A diplomacia do “apito de cachorro” dá sinais de apoio ao golpe no Brasil
por Mark Weisbrot, no Huffington Post / Tradução: André Klotzel
No dia seguinte à aprovação do impeachment pelo Congresso Nacional, um dos cabeças da iniciativa, o senador Aloysio Nunes, embarcou para Washington. Entre seus encontros agendados com autoridades, havia um com Thomas Shannon, no Departamento de Estado.
Shannon, uma pessoa relativamente obscura para a mídia, é o terceiro homem mais importante na escala hierárquica do Departamento de Estado. E, mais significativo neste caso, ele é a pessoa mais influente na política dos EUA para a América Latina. Ele é quem estará a aconselhar o Secretário de Estado, John Kerry, sobre a atuação dos EUA no decorrer do processo de destituição da presidente Dilma Rousseff.
A disponibilidade de Shannon para um encontro com Nunes logo depois da votação do impeachment é um forte sinal de que Washington embarcou com a oposição brasileira no episódio. Por que temos certeza disto? Simplesmente porque Shannon não tinha qualquer obrigação ou motivo para fazer a reunião. Se ele quisesse demonstrar uma neutralidade de Washington na briga acirrada e extremamente polarizada do Brasil, não faria reunião com nenhum representante, de nenhum dos lados, principalmente neste momento crítico.
O encontro de Shannon com Nunes é exemplo do que podemos chamar de “diplomacia do apito-de-cachorro”. Um fato que o radar da mídia internacional que ora cobre o conflito não acusa, portanto não deverá gerar repercussão negativa, mas que todos os protagonistas entenderão exatamente o que significa. E é precisamente por este motivo que o PSDB de Nunes divulgou o encontro.
A título de ilustração, um outro exemplo da diplomacia do apito-de-cachorro: em 28 de junho de 2009, os militares hondurenhos sequestraram o presidente Zelaya e o levaram para fora do país. O pronunciamento da Casa Branca não condenou o golpe e em vez disso conclamou “todos os atores políticos e sociais de Honduras” a respeitar a democracia.
Esse apito-de-cachorro funcionou perfeitamente. O importante era que os líderes do golpe e seus apoiadores de Honduras, bem como todos diplomatas em Washington, entendessem o significado do sinal. Apesar dos vários pronunciamentos em contrário, que condenaram o golpe mundo afora, em código diplomático havia um claro sinal de apoio ao golpe. Os acontecimentos dos seis meses seguintes, com Washington fazendo todo o possível para consolidar e legitimar o governo golpista, foram absolutamente previsíveis, se baseados neste sinal inicial. Hillary Clinton mais tarde admitiu em seu livro de 2014, “Hard Choices,” que ela foi bem sucedida em evitar o retorno do presidente democraticamente eleito.
Tom Shannon é conhecido entre os diplomatas como uma pessoa afável, funcionário de carreira qualificado e experiente, sempre disposto a sentar e negociar com governos que estão colocando obstáculos à política norteamericana na América Latina. Mas ele tem muita experiência com golpes (alguns dos e-mails de Hillary Clinton elucidam bem seu papel na consolidação do golpe hondurenho). Shannon também era funcionário de alto nível no Departamento de Estado durante a tentativa de golpe na Venezuela, em abril de 2002, episódio em que constam inúmeras evidencias documentais de envolvimento dos EUA.
No golpe parlamentar do Paraguai, em 2012 – semelhante ao que agora acontece no Brasil (mas que derrubou o presidente em apenas 24 horas) – Washington também contribuiu para a legitimação, no balanço final. (Por contraste os governos da América do Sul suspenderam a participação do governo golpista no MERCOSUL e UNASUL). Shannon era embaixador dos EUA no Brasil à época e uma das pessoas mais influentes na política hemisférica do governo norteamericano.
Questionado a respeito da visita de Aloysio Nunes, o Departamento de Estado disse que “este encontro foi planejado há meses e agendado por solicitação da Embaixada do Brasil”. É uma resposta irrelevante, significa apenas que havia funcionários da embaixada brasileira envolvidos no agendamento, para fins protocolares. Não implica em possível consentimento da administração Rousseff, ou qualquer alteração na mensagem política que a reunião com Shannon envia à oposição no Brasil.
Tudo isso é coerente com a estratégia de Washington, como reação aos governos de esquerda que vem comandando a região na maior parte do século 21. E eles raramente perdem uma oportunidade de sabotar, ou se livrar de qualquer um deles. O desejo de tirar o PT do governo brasileiro e substituí-lo por algo mais flexível e de tendência direitista, é óbvio e evidente.
Mark Weisbrot é co-diretor do Centro de Pesquisas de Política e Economia em Washington e presidente do “Just Foreign Policy”. É também autor do livro “Failed: What the ‘Experts’ Got Wrong About the Global Economy“ (2015, Oxford University Press)
(*) o “apito de cachorro” não é nem um pouco “silencioso” para o cão mas é chamado assim porque toca a uma frequência muito mais alta do que o ouvido humano pode captar (nota do tradutor, André Klotzel)