Charge: Ribs
por Bajonas Teixeira de Brito Junior, exclusivo para O Cafezinho
Apontamos no artigo Denúncia na ONU apavora golpistas, a situação excepcionalmente favorável para o esclarecimento do golpe no exterior. O silêncio, ou quase silêncio, de Dilma na tribuna da ONU foi o anticlímax que pode vir a ser fatal. No turbilhão dos dias atuais, nesse verdadeiro caldeirão de bruxas, cuspir raios e trovões seria o ingrediente certo para a poção mágica. Dizem alguns, porém, que Dilma preferiu agir com requintes de estadista.
O erro desse argumento é só um: Dilma não é estadista. Se fosse, não estaria comendo o pão que o diabo assou e pôs na sua mesa. Ela é, na verdade, a anti-estadista e a anti-política. Sua subserviência às manobras da Globo, dessa Globo que o The Guardian simplesmente ridicularizou, é uma afronta aos que incessantemente estão trabalhando para retirar seu governo das cinzas.
Seja como for, o capital conquistado na imprensa estrangeira não se dissolverá num passe (errado) de mágica. Perplexos com a qualidade dos golpista e simpáticos à democracia brasileira estão os maiores e mais representativos órgãos da comunidade internacional: The New York Times, The Guardian, The Economist, The Glob and Mail, Wall Street Journal, Der Spiegel, Süddeutsche Zeitung, Le Monde, Libération, CNN, BBC, El País. Eles ainda aguardarão do Brasil algum sinal de vida.
Para o olhar estrangeiro, tanto no eixo norte quanto no sul, as figuras que comandam o golpe no Brasil estão além do descritível. Seus perfis e suas ações não deixam dúvidas de que são escroques e piratas, como “arquiteto do impeachment”, designação usada pelo Libération para Eduardo Cunha, que é “ele mesmo indiciado por receber milhões de dólares de corrupção nos quadros do escândalo da Petrobras”.
O apoio dessa opinião é espetacular porque 1) vem da imprensa conservadora ou quase-conservadora, o que por si só é um fenômeno um pouco além da imaginação, já que repercutem as denuncias de um golpe contra a “esquerda”; 2) não é opinião mutável e sujeita a variar de um dia para outro (embora inações como o fiasco da ONU, possam convencê-la de que não vale a pena) e 3) é a opinião dos que fazem a opinião e, portanto, está sendo difundida e segue irrigando, pelas vias capilares (sites, blogs, páginas pessoais, conversas, etc.), o pensamento de milhões de pessoas. Anteontem (23 de abril) no Wall Street Journal, a matéria dedicada ao Brasil aparecia como a mais lida (Observem que uma matéria sobre Trump, o Ferrabrás da política americana, ficou em terceiro lugar):
Ontem, 24 de abril, um fato que serve de índice para a tese da consistência da opinião pública em relação ao Brasil, a matéria sobre a crise política no Brasil continuou no topo, apenas descendo para o segundo lugar. Só o artigo sobre Trump e Hillary Clinton nas respectivas disputas na Pennsylvania, por razões evidentes, conseguiu ocupar o primeiro lugar.
Esses detalhes são cruciais, porque eles atestam de forma muito veemente que vivemos um momento especial. A atenção em relação ao Brasil atingiu níveis excepcionais de interesse. Não foi outro motivo que levou a Globo, através de carta do ‘editor’ João Roberto Marinho, a fazer a defesa de seus padrões de “isenção” jornalística em reação ao artigo de David Miranda, publicado no The Guardian. Para mostrar que sustenta firmemente sua convicção sobre o Brasil, o The Guardian publicou a carta do poderoso brasileiro como mais um comentário junto aos outros abaixo do artigo mencionado.
Por que a raposa saiu da toca? Porque os lobos caçam à noite. A dissimulação, a obscuridade, as sombras, são o seu habitat natural. Um pouco como, em A sombra do vulcão de Jonhn Huston (1984), o personagem alcóolatra do ex-embaixador diz “Hell, is my natural habitat” (“O inferno é o meu habitat natural”).
Toda a classe dominante brasileira só sabe atuar embaixo do véu espesso da dissimulação, porque é embaixo dele que se faz a ligação fatal do interesse privado com a depredação do espaço público. O essencial da nossa vida social, quanto mais se suba na hierarquia do poder e do dinheiro é “Isso morre aqui. Isso fica entre nós. Não comente com ninguém !”. Ora, o que ocorre quando, a dissimulação é ferida por uma luminosidade transfixante, uma luz que perfura e dissolve a blindagem da invisibilidade? É a morte para os nossos senhores das trevas.
Por isso a Globo convocou ministros do STF, Marina Silva e o senador Aloysio Nunes, para fazer a pressão necessária para intimidar Dilma na ONU. Por isso, também, um artigo em o Globo do dia 23, inventava que “a imprensa internacional destaca que, neste momento, conquistar a simpatia da opinião pública global pode pouco auxiliar qualquer uma das duas frentes de batalha”. Frase absolutamente incrível, já que a opinião pública mundial é um super poder nos dias atuais. Sua intenção é impedir que tenhamos consciência do significado da indignação crescente na opinião pública mundial e da vitória que isso significa.
O medo da luz, sentido pelas elites brasileiras, se agrava muito quando se trata dos “olhos estrangeiros”. Como observou Gilberto Freyre em Ordem e Progresso – esse título não poderia ser mais apropriado –, as elites brasileiras atravessaram boa parte do século XIX, montando suas instituições como uma fachada “para inglês ver”. Os ingleses, é claro, não se deixavam enganar, mas desde que a coisa não atrapalhasse seus interesses, deixavam passar comme il faut.
O Brasil no século XIX criou, por exemplo, um código de leis baseado na liberdade da pessoa, o que fazia ele parecer um país moderno e liberal. Seus barões usavam cartola e bengala para sustentar a pose de homens civilizados. Contudo, o país se baseava de fato na escravidão, e lutava com todo ardor para manter o escravismo, quando ele já tinha sido varrido de quase toda a face da terra.
E é exatamente o que buscam hoje seus tataranetos: manter as instituições mais arcaicas, a exclusão e a pobreza extremas, e, ao mesmo tempo, ostentarem o discurso de salvadores da democracia no Brasil. Se possível, incriminar os movimentos sociais por atentarem ferozmente contra a sagrada democracia. Não é nenhum neoliberalismo, porque nunca foram sequer liberais. É o mais brutal neoescravismo, com todas as suas cruéis consequências, que eles tramam revigorar nos obscuros porões do soturno palácio Jaburu.
Aqui está o calcanhar de Aquiles que a opinião pública internacional fez tropeçar, e que deve ser explorado no momento presente. É preciso combater as trevas com luz e transparência. Fiat lux. Não existe substância mais deletéria para o habitat natural dos vampiros e dos zumbis. O golpe dos zumbis deve ser combatido a contra-golpes de luz e de câmera, com pequenos frascos de luz, isto é, pequenos vídeos destinados a viralizar no mundo. É só o que esperam as plateias do mundo todo. Talvez também, pequenas bilhetes em garrafas jogadas ao mar. A narrativa de um SOS criativo para o mundo já começou ontem espontaneamente em Brasília, e circulam convites no Facebook convocando as pessoas para formarem um SOS no mesmo local hoje. Enfim, o SOS já está nas ruas, não fazemos mais que dar algumas indicações que nos parecem interessantes.
Como fazer? É preciso mostrar, fazer ver. Nada mais que isso. Nada mais do que vemos nesse foto. A única coisa que é preciso hoje é mostrar. Para isso nos auxilia a seguinte consciência: a de que nossa comunicação se fará de tela a tela. E seu pressuposto é de que hoje, cada mulher e cada homem na face do planeta, são árvores de imagens que florescem o dia inteiro. Não só produzindo, mas também consumindo imagens. Uma espécie de photofagia universal. As velhas antenas de TV, as armas do império dos Marinhos, são velharias que irão para o museu de cera da história.
Que imagens mostrar? As imagens do combate entre dois mundos: as imagens da barbárie e as imagens do Brasil democrático. A imagem do Brasil vitimado pelo latifúndio, dos acampamentos de Sem Terras e Índios, em barracas cobertas por plástico preto, o contraste com os assentamentos bem sucedidos, amparados pelas políticas públicas. As miseráveis vilas do sertão, em que a única água disponível era barrenta e rara, com as novas condições de vida. As periferias assoladas pelas violências de todo tipo, e os jovens que lutam para dar dignidades às suas escolas públicas.
É preciso contrastar os homens que votaram o golpe, seu arquiteto e seus mandantes, com a população democrática nas ruas, com sua verve e sua alegria. É preciso deixar claro, que o que se trava é um combate de mundos pela história.
O script básico deve mostrar a vitória da Luz sobre as sombras. Deve começar com a marca do SOS Brasil, nomear em seguida os homens do golpe, suas performances durante a votação e suas fichas técnicas (são todos fichados), por fim, fazer o rápido contraste entre os dois Brasis e concluir. Dois ou três minutos, não muito mais.
A abertura deve associar o SOS e o Brasil
Objetiva e curta. Um SOS feito com o coletivo de corpos dos estudantes, dos jovens, dos sem terras, das pessoas nos protestos. Basta um drone para a tomada aérea, que também se pode fazer de um prédio, caso exista um. Todos as locações são possíveis: uma BR no interior do país, uma praia de cartão postal dos trópicos, uma fazenda de cana, um assentamento, uma favela, Brasília, Rio de Janeiro, São Paulo, Belo Horizonte, Recife, todos os lugares que permitam uma identificação e soem a Brasil.
Os nomes do golpe
Aqui basta um exemplo: “Esse é Eduardo Cunha, o arquiteto do impeachment. Ele possui dezenas de contas no exterior comprovadas com milhões de dólares desviados de obras públicas no Brasil. Em nome da moralidade, abriu um processo de impeachment contra a presidente Dilma, que não responde a nenhum processo. Apesar de tudo, Eduardo Cunha é quem dirige a câmara dos deputados no Brasil.”
A democracia nas ruas contra o Golpe:
Aqui bastam algumas poucas cenas das manifestações, das marchas, das caras e das paixões que foram às ruas. Não é preciso dizer nada. Mais do que tudo, é preciso deixar as imagens falarem. Nada será mais fácil que contrastar o mundo sórdido e obscuro dos golpistas e as manifestações marcadas pela impossível diversidade dos “alegres trópicos” contra os trópicos da morte.
Essa é uma entre mil possibilidades mais ou menos simples, eloquentes e breves. O SOS pode ser pichado, coreografado, dançado, exposto em incontáveis charges, em depoimentos de artistas e intelectuais, etc.
Uma vez que o apelo tenha se expandido, saído do país, que ele se enraíze, como hoje estão se enraizando (em sites, em páginas pessoais, em blogs, em conversas) a narrativa democrática anti-golpe que sai do Brasil, é preciso começar a falar com as instituições democráticas no exterior. E pedir o seu apoio ativo. Vamos (por que não?) pedir às universidades de Paris que paralisem suas atividades por um dia para salvar a democracia no Brasil. Em seguida, fazer a mesma coisa em outros lugares. Podemos mesmo, começar conclamando nossos vizinhos da América do Sul.
É preciso construir a narrativa no campo visual, que é o elemento mais translúcido da comunicação nos dias de hoje. E é preciso fazê-lo pensando que ele vai para telas, em boa medida as dos smartphones, que entrará no Facebook e vai ser partilhado em suportes diversos. Ou seja, as intenções e finalidades políticas não devem, na medida do possível, esquecer das condições técnicas de reprodução.
Vamos nos desejar boa sorte.
Bajonas Teixeira de Brito Júnior – doutor em filosofia, UFRJ, autor dos livros Lógica do disparate, Método e delírio e Lógica dos fantasmas, e professor do departamento de comunicação social da UFES. Foi duas vezes vencedor do Concurso Nacional de Ensaios, organizado pelo Minc (2000 e 2001)