‘Congresso hostil e manchado por corrupção’ derrota Dilma, diz ‘Guardian’
A decisão da Câmara dos Deputados de autorizar a abertura do processo de impeachment contra a presidente Dilma Rousseff recebeu destaque na mídia internacional, que citou a ampla derrota do governo na votação de domingo, mas questionou as credenciais políticas do presidente da Câmara, Eduardo Cunha (PMDB-RJ), e do vice-presidente, Michel Temer (PMDB)
na BBC Brasil
Os veículos também expressaram curiosidade com o clima da votação, em especial o comportamento dos deputados.
Acima de tudo, a imprensa estrangeira destacou a precária situação econômica do Brasil.
‘New York Times’ (EUA)
Para o The New York Times, o resultado foi uma “derrota esmagadora” para Dilma e o PT.
O jornal afirma que, se vier a ocupar a Presidência, Temer terá de lidar com uma série de desafios políticos e econômicos.
“Ele também enfrenta um possível impeachment pelas mesmas acusações feitas contra Rousseff, assim como acusações de que se envolveu num esquema ilegal de venda de etanol”, diz o diário.
O jornal descreve Eduardo Cunha como um “político poderoso e um cristão evangélico que gosta de usar o Twitter para difundir versículos da Bíblia”. E menciona as acusações de que o presidente da Câmara usou contas em bancos suíços para esconder “milhões de dólares em propina”.
O NYT mencionou a preocupação de analistas políticos brasileiros com o que classificou como danos a longo prazo para a “jovem democracia brasileira, restabelecida em 1985 após duas décadas de ditadura militar”.
The Guardian (Reino Unido)
O jornal britânico diz que Dilma foi derrotada por um “Congresso hostil e manchado por corrupção”.
Segundo a publicação, Cunha é o “marionetista por trás da novela do impeachment”. Foram citadas as acusações de que o peemedebista recebeu propinas provenientes do escândalo de corrupção da Petrobras.
O Guardian também mencionou a polêmica exaltação do deputado Jair Bolsonaro (PSC-RJ) ao coronel Carlos Brilhante Ulstra, envolvido com tortura durante a ditadura militar.
Houve também ênfase ao fato de que diversos deputados que votaram pelo impeachment são alvo de processos criminais.
“A sessão também expôs o caráter burlesco da democracia brasileira em alguns momentos, como o Partido das Mulheres, que só tem deputados, ou o Partido Progressivo Socialista, um dos mais à direita do congresso”, escreveu o correspondente do Guardian para a América Latina, Jonathan Watts.
El País (Espanha)
Em reportagem intitulada “Deus derruba a presidente do Brasil”, o jornal espanholEl País citou os vários deputados que justificaram o voto pelo impeachment com argumentos religiosos.
A imensa maioria dos deputados que votou contra Dilma, diz o jornal, “pareceu se esquecer dos verdadeiros motivos que estavam em discussão”.
O El País diz que, se assumir, Temer enfrentará dura oposição do PT, “conhecido por sua habilidade em mobilizar sindicatos e movimentos sociais em protestos nas ruas”.
O diário diz, por outro lado, que o vice deve receber o apoio do mercado e da indústria, “o que lhe daria uma curta lua de mel em que poderia tentar reequilibrar as finanças públicas naufragantes e propor algumas reformas”.
La Nación (Argentina)
O argentino La Nación destacou o clima no plenário da Câmara, “um cenário mais próprio a um campo de futebol do que a um dos momentos mais importantes da história” da casa.
“O dia mais tenso na história recente do Brasil tem todos os ingredientes de um thriller político do Netflix”.
The Washington Post (EUA)
O Washington Post diz que o processo contra Dilma ocorre num momento de “impressionante mudança na sorte de um país onde tudo parecia ir bem alguns anos atrás”.
“Agora está metido em sua pior crise econômica desde os anos 1930. Uma assustadora epidemia de zika continua a se espalhar. E com a cerimônia de abertura da Olimpíada no Rio de Janeiro a menos de quatro meses, os líderes do país estão inteiramente consumidos pela crise política e um avassalador escândalo de corrupção”, diz o jornal.
Le Monde (França)
O jornal francês Le Monde deu destaque ao que classificou como um ambiente de fatos e gestos insólitos na sessão da Câmara – em artigo intitulado “Os 10 segundos de celebridade dos brasileiros”.
“Cada um dos 511 deputados presentes se beneficiou de seus 10 segundos de palavra para deixar sua marca nessa sessão histórica transmitida ao vivo”, disse o jornal, para quem deputados tiveram “posturas teatrais para enviar mensagens pessoais que pouco tinham a ver com as acusações de manobras fiscais contra Rousseff”.
O Le Monde mostrou surpresa com o fato de parlamentares estarem enrolados na bandeira nacional ou em pavilhões estaduais. E ressaltou a escolha de vestuário da deputada Cristiane Brasil (PTB-RJ), que foi ao plenário vestida com uma camisa da seleção brasileira.
Wall Street Journal (EUA)
Em sua cobertura, o americano Wall Street Journal diz que o impeachment de Dilma é um sério teste para o processo democrático no Brasil e cita a estatística histórica de que quatro dos oito presidentes eleitos no Brasil desde 1950 não conseguiram completar seu mandato. O jornal cita o depoimento de Melvyn Levitsky, embaixador dos EUA em Brasília entre 1994 e 98, que descreve o sistema político brasileiro como “completamente estragado”.
Assim com várias publicações, o WSJ não exime Dilma de responsabilidade na crise política, lembra o seu currículo mais tecnocrata que político e o fato de que sua eleição como presidente em 2010 foi a primeira de sua carreira.
O jornal disse que o estilo de Dilma no poder não combinou com o ambiente de Brasília, “uma capital insular em que lealdades e amizades são seladas com tapinhas nas costas e churrascos”.