Por Marina Lacerda*
A matéria do El Pais – “Dos 513 deputados na Câmara do Brasil, só 36 foram eleitos com votos próprios. Por quê?” – está totalmente errada. Dos 513 deputados da Câmara, 468 deputados se elegeram com votos próprios. Apenas 45 deles (9%) não se elegeriam pelo sistema majoritário; ou seja, entraram “puxados” pelos votos do partido ou da coligação.
No Brasil, a eleição para presidente, governador, prefeito e senador é majoritária. Quem tem mais votos ganha. Já a eleição de deputados e vereadores é proporcional. As cadeiras são divididas na proporção de votos que cada partido ou coligação conquistou. O número de vagas de cada agrupamento é preenchido pelos candidatos mais votados de cada legenda.
O El Pais chegou àqueles números absurdos averiguando quais candidatos sozinhos alcançariam o quociente eleitoral. Quociente eleitoral, grosseiramente, é o número votos que a legenda precisa para ter direito a um assento. Os deputados não precisariam, para se eleger em um pleito majoritário, chegar ao quociente – ou seja, ter tantos votos quanto os votos somados dos candidatos de uma coligação inteira! O cálculo que o El Pais faz não tem sentido.
Se a eleição para a Câmara dos Deputados fosse majoritária (se simplesmente os mais votados de cada Estado levassem as vagas), 91% da composição da Casa seria a mesma que é hoje. Somente 9% seria diferente.
Mesmo o Deputado Tiririca levou consigo só dois deputados que não se elegeriam pelo sistema majoritário. Celso Russomano, o mais votado de São Paulo, levou quatro. Isso em um universo de 70 paulistas. Jair Bolsonaro, o mais votado do Rio de Janeiro, não puxou nenhum deputado consigo.
A “onda conservadora” não tem nada a ver com o sistema proporcional. Pelo contrário. A experiência internacional mostra que o sistema majoritário para eleição dos representantes do povo, da Câmara Baixa, cria mais distorções e elites na representação. Tanto que o sistema majoritário para eleição de deputados está sendo abandonado em todo o mundo.
Isso não quer dizer que nosso modelo não tenha problemas.
Para ilustrar. Segundo levantamento do Tortura Nunca Mais, depois da própria família, o motivo mais citado pelos deputados na declaração de voto pelo impeachment, no último dia 17, foi a cidade de origem do parlamentar. Isso mostra pouca adesão à ideia da representação proporcional (uma representação do conjunto do povo, de tendências de opiniões) e mais adesão à ideia de representação dos interesses locais, coerente com um sistema majoritário.
Isso provavelmente está relacionado à imensa fragmentação partidária – o simples fim das coligações atenuaria bastante esse problema. Segundo Antônio Augusto de Queirós, do DIAP, se as eleições de 2014 não tivessem coligações, teria ocorrido redução de número de partidos de 28 para 22. Os grandes partidos seriam os principais beneficiados: PT passaria de 70 para 102; PMDB, de 66 para 102; o PSDB, de 54 para 71 deputados eleitos.
O financiamento empresarial de campanhas tem também bastante a ver com a qualidade da representação.
Campanhas baseadas em gasto expressivo com material publicitário tendem a ter pouca densidade política.
Não existem fórmulas mágicas. Mas diagnósticos fantasiosos são péssimos para pensarmos em soluções.
* Marina Lacerda, advogada, mestre em Direito Constitucional pela PUC/Rio.