Ilustração: Neto Sampaio
por Leonardo Miazzo, editor do Cafezinho
A direita brasileira, representando parte da classe média reacionária, é movida por um estranho senso de justiçamento – não justiça. E, por direita, não se deve entender apenas o conjunto de partidos e políticos que sustentam o regime burguês, mas o grosso das instituições que servem de base ao Estado Democrático de Direito. Em 2012, por ocasião do julgamento da Ação Penal 470, vivemos uma curta era de ditadura das togas, durante a qual a mais alta corte judiciária do País espremeu a Constituição, importou conceitos do Direito alemão e condenou, sem provas, algumas das mais importantes figuras do PT. Foi um período de deprimente espetacularização da Justiça, uma sequência de tardes e noites em que os magistrados se tornaram estrelas de televisão e posaram para dezenas de capas de revista. Os holofotes sobre Joaquim Barbosa transformaram o “mensalão” em uma aberração jurídica. Porém, aquilo era apenas o prefácio de acontecimentos muito mais obscuros.
Todo o desenvolvimento da Operação Lava-Jato se deu sob absoluta exceção. Grampos ilegais, conduções coercitivas criminosas, implementação da indústria de delações premiadas, tolhimento de liberdades individuais e, acima de tudo, a tentativa de criminalizar um partido e suas principais lideranças. Os pontos positivos dessa operação – como a prisão de alguns dos empresários que mandam no Brasil há décadas e décadas – nem de longe fazem essa balança se tornar positiva. A Lava-Jato, ou melhor, o que fizeram dela, tornou-se uma bomba capaz de explodir a democracia no Brasil e mergulhar o País em uma profunda onda de incertezas e escuridão.
Curiosamente, o impeachment que querem aplicar sobre Dilma nada tem a ver com a Lava-Jato. Afinal, por mais que tenham tentado – e tentaram! -, jamais encontraram qualquer indício de enriquecimento ou favorecimento da presidenta por meio de corrupção na Petrobras. Ao contrário, Dilma será lembrada, certamente, como a mais republicana entre todos os presidentes que o Brasil já teve, tendo demonstrado respeito e apreço às instituições que a apunhalam pelas costas. O lugar de Dilma na História será bem diferente daquele que a mídia monopolista tenta garantir.
Mas o golpe, para ser bem sucedido, não pode parar em Dilma. Afinal, derrubar a presidenta da República vai despertar na juventude, nos movimentos sociais e nos trabalhadores em geral um sentimento de revolta contra todo o processo e o ilegítimo governo que emergirá. Por isso, o golpe precisa ir além. Seria perigoso demais – para eles – se, após a queda de Dilma, o PT pudesse contar com Lula nas ruas, pronto para incendiar o país e levantar verdadeiras multidões contra o golpe parlamentar e midiático. Não, eles não podem permitir isso.
E é aí que entra Rodrigo Janot.
O Procurador-Geral da República, que demorou uma eternidade para descobrir os podres de Aécio Neves (aliás, por onde andam as denúncias sobre o financiamento ilegal do PSDB em 2012?), correu contra o tempo para envolver Lula na Lava-Jato. Como era de se esperar, não há prova. Não há absolutamente nada. Assim como fizeram os juízes do STF em 2012, Janot lança mão de uma muleta chamada de teoria do domínio do fato: ou seja, Lula tinha de saber o que estava acontecendo, por mais que não haja qualquer indício de que, de fato, soubesse.
Mas isso não importa.
O justiçamento há muito dispensou “formalidades”; a esta altura, de nada vale o fato de que a presidenta Dilma não cometeu crime de responsabilidade e que, portanto, não deveria sequer estar sendo ameaçada de impedimento; não importa se Lula não tem contra si qualquer prova de corrupção; não importa se a Operação Lava-Jato, com seu pretenso objetivo de vencer a corrupção, virou um instrumento político de criminalização da esquerda progressista.
Nada disso importa mais. A grande imprensa está ali, diariamente, pronta para fazer o que vem fazendo desde a Ação Penal 470: cobrir o cadáver da democracia brasileira com a manta da luta contra a corrupção.
No entanto, não há surpresa. Afinal, como disse Eduardo Fagnani, a democracia é um ponto fora da curva no capitalismo brasileiro.