiste em duas partes, a primeira o ‘embrulho’. Escrevi um roteiro e parti de uma narrativa visual para conectar os sons. Alguns sons eu retirei de videos da internet, há o som do planeta Netuno, de músicas pré existentes, e os produzidos por mim. Também parti da luz e do tecido que embrulha. Já em ‘salvação’, a segunda parte, entrei com objetos tocados ao vivo além dos pré-gravados, e com uma parte baseada no imprevisível, em que entra também a participação do Thomas Rohrer. Os elementos que costumam fazer parte da minha criação, acabam sendo além do próprio som, a mitologia, a astrologia, o campo visual, o espaço e elementos da performance.”

“Cantar sobre os ossos é um álbum que partiu da necessidade de falar do feminino, de encontrar os fios soltos, resgatar essas vozes.”

“Posso fazer uma lista aqui de pessoas que admiro o trabalho, e que acabam por se tornar referências. Muitas delas vão surgindo, o nosso estoque de referências também entra em mutação. Estão entre elas, as que me vem agora, Christina Kubisch, Else Marie Pade, Delia Derbyshire, Alvin Lucier, David Lee Myers (Arcane Device), Michael Pisaro, Rie Nakajima, música/mantra da Siddha Yoga…”

“O último trabalho solo, que acabei de apresentar na Série Dissonantes, se chama ‘Escaravelho’. O escaravelho é um animal que simbolizava a autocriação na cultura egípcia, por acreditar que ele nascia de si mesmo a partir de uma bola de estrume. Cavei uma série de gravações antigas, da minha infância, provenientes de VHS, e também outras mais recentes. Uma parte do trabalho foi pré montado e se constitui por gravações que foram disparadas de um iPhone, de uma K7 e de um sampler. Há o desenrolar entre o passado, presente, futuro, que forma literalmente uma bola de estrume. Além desse trabalho, tenho praticado o improviso com Thomas Rohrer, Philip Somervell e Mauricio Takara, e acabamos de gravar algo que deve resultar num álbum. Também venho desenvolvendo um projeto com a Sanannda Acacia (Insignificanto), que se chama Arco Fluxo, e que transita entre o universo do som, da instalação, da performance.”

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“Acho que o universo sonoro sempre foi tomado por mulheres, mas por uma condição social a mulher não tinha espaço. A revolução feminista da década de 60 procurava dar voz a isso, e essa transformação vem se desenrolando desde então. Sinto que as mulheres foram acordando pouco a pouco, e se indagando: “mas por que aqui não há mulher?” Nenhuma transformação acontece de forma rápida, e o que acontece hoje é que essas questões se tornaram evidentes. Só o fato de se poder falar sobre isso, eu enquanto mulher, já é um indício dessa manobra. Em qualquer ambiente artístico, a mulher veio abrindo espaço e sendo reconhecida pelo seu trabalho, mas não considero que essa é uma etapa vencida.”

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Thomas Rohrer Thomas Rohrer é um suíço radicado no Brasil, que trabalha basicamente com improviso livre. Com Panda Gianfratti, Rodrigo Montoya e Marcio Mattos, participa do Coletivo Abaetetuba, grupo pioneiro na improvisação livre brasileira. Com Nelson da Rabeca, desenvolveu um quarteto de improvisação livre com instrumentos característico da música alagoana. Já tocou com Rob Mazurek, Hans Koch e outros improvisadores, mas também acompanha músicos como Juçara Marçal e Marcelo Camelo.

Thomas Rohrer. Foto: Peter Gannuskhin.

“Atualmente faço som usando rabeca e saxofone soprano, mas também amplifico pequenos objetos (como por exemplo, um fuê). Eventualmente uso feedback e alguns poucos equipamentos eletrônicos. Às vezes uso gravações de celular manipulados eletronicamente ou não.  Na maioria dos trabalhos uso a improvisação como método principal da construção musical.”

“Sobre o Fórceps (meu disco com Cadu Tenório), minha primeira ideia de nome do disco era a palavra alemã ‘Zangengeburt’, que significa mais ou menos ‘Parto a fórceps’, que também é usada metaforicamente. Isto porque a gravação do nosso primeiro encontro se perdeu na íntegra. Durante o segundo encontro, lutei constantemente com meu equipamento eletrônico, que não estava funcionando como deveria. Só no terceiro encontro, finalmente, tudo estava funcionando e gravado integralmente.”

“Em junho, tenho ensaios e apresentações em Kiew na Ucrânia com Audrey Chen, Phil Minton, Henrik Munkeby Norstebo, Michael Vorfeld. Devo lançar um disco com o pianista Philip Somervell, um novo disco do Coletivo Abaetetuba, apresentações com Rob Mazurek e Black Cube SP no Brasil, e com Nelson da Rabeca, Dona Benedita e Panda no exterior. Com Bella, estou fazendo música e algumas oficinas também.”

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Cadu Tenório Artista ligado à cena eletrônica e experimental carioca, cujo trabalho é construído a partir de field recordings, tape loops, instrumentos processados e timbres extraídos de objetos cotidianos. Como compositor e músico, é responsável por projetos como Sobre a Máquina, VICTIM! e Ceticências e lançou discos por selos nacionais e internacionais. Em 2014, lançou Banquete em parceria com o compositor Marcio Bulk. Em 2015, lançou Anganga com a cantora Juçara Marçal, parceria entre os selos Sinewave e QTV. O álbum no qual fez releituras experimentais de vissungos e cantos do congado. Com Thiago Miazzo, é responsável pelo selo TOC Label.

Cadu Tenório. Foto: Daryan Dornelles.

“Trabalho com ruídos, cotidianos ou não, gravações de campo em fita K7 e objetos amplificados, gravados e também manipulados ao vivo. Entre os objetos amplificados incluo instrumentos preparados ou mesmo quebrados. Quando utilizo gravações dos objetos, costumo brincar com ambiências variadas em recortes de micro-samples, reagrupamentos e processamentos diferentes. Costumo somar a isso o uso de sintetizadores. Em resumo minha música é construída a partir desses elementos.”

“O Fórceps surgiu da nossa vontade de gravar um disco de improvisação livre juntos. Tentando explorar um bom número de possibilidades montando tudo que pudéssemos em uma mesa cada um e tocando um de frente ao outro. Por pura sorte tivemos três encontros, em períodos afastados, e desses três tivemos dois deles gravados (que foram pro disco). Embora utilizando quase o mesmo equipamento, conseguimos explorar nuances bem distintas em cada sessão. Além disso, nosso diálogo estava muito mais afiado na última que foi de onde saiu cerca de 80% do disco. O problema de ter essas duas sessões longas gravadas é que ambas dariam um disco legal com alguns poucos recortes, mas optamos por ir, de certa forma, um pouco além. Entre os motivos, aquela velha máxima de que ao vivo será sempre outra coisa, a percepção é diferente, mais ampla, o impacto é sentido no corpo, completamente diferente.”

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“Com o material bruto em mãos veio a parte de ‘composição’, que consiste basicamente em fazer recortes, separar trechos da sessão que seriam as faixas sem nenhuma espécie de montagem nos interiores, apenas recortes que reordenamos de forma a ter uma narrativa. Dentro disso, escolher um certo direcionamento, porque no material bruto existiam muitas possibilidades. A partir daí, a parte de mixagem no que se refere ao pan ganhou uma força legal, pudemos optar por faixas com pan radical (Thomas totalmente de um lado e eu de outro) e faixas onde meio que ‘dançamos’ através dessa panorâmica. O nome Fórceps partiu do Thomas, achei a ideia foda. Não só por combinar com as entradas e saídas bruscas e partes brutas do disco, mas pela demora que foi pra tê-lo pronto, já que não moramos no mesmo estado. E o nome acabou fazendo o Lucas [Pires] brilhar com a arte também.”

“Estou desde 2014 trabalhando em um novo disco solo, sucessor do Vozes, que deve sair no inicio do próximo semestre. Vai se chamar Rimming Compilation. Disco novo do VICTIM! também em andamento mais pro final do ano via Fusty Cunt [selo norte-americano]. Escrevi algumas partituras verbais bem democráticas nos últimos meses. São partituras verbais com momentos e sinais bem definidos. Chamo ‘democráticas’ porque são bastante abertas para interpretação dos músicos e dão inclusive a liberdade de eles tocarem apenas se quiserem em vários trechos. Quero gravar duas delas esse ano. Uma inclusive o Thomas vai tocar. Algumas parcerias gravadas ainda sem data pra lançar e mais alguns experimentos com canção que ainda tão no esboço então não vale mencionar.”

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DEDO Coletivo multimídia carioca formado por Arthur Lacerda, Lucas Pires e Rafael Meliga. Na ativa desde 2012, o grupo desenvolveu performances, concertos e instalações audiovisuais, abordando temas contemporâneos como a internet, o animismo e a estratificação do sentido. Em 2014 o trio lançou seu primeiro trabalho autoral em CD, Rainha, pelo selo QTV. Lucas Pires responde pelo grupo as questões abaixo.

Lucas Pires, do DEDO. Foto: Lucas Pires.

“Meu trabalho como DEDO é uma continuação do que eu fazia sozinho no meu quarto. Posso dizer que o DEDO é o primeiro projeto que ‘deu certo’. Na minha cabeça o DEDO é um espaço de experimentação baseada em interesses próprios e no respeito pelos interesses dos outros participantes. Cada ‘funcionário’ tem responsabilidades específicas. Eu, além de ser uma fonte sonora, sou responsável pela identidade corporativa, narrativas de comunicação. Mentiras, magia, tempo presente, internet, dispositivo x humanidade, cut-ups, sons encontrados, sabotagem, sexo, estados alterados de consciência, táticas de choque, vigilância, paranóia, ocupar e modificar espaços com luz/escuro som/silencio objetos reais ou virtuais. Sozinho, o meu trabalho tem sido autosabotagem, eu tenho uma quantidade de fita cassete acumulada com muita coisa, gravações de campo, telefone grampeado, fitas mofadas etc…”

Rainha é a edição de uma longa tarde de improvisação feita em cima de uma pré-gravação. Era como se tivéssemos que provar para essa ‘entidade’ que poderíamos continuar tocando/acompanhando ela. Isso não saiu da minha cabeça durante todo o processo. Escutamos as faixas muitas vezes e cada um selecionou partes que mais agradavam. Reunimos todas essas anotações e partimos para uma seleção mais refinada. No estúdio do Manso [Eduardo Manso, guitarrista do Rabotnik, Bemônio, Ava Rocha, entre outros] a gente pode ter uma ideia dessa narrativa. Rainha é também a junção dessa primeira fase do DEDO, tudo que a gente fez/pensou até aquele momento tá ali, conceito e som.”

“Mentiras, magia, tempo presente, internet, dispositivo x humanidade, cut-ups, sons encontrados, sabotagem, sexo, estados alterados de consciência, táticas de choque, vigilância, paranóia…”

“Queremos dar prosseguimento ao DEDO e tornar ele cada vez mais inadequado. Não posso abrir o jogo completamente em respeito aos companheiros e a surpresa de quem vai até os lugares ver o que a gente faz e tem feito. Mas queremos tocar cada vez menos e construir situações cada vez mais. A gravação do disco novo já está acontecendo.”

“No ano passado, quando fui morar em Santa Teresa [RJ] com amigos, iniciei um projeto a partir da observação do Maracanã no fim do dia. Ele tava iluminado e com o tempo fui percebendo que aquela vista da cidade parecia o cenário de um filme de ficção, o futuro no presente. Desde esse dia tenho filmado bastante com essa intenção (dá pra ver algumas coisas no instagram @lcuasoffline). Usando iPhone, câmera lenta, snapchat e instagram pra criar cut-ups. Essa é uma das coisas e se chama SciFi. Som, imagem e internet.”

Scan dos cadernos de anotações de Lucas Pires.

“Programo também um novo do Mortuário, projeto que iniciei em 2003. Fitas limitadas especiais e o lançamento por um selo nacional. Digo que é Mortuário por conta do processo de perda/decomposição das gravações e pelo tema, mas o meu desejo é que não tenha nome e que seja só um objeto ou registro que é também um pouco de nada.”

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Chelpa Ferro Grupo multimídia composto pelos artistas Luiz Zerbini, Barrão e Sérgio Mekler. Reunidos pela primeira vez em 1995, realizam um trabalho que mistura experiências com música eletrônica, esculturas e instalações tecnológicas em apresentações ao vivo e exposições. Ao longo de sua história, o grupo apresentou trabalhos em diversos formatos: objetos, instalações, vídeos, performances, shows e discos. Em 2015 lançam seu quarto álbum musical, RUIM, um misto de batidas eletrônicas e guitarras que conta com a produção de Berna Ceppas e Bartolo. No mesmo ano, organizaram no CCBB o SONORAMA, estúdio aberto de improviso e gravação sonora.  

Chelpa Ferro

“O Chelpa é um grupo de velhos artistas experimentais que sempre deu total atenção à plasticidade do som em todas as escalas. Do nosso universo fazem parte a saturação, a precariedade, a sinestesia, a instabilidade. Queremos ver como o universo vibra em resposta ao nosso próprio corpo. Para isso, fazemos  instalações, discos, objetos, imagens — as coisas se relacionam através de choques, atritos. Temos formações bem diferentes: Barrão é escultor, Zerbini é pintor e eu sou editor de imagens e sons. O que nos une é a vontade de fazer som. Não dependemos do Chelpa financeiramente.”
“Do nosso universo fazem parte a saturação, a precariedade, a sinestesia, a instabilidade. Queremos ver como o universo vibra em resposta ao nosso próprio corpo.”
“O  Ruim veio após o Chelpa Ferro 3.  Dessa vez queríamos fazer um disco acabado, que pudesse ser ouvido inteiro de uma vez como um disco de canções, músicas curtas, gravadas no estúdio, com os instrumentos que usamos nos shows. Agora, temos alguns discos para terminar: Chelpa e Duplexx, Chelpa e Cabelo [poeta, músico e artista carioca], um disco misturando conversas e vazamentos sonoros. Queremos fazer um filme também, mas, no geral, não funcionamos muito com projetos… O Chelpa sempre funcionou mais com convites. Vamos em frente…”

Chelpa Ferro – Marquise Invertida from Chelpa Ferro on Vimeo.

 

*Professor da Faculdade de Educação/UFRJ, autor de “Tom Zé — Estudando o Samba” (Editora Cobogó, 2014).

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Bernardo Oliveira:
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