Além de afrontar o STF, Lava Jato antecipa nova condenação de Dirceu
por Marcelo Auler, em seu blog
Apesar de o Supremo Tribunal Federal (STF), através do ministro Teori Zavascki, ter avocado todos os inquéritos contra o ex-presidente Luís Inácio Lula da Silva, a Força Tarefa (FT) da Lava Jato voltou a vazar informações da investigação, mostrando que ainda detém documentos, ou cópias deles, que deveriam estar no e sob o controle do STF.
Novamente o vazamento ocorreu por um dos canais quase que oficial da FT, o jornal o Estado de S. Paulo. Desta vez, porém, vazaram não só a investigação já realizada como, o que é estranho, uma sentença que ainda não foi dada mas, segundo a informação do jornal, já está definida: José Dirceu voltará a ser condenado no próximo mês.
No blog do jornal, no sábado (23/04), a condenação de Dirceu é noticiada como certeza: “que será condenado no próximo mês pelo juiz Sérgio Moro” (veja a foto). Na edição imprensa doEstadão de domingo, o tempo do verbo foi modificado, certamente para não parecer estranho, passando para o condicional: “- que deve ser condenado no próximo mês pelo juiz Sérgio Moro -”.
Moro não se manifesta – Por e-mail, no sábado (23/04) à noite, questionamos o juiz Sérgio Moro sobre este vazamento de uma sentença ainda a ser proferida. Decorridas 36 horas da mensagem enviada, não houve qualquer manifestação da parte do magistrado. Dirceu é acusado de ter recebido propina das empreiteiras, cujo dinheiro também seria proveniente das obras conquistadas pelas mesmas junto à Petrobras.
O curioso é que na ação penal a que José Dirceu e outros 16 réus respondem na 13ª Vara Federal de Curitiba – Processo nº 5045241-84.2015.4.04.7000 -, o próprio juiz Morto, no último dia 20 de abril (quarta-feira) dilatou o prazo para as defesas apresentarem suas alegações finais.
Ele vencia nesta segunda-feira (25), justamente por causa do feriado. Agora estendeu-se até a próxima segunda-feira, dia 2 de maio, por conta da juntada de novos documentos aos autos.
Com isto, a confirmar-se a notícia do Estadão, que geralmente não erra quando se trata de informações vazadas pela Força Tarefa da Lava Jato, independentemente do autor do vazamento, é lícito concluir que a decisão da condenação foi tomada antes mesmo de a defesa concluir suas alegações finais. Estas, pelo jeito, de pouco adiantarão, sendo mera formalidade processual.
Pode-se até concluir que durante a instrução do processo o juiz convenceu-se da culpabilidade de Dirceu, mantido preso preventivamente como se já estivesse cumprindo pena. Afinal, dos pré-requisitos estipulados pelo Código de Processo Penal que justificam a prisão preventiva – garantia da ordem pública, da ordem econômica, por conveniência da instrução criminal, ou para assegurar a aplicação da lei penal, quando houver prova da existência do crime e indício suficiente de autoria – somente o último, aplicação da lei penal, encaixa-se no caso do réu. Mas, ainda que esteja convencido da culpabilidade de Dirceu, o anuncio da decisão, mesmo que entre “amigos”, fere frontalmente todas as regras, leis e códigos que regem a magistratura. Principalmente quando acaba sendo “vazado”.
Afronta ao Supremo – Já o vazamento de documentos da investigação contra Lula por parte da Força Tarefa pode ser encarado como um afronta ao Supremo Tribunal Federal. Afinal, o ministro Zavascki, relator da Operação Lava Jato naquela corte, avocou o caso para sua apreciação e posterior deliberação do plenário. Teoricamente, nada poderia ser feito sem sua autorização. Ela jamais seria dada, pois uma de suas primeiras decisões foi decretar o segredo de justiça em torno destas investigações.
Portanto, a Força Tarefa da Lava Jato novamente passou por cima daquela corte ao divulgar, inclusive, laudos periciais, notas fiscais e um contrato, não assinado, de uma hipotética compra do sítio por Lula e sua mulher – apontado como “contrato de gaveta” , que constam do inquérito.
A reportagem, inclusive, erra ao afirmar que “os inquéritos estão suspensos depois que ele (Lula) foi nomeado ministro da Casa Civil pela presidente Dilma Rousseff, no dia 17, e o tema foi levado ao Supremo.”
Na verdade, o ministro Zavascki avocou as investigações quando o juiz Sérgio Moro, de forma considerada irregular e até ilegal por diversos juristas, divulgou gravações feitas em grampos telefônicos, nas quais apareceram conversas de pessoas com direito ao foro especial, como a presidente Dilma.
A matéria do Estadão confirma que, apesar dos inquéritos avocados pelo Supremo, Lula é “alvo em Curitiba de três frentes de apuração na Lava Jato. As outras duas envolvem o tríplex 164 A, da OAS, no Guarujá, e os pagamentos e repasses para o ex-presidente via sua empresa de palestras, a LILS, e para o Instituto Lula”. Por si só, isso demonstra que o vazamento ocorreu pela capital paranaense, embora a Força Tarefa já não mais tenha poderes sobre os inquéritos.
Em busca de um delator – A reportagem anuncia ainda como certa a denúncia contra Lula por envolvimento no “esquema de corrupção e lavagem de dinheiro na Petrobrás”. A Força Tarefa, segundo o jornal, com base nas notas fiscais localizadas nas buscas e apreensões, depoimentos colhidos e movimentações bancárias analisadas, vinculará os desvios de recursos na Petrobrás à reforma executada no sítio e a manutenção de bens referentes a Lula. OAS, Odebrecht e o pecuarista José Carlos Bumlai serão vinculados aos serviços executados, como compensação por obras loteadas pelo cartel”.
A partir de informações da Força Tarefa em Curitiba, a notícia garante que a denúncia ocorrerá, independentemente da decisão do STF determinando se compete à procuradoria em Brasília ou em Curitiba, processar o ex-presidente. Ou seja, procuradores do Paraná – da primeira instância – praticamente estão ditando o que o Procurador-Geral da República, Rodrigo Janot, fará caso o Supremo determine que o processo corra por aquela corte.
Atingir a nomeação de Lula – O anúncio da denúncia, aparentemente, trás duas explicações. A primeira dela está na própria reportagem. Os procuradores, pelo que disseram, já acumularam indícios para acusar Lula no caso dos benefícios que as construtoras e Bumlai fizeram no sítio que, mesmo não sendo propriedade do ex-presidente, por ele é usado. Mas, ainda não possuem provas suficientes para torná-lo réu nas investigações do triplex do Guarujá e do dinheiro pago por palestras que a Força Tarefa aposta não terem sido realizadas.
A própria reportagem ressalta que, “até março, procuradores da Força Tarefa da Lava Jato em Curitiba consideravam estar a um delator de completar o quebra cabeça acusatório contra Lula – como se tivessem o cenário da imagem já definido, restando apenas uma peça para completar o desenho”. O problema é que este delator ainda não apareceu pois, segundo o Estadão:
“A figura do delator bomba é considerada peça faltante ainda no caso do tríplex no Guarujá, que deve ser a segunda peça de acusação formal à Justiça contra Lula, segundo esperam os investigadores. Lula será denunciado nesse caso por lavagem de dinheiro, sendo beneficiado pela OAS, uma das líderes do cartel que atuava Petrobrás, com a reforma e decoração do imóvel com dinheiro oriundo de corrupção. As tratativas para um acordo com o ex-presidente da empreiteira José Aldemário Pinheiro, o Léo Pinheiro, mesmo que distantes de um final, poderão completar esse quadro.
O inquérito considerado o mais incipiente é o que trata das palestras, pós-Presidência, via empresa LILS, Palestras, Eventos e das doações ao Instituto Lula. Nessa frente, um delator que confirme que os repasses e pagamentos por palestras podem ter ocultado propina é essencial para investigadores”.
Os dois parágrafos apenas demonstram que os procuradores possuem uma tese para denunciar Lula, mas não contam ainda com as provas necessárias para formalizarem a acusação. Jogam na expectativa de que surjam novas delações. A reportagem pode até mesmo estar ajudando neste papel de busca de informações contra o ex-presidente.
Mas, sem dúvida, ao divulgarem futuras denúncias que eles ainda nem sabem se poderão fazê-las, um outro interesse pode ter motivado a Força Tarefa da Lava Jato em Curitiba. Este comportamento encaixa-se na estratégia que adotam desde a primeira fase da Operação de vazarem informações para mobilizar a opinião pública a favor dos seus trabalhos. Trata-se de uma forma, até certo ponto eficaz, de pressionar tribunais superiores e demais autoridades a se alinharem com a linha de trabalho e de denúncias que adotaram.
Assim, não se pode descartar a possibilidade de o vazamento destas informações terem também como objetivo barrar a nomeação de Lula para o ministério de Dilma. É algo que o Supremo está por decidir, contra o que a Força Tarefa se debate para que o ex-presidente não tenha direito ao foro especial, isto é, o próprio Supremo Tribunal Federal. Por tal motivo, eles o afrontaram.