Golpistas ganham primeira batalha. O que fazer?

Análise Diária de Conjuntura – 18/04/2016.

Por incrível que pareça, não estou triste com a derrota. Não gostei dela, claro. Acho que a democracia sofreu um revés. Mas não carrego em meu coração, neste momento, nenhum sentimento de tristeza ou ressentimento.

Ao contrário, sinto-me alegre, sereno e disposto a continuar lutando, porque entendo que a luta é o que dá sentido à nossa vida.

Permitam-me algumas frases de darwinista de botequim.

A luta contra a opressão é uma luta eterna, quiçá de milhões de anos, porque é uma luta contra a morte, contra todos os elementos contrários à vida e à liberdade.

A luta da raça humana contra os arbítrios do capital, contra o conservadorismo, é a luta da nossa evolução biológica contra todos os elementos que pretendiam nos manter eternamente em estado de protozoários.

A derrota faz parte da luta. Então quem gosta de luta precisa aprender a transformar as derrotas políticas em vitórias morais, o que, aliás, foi justamente o que aconteceu ontem.

Tenho dado até risadas da ingenuidade dos coxinhas e trolls que invadem o blog, vomitando seus clichês idiotas.

Perdendo ou ganhando, O Cafezinho emerge dessas batalhas cada vez mais forte, porque é no exercício da luta, e não em seu resultado, que os músculos ganham densidade.

Dito isto, vamos à análise dos fatos.

O julgamento do impeachment acontecerá em 180 dias, mais ou menos junto às eleições municipais deste ano.

Haverá uma total contaminação entre o impeachment, Lava Jato e o processo eleitoral.

Teremos quatro fatores políticos determinantes até o fechamento das urnas em outubro de 2016. Os quatro irão se entrelaçar o tempo inteiro.

1) A discussão do impeachment no Senado, onde o governo terá muito mais tempo e muito mais chance de se defender do que teve na Câmara, onde o processo foi inteiramente atropelado pelos arbítrios de Eduardo Cunha.

2) A Lava Jato. A operação comandada pelo juiz Sergio Moro continua o principal ativo do golpe, porque não passa pela política, onde mal ou bem, ainda conseguimos travar a batalha de opinião. Com a aprovação do impeachment pela Câmara, Sergio Moro se sentirá empoderado para avançar em sua louca cavalgada, promovendo conduções coercitivas ilegais, abusando de prisões preventivas, torturando delatores, vazando seletivamente para a imprensa. A Lava Jato é essencial para produzir o “clima” do golpe, e será mais ainda na votação do Senado. Ela é o principal instrumento de chantagem contra os senadores contrários ao impeachment e contra qualquer agente político.

3) O processo eleitoral. Os setores golpistas da sociedade estarão mobilizados para derrotar a esquerda nas urnas. A esquerda, para resistir, precisará se organizar melhor, se unir em torno de valores e programas, pôr de lado suas divergências, construir plataformas de comunicação. O impeachment e a Lava Jato serão usados, naturalmente, para contaminar o processo eleitoral.

4) As ruas. Depois de anos fora das ruas, e com uma visão confusa e contraditória em relação às jornadas de junho de 2013, a esquerda finalmente se reconciliou com os espaços públicos. Aliás, desde 2013, o país vive um processo intenso de politização, que é positivo, mesmo que, num primeiro momento, a direita pareça ter levado vantagem. As ruas voltaram a ser ocupadas de maneira criativa e permanente pela esquerda.

***

É preciso entender que o golpe não é apenas o impeachment. Ele ganhou força através da ação partidária do judiciário, e da manipulação sistemática das notícias por parte da imprensa.

Vários fatores pró-golpe não podem ser mudados da noite para o dia. Não conseguiremos mudar o judiciário tão cedo. Mas ele vai mudar um dia para melhor, espero eu.

As mídias tradicionais, por sua vez, são um fator contraditório para o golpe. O envolvimento delas na campanha pró-impeachment é o seu canto do cisne, a sua melancólica despedida.

Elas nasceram golpistas e agora estão morrendo golpistas.

O seu golpismo ajuda a criar, no imaginário coletivo, uma nova mística para os movimentos de mídia livre (Ninja, Jornalistas Livres, blogs progressistas, ativistas da informação).

Os movimentos de mídia livre ganharam a mística de defensores da liberdade e da democracia.

É uma mística que transcende a questão ideológica de esquerda ou direita, porque não atrai apenas a velha esquerda tradicional, mas também liberais, libertários e defensores da Constituição.

Entramos, definitivamente, numa nova era do jornalismo brasileiro.

Surgiu uma dinâmica fatal para a imprensa tradicional: quanto mais ela se afunda nesse golpismo degenerado, mais a audiência migra para meios alternativos de informação.

Para muitas pessoas, os canais de mídia livre nem mais podem ser chamados de “alternativos”: eles se tornaram seu principal canal de informação.

Há um outro fator, porém, que tem ajudado muito o golpe: o apagão político do governo. Este apagão é uma das principais causas da situação em que vivemos hoje. Ele teve início no dia 1 do primeiro governo Dilma.

Nesta primeira etapa da luta contra o golpe, que antecedeu a votação na Câmara, todos minimizaram as críticas ao governo, entendendo o que ainda está em jogo: a legalidade democrática, a soberania do sufrágio universal, a luta contra o fascismo e a intolerância.

Nesta segunda etapa da luta, porém, podemos retomar algumas das críticas que vínhamos fazendo, quase que repetitivamente, ao governo federal.

A crítica mais importante, a meu ver, é o inacreditável provincianismo e incompetência do governo em matéria de comunicação.

O governo Dilma nunca teve um porta-voz, nunca teve uma estratégia de comunicação para fazer frente ao massacre diário que sofre na imprensa.

Nenhum governo do mundo pode sobreviver a tantos ataques sem uma estratégia de defesa e contra-ataque.

O governo é uma instituição política que precisa defender sua imagem, em nome de si mesmo e daqueles que o elegeram.

A falta de comunicação do Planalto é um insulto a todos que lutam contra o golpe.

A comunicação é a principal arma de qualquer agente político, sobretudo num ambiente de normalidade democrática, onde o uso da violência é monopolizado pelo Estado e regulado pela Constituição.

Comunicação não é – definitivamente – fazer propaganda política, de obras, bolsa família ou minha casa minha vida, como ainda parece pensar o governo.

Comunicação não é pintar um quadro maravilhoso de uma recuperação econômica que ainda não está vindo.

A comunicação do governo tem de ser menos… governamental e ser mais política, mais moderna, mais jovem, mais sincera, mais dinâmica, mais… comunicativa.

Comunicação é interferir na narrativa. Nomear ministros surpreendentes. Ter porta-voz. Usar as redes de maneira sistemática, 24 horas por dia. Ter uma marca, mas uma marca que tenha consistência e coerência política. Falar dos problemas econômicos com franqueza, sem medo de críticas, propor soluções, ouvir o eleitorado. Ter uma comunicação criativa e moderna. Fugir de clichês, fugir da burocracia, fugir do protocolo. Divulgar vídeos pequenos (inclusive com legendas em inglês e outras línguas, ou mesmo dublados), para divulgação em redes fechadas e abertas. Oferecer uma narrativa diferente à imprensa estrangeira.

Comunicação também é mudar o foco da política econômica. Durante todo o primeiro ano, o governo teve uma narrativa única: ajuste fiscal. Este é o resultado: não teve ajuste nenhum, aumentou o desemprego e abriu-se o flanco para um golpe de Estado.

O governo tem de responder às denúncias e acusações. Tem de montar uma infra-estrutura para isso. E tem de bancar politicamente, corajosamente, essa estrutura: ela tem de vir diretamente do Planalto.

Tem mais, o governo deve se preparar, desde já, a fazer o embate político contra o golpismo judicial. Não é justo que a comunidade que defende o mandato constitucional de Dilma Rousseff seja violentada por mentiras e manipulações acertadas entre Sergio Moro e Globo.

Será que nem um golpe de Estado convencerá o governo a apostar numa comunicação mais forte? Não pode fazer uma mísera reforma no blog do Planalto?

O Planalto apostou demais em ministros e caciques políticos que o esfaquearam pelas costas, ao invés de apostar numa comunicação direta com a sociedade, que permitisse combater o clima de golpe e, com isso, influenciar a opinião pública e o parlamento.

É preciso valorizar as amplas e esclarecidas parcelas da população que estão ao lado da legalidade. É precisar usar o governo para construir estruturas de comunicação que ofereçam narrativas diferentes à opinião pública.

Estruturas públicas, privadas e cooperativas.

Dilma deu uma coletiva à imprensa internacional. Mas não adianta muito fazê-lo apenas uma vez. A comunicação, voltada para o Brasil e para o mundo, tem de ser uma constante do governo.

A presidenta tem que dar coletivas à imprensa internacional diariamente!

O governo tem de oferecer à imprensa internacional, 24 horas por dia, a sua própria narrativa. Este é um dever moral e político do governo. E deve fazê-lo não apenas em momentos de crise, mas de maneira sistemática.

(Crédito foto: Agência Câmara? Link de onde ela foi capturada).

Miguel do Rosário: Miguel do Rosário é jornalista e editor do blog O Cafezinho. Nasceu em 1975, no Rio de Janeiro, onde vive e trabalha até hoje.
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