Foto: Mídia NINJA
Novas manobras golpistas
Por Oleg Abramov*, no Pautando
Após a aprovação da admissibilidade do processo de impeachment na Câmara dos Deputados e de novas ondas de manifestações em favor da democracia, os partidários da interrupção do mandato da presidenta Dilma seguem com o golpe reacionário. O objetivo deste artigo é analisar alguns dos movimentos que tem sido feitos nas esferas político-partidária e político-judiciária. Chamo a segunda dessa maneira devido a constatação de que a toga tem agido com evidentes propósitos políticos.
Começando pela esfera político-partidária, constatamos que a ofensiva da oposição (alargada por ex-governistas) continua. O indócil Eduardo Cunha busca pressionar o calculista Renan Calheiros a dar celeridades à tramitação do processo de impeachment. Para tanto, não bastando as pautas bomba e a imposição da paralisia decisória, joga mais uma vez contra o Brasil e determina que trancará a pauta da Câmara até que a admissibilidade seja aprovada pelos senadores.
Um processo que continua manchado por todo tipo de arbitrariedades. A decisão de colocar o PMDB na presidência e o PSDB na relatoria da Comissão que avalia admissibilidade no Senado, torna ainda mais evidente que não há se quer brisa de imparcialidade em todo esse processo. Já se sabe que nada será investigado e que os eloquentes argumentos da defesa serão, como na Câmara, ignorados. Já sabemos antes mesmo de iniciados os trabalhos quais serão seus resultados.
O governo é minoria na Comissão. No plenário do Senado a situação não é melhor, hoje contabilizam-se votos suficientes para aprovar o relatório, cujo teor já é conhecido de antemão. Não se sabe ao certo a proporção de senadores favoráveis ao impedimento, são necessários 2/3 da Casa para depor a presidenta. Neste caso, as mobilizações jogam um papel importante para pressionar os parlamentares.
O presidente da Câmara Alta, incapaz de admitir ser disciplinado por Temer e Cunha, de quem não esconde a inimizade, rascunha uma saída alternativa. É possível que nas próximas semanas ganhe musculatura uma proposta de convocação de eleições presidenciais para outubro, coincidentes com as de prefeitos e vereadores. Esta talvez seja a única alternativa de acordo que unifique governo e setores oposicionistas para constituir uma maioria alternativa à que no momento beneficia Temer. Seu desenho, bem como a estratégia de efetivação, dependem de Calheiros, que só o fara ao preço de alimentar seu monstruoso apetite político.
Se não houver outra alternativa, objetivando impedir a entregar da faixa presidencial a Temer, pode ser que Dilma até aceite essa saída. É possível que esta tese ganhe a adesão de apoiadores do governo como o PDT, posto que Ciro Gomes tem sido bem cotado para a disputa. É certo que a REDE também apoie, assim como outras legendas que possuem pretendentes. No PSDB tal proposta gerará controvérsia. E é provável que Serra e Alckmin fiquem contra, enquanto Aécio e FHC a favor. Ao final decisão dependerá do quanto Michel Temer está disposto a pagar para ter o PSDB consigo.
Enquanto este ou outros planos alternativos encontram-se na prancheta, o principal desafio no momento para os golpistas é buscar legitimar um eventual governo de Michel Temer. Nem todos que estão contra Dilma se dispõem a sustentar um pretenso mandato do PMDB. Pelo menos três fatores pesam contra: o PSDB não irá se comprometer com um mandato que não é seu sabendo que corre o risco de trazer para si a presumível elevada rejeição que Temer padecerá; o evidente perigo de que as manifestações de rua se radicalizem; e a ilegitimidade para levar adiante as reformas almejadas pelos principais fiadores do golpe, tais como a previdenciária e trabalhista. Se Temer assumir a presidência, todo o peso da crise econômica recairá sobre seus ombros. Sem ter sido eleito, problemas econômicos e políticos se somarão produzindo um ambiente explosivo.
O PSDB busca ter alguma prudência neste momento. Ao mesmo tempo em que firma fileiras para efetivar o golpe reacionário, afirma que não comporá oficialmente o Ministério. Entretanto, deixa seus filiados a vontade para aceitar cargos, saída que Aécio Neves construiu para a um só tempo demonstrar que o golpe pode seguir seu curso, porque os tucanos não deixarão de colaborar para viabilizar um virtual mandato “tampão” do PMDB, e ao mesmo tempo não assume os riscos de se comprometer com sua esperada rejeição. O próprio presidente da legenda continua se “esquentando” como alternativa, mas libera Serra e outros para tentarem a sorte ao lado de Temer.
Na esfera político-judiciária, o fato mais destacado do dia é que dois Ministros do STF foram à imprensa rebater o argumento do governo que acusa o impeachment de golpe. O simples fato de magistrados da mais alta corte fazerem tal declaração justamente hoje, dia em que Dilma embarca para denunciar na ONU os abusos que tem sido vítima, evidencia que o compasso do judiciário não é ditado pela isenção, mas pelos compromissos políticos. Vivemos tempos despudorados nos quais juízes não precisam mais esconder suas preferências e agem na luz do dia, atacando seus desafetos e protegendo seus amigos.
Por que o mesmo STF que impede a posse de ministros de estado, não faz absolutamente nada contra a manutenção de Eduardo Cunha na presidência da Câmara dos Deputados? Se a nomeação de Lula como ministro constitui desvio de finalidade, não seria igualmente desvio o ato de instrumentalizar as prerrogativas da presidência da Câmara para retardar o processo que pesa contra o próprio Cunha na Comissão de Ética?
Vivemos tempos de dois pesos e duas medidas! O processo que acusa o presidente da Câmara de ocultar contas no exterior e de mentir para o Congresso começou antes das denuncias que resultaram na votação do ultimo dia 17. A flagrante falta de isonomia por parte da Mesa Diretora não gera qualquer reação do Supremo.
O STF alega não poder interferir na prerrogativa do Congresso de determinar ritos próprios do Poder Legislativo. Ora, mas não é prerrogativa exclusiva da chefe do Poder Executivo nomear seus Ministros? Mesmo assim, mais uma vez, foi ontem foi adiada a decisão sobre a posse de Lula no Ministério da Casa Civil. Está explícita a intenção de enfraquecer a capacidade de resistência e desarmar o governo. Tratando-se do STF, “o pau que dá em Chico, não dá em Francisco”.
Vivemos tempos inovadores! Todos os dias nossos juízes mudam as regras do jogo em favor de uns e contra outros, desequilibrando perigosamente a balança que simboliza a justiça. Depois de ter sacado da cartola o “domínio do fato”, ter criado o “estado flagrante”, admitir a jurisdição nacional para magistrado de primeira instancia, grampear presidente,… hoje a toga engenhou mais uma: a disjunção das contas de campanha do presidente e do vice. Quando pensamos que nada de mais absurdo pode acontecer, conseguem nos surpreender.
A campanha é financiada por caixa unificado. O dinheiro que banca os materiais eleitorais não distinguem o candidato e seu vice. Suponhamos que tenha havido irregularidades que maculem as finanças da chapa Dilma-Temer (o que não creio), se isso ocorreu, ela apenas teria beneficiado Dilma e não Temer? Mas não é justamente por ser vice de Dilma, que Temer pode se tornar presidente? Não foram eleitos pela mesma chapa, chapa financiada pelos mesmos recursos, recursos que, se irregulares, maculam ambos os cargos?
Na prática, estão armando outra cilada. Se o impeachment for barrado na arena parlamentar, resolvem a questão na arena jurídica. Querem que as supostas irregularidades recaiam exclusivamente sobre Dilma. Quatro Ministros do Supremo Tribunal Eleitoral querem descaradamente criar um novo precedente jurídico para livrar Temer dos quatro processos de cassação que estão sendo examinados.
O governo, PT e aliados encontraram o discurso certo: trata-se de um golpe! Não um golpe exclusivamente parlamentar nem jurídico, mas um golpe reacionário armado por múltiplos atores com diferentes interesses.
Neste momento é preciso subir o tom de denuncia das arbitrariedades que tem sido cometidas. Não tenho ilusão na ONU, mas a presidenta acerta quando decide relatar os fatos que ocorrem aqui para o mundo. As organizações populares e sindicais devem reavaliar a possibilidade de organizar congressos a partir da base para construir um comando nacional de mobilização com mandato. Este é o único caminho consistente para alavancar uma greve geral.
* Oleg Abramov é doutorando e Mestre em Ciências Sociais pelo PPGCSO/UFJF. Formado em História (UFJF) com especializações em História do Brasil (CES/JF), História Econômica (FEA/UFJF) e Planejamento e Gestão Social (UFJF). Pesquisa sistemas de bem-estar e políticas públicas de recorte social. É militante do movimento popular e sindical e fez parte do movimento estudantil. Atualmente é o Vice Presidente do PT JF e dirigente do Sindicato dos Professores (SINPRO JF) e da Central Única dos Trabalhadores (CUT MG).