Publicado originalmente no democraciaeconjuntura.
Por Marcio Tenenbaum
“Tens ambição em ser rei, mas não tem a coragem de tomar as medidas necessárias” (Macbeth, Shakespeare)
O golpe foi dado, mas será consolidado? O julgamento de Dilma pelo Senado Federal ocorrerá em, aproximadamente, 25 dias. Pelas informações que nos chegam, acrescentadas pelas antecipações de votos dos senadores e, acreditem, pelas manifestações dos ministros do STF, as cartas estão marcadas e o resultado é inevitável: Dilma será afastada por 180 dias.
Ocorre que esse é apenas o aspecto formal do golpe, não a sua consolidação. Qualquer governo que se inicia necessita, como o vampiro que precisa de sangue, de legitimação. Se adveio das urnas, é consequência natural.
Porém, como se legitimar após um golpe? Em 64, a legitimação foi substituída pelas armas e pelos tanques que ocuparam as ruas. Três anos e meio se passaram até que o povo voltasse a se organizar e clamasse pelo fim da ditadura militar, tudo isso acompanhado por uma política econômica que penalizava a classe média e gerava carestia.
A reação da sociedade civil naquela época teve seu ápice na manifestação dos 100 mil, que ocorreu na Av. Rio Branco, centro do Rio de Janeiro. Hoje, o golpe não se instrumentaliza através dos tanques, mas de uma capa de legalidade.
Consideremos o Congresso Nacional com maioria oposicionista, acrescente-se um Supremo Tribunal Federal intimidado e omisso, e mais uma imprensa intermitentemente noticiando os malefícios do governo Dilma, e temos a receita do mal.
Contudo, todos esses ingredientes não são suficientes para a sua legitimação, pois, ao lado da crise política criada pela oposição desde a reeleição de Dilma em 2014, temos uma crise econômica internacional, que, queiram ou não, é real. A solução da crise econômica surge, então, como o caldo de cultura capaz de legitimar o golpe.
Mas, então, aparece no caminho algo inesperado: a democracia e um de seus pilares, as eleições.
Seria uma contradição falarmos em democracia quando estamos falando em golpe? Algo está fora do lugar?
Nem tanto. Como não será instalada uma típica ditadura militar – pela impossibilidade da conjuntura internacional que atualmente recusa tal tipo de intervenção, mas também por condições políticas internas – o que nos resta de democracia é o que legitimará ou não o golpe.
O que nos resta de democracia é a eleição presidencial em 2018. Esse sempre foi o motivo e a origem dos ataques sistemáticos de todos os partidos oposicionistas contra Dilma e o PT, e que culminaram no impedimento.
Considerando que Lula é o candidato preferido da população, conforme as últimas pesquisas, e considerando que as oposições não têm candidato que possa vencê-lo, a alternativa era o golpe, como foi em 64 depois que o PTB venceu as eleições parlamentares de 1962, quase triplicando a sua bancada.
Em outras palavras, entre o golpe e as eleições de 2018 será necessário resolver a questão econômica ou pelo menos assegurar um sólido sinal que medidas foram aplicadas e que trarão resultados; caso contrário, os altos índices de rejeição ao político Michel Temer vão se transformar em altos índices de rejeição ao governo Temer.
Nesse cenário, as contradições de interesses entre os principais parceiros do golpe, PSDB e PMDB, emergirão com fúria. Se, por um lado, é necessário um acordo entre ambos para dar sustentação política ao futuro governo Temer, como já expressaram os principais líderes do PSDB, por outro, as consequências do pacote econômico a ser implantado, sem dúvida, os afastarão em algum momento. As consequências para o PSDB serão mais perniciosas.
É imperioso observar que os objetivos de poder entre os dois partidos são completamente distintos. Enquanto o PMDB possui diretórios em quase todos os municípios brasileiros, sendo esse o motivo de sua vasta bancada tanto no Senado quanto na Câmara dos Deputados, o PSDB tem uma configuração oposta, motivo que o leva a almejar o Executivo, isto é, a Presidência da República.
A base do PMDB está nos rincões do nosso país, nas periferias, nos centros urbanos do interior, em um eleitorado com baixa politização e escolaridade, facilmente cooptado por cabos eleitorais pagos a peso de ouro. Nesse sentido, as consequências do plano econômico a ser implantado pelo futuro governo Temer, apesar de afetar a todos, são relativamente indiferentes para o seu eleitorado. Exatamente o oposto da base eleitoral do PSDB, praticamente estabelecida nos grandes centros urbanos – como São Paulo – e pequeno burguesa.
Caso se confirmem as propostas econômicas divulgadas pela imprensa, com arrocho salarial, mudança nas leis trabalhistas e nos direitos sociais, aumento de impostos, congelamento de reajustes salariais dos funcionários públicos, esse eleitorado que apoiou o golpe, que participou das manifestações a favor do impedimento de Dilma, provavelmente ficará desiludido e enraivecido. Portanto, é muito difícil a manutenção do apoio popular às propostas que provavelmente serão apresentadas pelo governo Temer.
Recordemos que algumas delas já foram formuladas pelo governo Dilma e brutalmente combatidas pelas oposições, pelas entidades empresarias e pelos manifestantes.
A consolidação do governo Temer, que depende do sucesso do plano econômico, é aquilo que o seu maior aliado, o PSDB, menos deseja. O sucesso do plano fortalece o PMDB para uma eventual candidatura presidencial, o que esse partido não oferece ao eleitorado desde 1994, com Orestes Quercia.
Alguns jovens políticos apareceram nos últimos anos, especialmente Eduardo Paes, prefeito da cidade do Rio de Janeiro, que estava cotado para compor a chapa presidencial com Lula em 2018, antes do impedimento de Dilma. Se esse plano econômico der certo ou se se vislumbrar que em um curto prazo trará frutos positivos, então o golpe se consolidará e se legitimará; caso contrário, a instabilidade política retomará seu curso. Para o PSDB, a situação é um impasse.
Como o objetivo imediato era retirada do PT do poder e a criminalização de Lula, a aliança com o PMDB era necessária. Contudo, o objetivo mediato, as eleições de 2018, independem da eficácia do plano econômico.
Se, por um lado, o sucesso das medidas econômicas favorecem o PMDB, pois será dele o protagonismo desse processo pós governo Dilma, fortalecendo a possibilidade de uma candidatura própria à Presidência da República, por outro lado, no caso de fracasso, os rincões e a periferia ainda o manterão perto do poder. Para o PSDB, ao contrário, tanto o sucesso quanto a derrota podem ser fatais. O sucesso do plano econômico não o beneficia, e o fracasso o coloca à beira do precipício.
Não é à toa que as lideranças do partido estão intranquilas em participar do governo Temer, apesar de já terem explicitado seu apoio. Comportam-se como a rainha D. Maria I, a Louca, que, ao fugir para o Brasil, disse: “não vá muito rápido para não parecer que estamos fugindo”. Os dois partidos, PMDB e PSDB, aliados no golpe contra Dilma, têm uma tarefa contraditória na aventura golpista que foram capazes de criar.