Foto: Elaine Cruz/ Agência Brasil
Golpe abre uma luta sem fim pelo poder
por Flávio Dino
Na última quarta-feira, realizamos em São Luís um Ato em Defesa da Democracia e da Constituição. Tenho a firme convicção de que, independentemente de preferências políticas ou de opinião sobre o atual Governo Federal, não devemos abrir mão do caminho seguro que o cumprimento da Constituição nos oferece.
Vivemos o maior ciclo democrático da nossa atribulada história, com sete consecutivas eleições presidenciais, entre 1989 e 2014. Esse é um patrimônio de todos os brasileiros, por isso somente em situações absolutamente excepcionais e raríssimas o voto popular não deve ser mantido. Não estamos em um sistema parlamentarista, em que a perda de apoio ao governo no Congresso conduz ao seu encerramento.
Alguns dizem que o impeachment é constitucional porque está escrito na Constituição. O argumento não procede, pois a constitucionalidade de determinado instrumento depende do contexto que autoriza legitimamente o seu uso. Imaginemos a aplicação da pena de morte, prevista para crimes de guerra, em casos de uma simples irregularidade qualquer. Isso seria constitucional? Claro que não.
Há 30 anos estudo Direito, sou professor concursado da Universidade Federal do Maranhão (UFMA) e atuei por 12 anos como juiz federal, em várias instâncias da Justiça. Jamais vi uma tese jurídica tão esdrúxula quanto essa das tais “pedaladas fiscais”, conceito recentemente inventado apenas para justificar a cassação de um Presidente eleito pela população. Como cassar um presidente por um mero debate contábil? Mesmo que erros contábeis tivessem sido cometidos, isso alcançaria uma ínfima fração da execução orçamentária anual, não tendo portanto alta lesividade e o efeito de afrontar diretamente a Constituição, única condição que torna legítimo o impeachment. Vejamos que a pátria do presidencialismo, os Estados Unidos, jamais aprovou o impeachment em toda a sua história, e muito raramente ele é ao menos debatido. Isto é, nos Estados Unidos se respeita a excepcionalidade do seu uso, que não pode ser admitido em meio a uma estranha algazarra, que fez com que os principais jornais do mundo questionassem duramente o que está a ocorrer no Brasil.
Esse golpe abre a porta de uma luta sem fim por poder, em que não estaremos mais respaldados pelos limites legais do Estado de Direito. A Constituição Federal é fruto do entendimento produzido pela sociedade brasileira após 21 anos das trevas de uma ditadura militar que se seguiu a uma ruptura institucional. A Constituição estabeleceu regras de convívio cívico para resolvermos nossos conflitos e opiniões divergentes, sempre dentro de um marco de respeito às diferenças. Não à toa, muitos dos que defendem esse golpe mal disfarçado fazem referência direta e explícita ao golpe de 64 e à sua mais macabra consequência: o desrespeito da vida humana que é a tortura.
Precisamos evitar o que pode vir a ser um desastre de grandes proporções tanto no campo político, quanto econômico. Que empresário estrangeiro irá investir em um país sem estabilidade jurídica? Se um país passa por cima das leis para trocar arbitrariamente de presidente, o que fará com contratos ou com direitos adquiridos? Se já tínhamos uma brutal recessão, a instabilidade política só dificulta que encontremos uma boa saída, com a velocidade que a Nação precisa. Estou vendo isso claramente, no cotidiano da gestão administrativa, a cada dia mais difícil.
Por todos esses riscos que se colocam, nós, do PCdoB maranhense, fizemos um ato em homenagem aos que tiveram coragem de dizer “Não”. Porque nesses momentos é muito mais fácil manter-se em silêncio. Mas emitir minha opinião é o que me mantém tranquilo com minha consciência democrática e patriótica. Não me igualo a alguns políticos que sugaram o poder nos anos do PT para depois pular do barco na maior “alegria”. Sou de outro material, de outra natureza, graças a Deus.
Ao defender a democracia e a Constituição, defendo o povo maranhense. O Maranhão não está descolado do Brasil. Somos 7 milhões de brasileiros no nosso Estado, e exatamente por zelar pelos direitos de todos, considero que o melhor seria esperar o calendário eleitoral normal, com eleições gerais em 2018. E que agora se desarmassem os espíritos, se unisse o País, cessassem as brigas pelo poder, que tantos problemas trazem quando as regras do jogo não são observadas.
Flávio Dino (PCdoB-MA) é Governador do Maranhão