Foto: Mídia NINJA
Quando procurador, Temer chancelou polêmica importação de equipamentos
Na Folha
Procurador-geral do Estado de São Paulo no governo de Luiz Antônio Fleury Filho (1991-92), o vice-presidente Michel Temer teve sua passagem pelo cargo marcada por uma polêmica: a importação de equipamentos eletrônicos israelenses, com acusação de superfaturamento.
A legalidade da operação havia sido questionada pelo ex-senador Severo Gomes (PMDB), então secretário de Ciência e Tecnologia.
Ele estava convencido de que a compra de equipamentos para as universidades paulistas era irregular, conforme documentos que ofereceu a Temer.
O atual vice, no entanto, disse, em parecer: “Não há o que criticar em matéria de legalidade e regularidade da contratação”.
No dia seguinte, Gomes demitiu-se, dizendo que não podia impedir “uma fraude”.
A importação sem licitação de equipamentos para as universidades e as polícias estaduais somava US$ 310 milhões. O negócio foi feito com uma triangulação, envolvendo a Sealbrent Holdings Limited, empresa registrada na Irlanda. Com capital de apenas duas libras, essa firma havia sido constituída por um advogado de 18 anos.
O intermediário da operação no Brasil era Arie Halpern, empresário ligado a ex-oficiais israelenses que dirigia a Trace Trading Company. Os pagamentos deveriam ser feitos em bancos na Suíça, Londres e Nova York.
Gomes vinha sofrendo pressões do Palácio dos Bandeirantes, pois resistia a pagar o sinal da compra de equipamentos eletrônicos para a USP e a Unicamp.
Semanas antes, reportagens da Folha identificaram superfaturamento que variava de 607% a 2.802%. O sobrepreço foi comprovado depois pelo Setor de Criminalística da Polícia Federal e por uma comissão de peritos nomeada pela Justiça.
Um dos contratos, de US$ 70 milhões, foi assinado à noite, às pressas. Não havia descrição dos produtos.
Em seu parecer, Temer elogiou a tramitação rápida: “Seja pelo plano ético, seja pelo jurídico, o fato da celeridade não pode ser considerado uma irregularidade. Diferentemente até, deveria ser um exemplo para todos os atos da administração”.
A importação foi justificada por uma declaração de apenas quatro linhas, assinada pelo então reitor da USP, Roberto Leal Lobo e Silva.
Temer considerou “irretocáveis” os argumentos do procurador do Estado Carlos Ari Sundfeld, que analisou o caso e chancelou a curta manifestação do reitor da USP:
“Vale mais o peso da conclusão singela mas firme de um especialista notório do que as caudalosas razões de um leigo bem-intencionado”, declarou Sundfeld.
ROMPIMENTO
O rompimento de Gomes, a partir do parecer de Temer, provocou um abalo no PMDB.
Severo suspeitava que US$ 100 milhões do total da operação irrigariam o caixa dois da campanha presidencial de Orestes Quércia, em 1994.
Em agosto daquele ano, o Superior Tribunal de Justiça rejeitou, por 16 votos a 3, a denúncia de estelionato contra Quércia. Entendeu que a acusação não conseguiu descrever o crime de estelionato.
Quércia sustentou que não sabia o que foi comprado e quanto foi pago. Mas o desgaste frustrou seu projeto: ficou em quarto lugar na disputa presidencial de 1994.
Em 2002, o então procurador-geral da República, Geraldo Brindeiro, livrou o ex-governador Fleury de inquérito criminal. Pediu o arquivamento ao STF.
Fleury não conseguiu regularizar a operação e dar continuidade às compras que Temer considerou legais.
Rescindiu os contratos dois dias antes do término de sua gestão.
Em 1995, a Procuradoria do Estado notificou as duas empresas intermediárias –Sealbrent e Trace– para devolverem ao Estado US$ 14,2 milhões pagos como sinal.
Um prejuízo que, na época, seria suficiente para construir 2.000 casas populares ou comprar cerca de 1.000 ambulâncias.
A atuação de Temer, ao não interromper a aquisição superfaturada, aparentemente não afetou sua imagem junto ao Ministério Público.
Em 2011, ao assumir a vice-presidência da República, ele foi homenageado pela Associação dos Procuradores do Estado de São Paulo (Apesp).
OUTRO LADO
Procurada pela reportagem, a assessoria de Temer afirmou que mantém a posição dada à época.
“Essa matéria já foi publicada em 1991 e a resposta é a mesma: o então procurador-geral [Temer] simplesmente referendou os argumentos do procurador Carlos Ari Sundfeld –por sua vez, baseado no parecer do reitor da USP.”