Charge: Latuff / Sul21
por Pablo Villaça, no Facebook
E aqui estamos, às vésperas de um dos dias mais importantes de nossa ainda tão jovem democracia. Vinte e sete anos depois do fim da ditadura – o maior período democrático de nossa República -, o próximo domingo representará um daqueles momentos que entrarão para os livros de História.
A pergunta é: será uma página que marcará o início de um governo ilegítimo, conquistado graças ao tapetão e às manobras de uma oposição frustrada por não conseguir o apoio da população nas urnas, ou uma lembrança importante de como as forças democráticas se uniram para derrotar mais uma tentativa de golpe?
Que o que está havendo é um esforço golpista não há mais qualquer dúvida: até a imprensa internacional (incluindo veículos “petralhas” como a Forbes e o New York Times) já se convenceu de que o impeachment é movido pelos interesses de políticos determinados a conquistar o poder a fim de se manterem impunes diante de diversas denúncias de corrupção, derrubando, para isso, uma presidenta que NINGUÉM acusou de se envolver em qualquer crime com o objetivo de ganhos pessoais.
Não, Dilma não é uma boa governante. Tenho inúmeras críticas à sua gestão (e já expressei várias aqui e no Twitter) e me senti traído ao perceber que boa parte das propostas apresentadas durante a campanha acabou cedendo espaço aos interesses do “mercado” e de setores mais conservadores.
Mas má gestão não é crime de responsabilidade e, portanto, não é motivo para impeachment. (Sobre as tais “pedaladas fiscais”, já comentei em posts mais abaixo.)
Aliás, a questão é muito mais grave: se a oposição conseguir derrubar Dilma, o princípio democrático da escolha de nossos representantes pelas urnas ruirá, comprovando que qualquer presidente que não ceda às chantagens do Congresso poderá ser removido sumariamente. A partir daí, nossa democracia já terá oficialmente fracassado.
Para piorar, os substitutos, sem legitimidade alguma, seriam impossibilitados de governar – e considerando o caráter de Temer/Cunha/Serra/etc, não seria de se espantar caso passassem a usar a força para reprimir movimentos sociais determinados ao protesto.
O nome disso é Ditadura, não interessando se nascida de um golpe militar ou parlamentar.
Sim, porque é preciso dar nome aos bois; linguagem é fundamental. Não é à toa que a mídia diz que Dilma “negocia ministérios” e que Temer “estuda composição ministerial”. Os militares também não aceitavam chamar o golpe por este nome, preferindo batizá-lo de “revolução”.
Mas lutar pela democracia – especialmente por um governo que não inspira fidelidade – não é fácil. Seria mais simples deixar para lá, ver em que número o dado vai cair e regular as apostas a partir daí. Seria também mais prudente.
E seria também uma tremenda covardia.
Há anos venho escrevendo sobre o perigo do crescimento da bancada BBB (Boi, Bala e Bíblia) e desde outubro de 2014 venho alertando sobre os movimentos golpistas (basta conferir o histórico aqui do Facebook e do Twitter). Durante a maior parte do ano passado, éramos poucos a apontar o que estava acontecendo – e, claro, recebíamos também toda a fúria dos perfis e das páginas de direita, que disparavam ameaças, insultos e acusações de estarmos recebendo dinheiro do governo para defendê-lo. Espalharam, por exemplo, um projeto de 2007 com meu nome alegando que eu havia recebido 170 mil reais – mas removendo, claro, a parte do processo que esclarecia que eu não havia recebido um centavo sequer. (E sejamos francos: MESMO que eu tivesse captado algo por uma lei de incentivo – e não captei -, isto não seria crime. Ou Danilo Gentili pode captar mais de um milhão para seu filme enquanto a esquerda é proibida de usar os recursos da lei?)
Perdi NO MÍNIMO um terço de meus leitores. Perdi apoios comerciais do site. Perdi meus sócios. E ainda assim, ignorei conselhos de amigos e parentes e segui adiante.
Sabem por quê? Porque há lutas que são maiores do que a gente. E quando o país começou a acordar para o golpismo e a se manifestar nas ruas, senti um tremendo alívio ao perceber que já não éramos mais poucos e que não havíamos insistido à toa.
Cada um de vocês é um aliado fundamental nesta luta. Cada voz é instrumental. Por muito tempo, as forças conservadoras ganharam no grito nas redes sociais e, consequentemente, na condução da narrativa. Mas com a SUA voz, com SEU grito de indignação, a narrativa foi mudando aos poucos.
Estamos do lado certo da História, lindezas. Para ter certeza disso, não precisamos apenas saber que estamos lutando pela manutenção do resultado democrático das urnas; podemos também simplesmente ver quem está do outro lado. Bolsonaros, Felicianos, Malafaias, Caiados e Cunhas são relíquias, anacronismos, artefatos do passado. Representam ideias vencidas, com cheiro de mofo. Representam a intolerância, o desrespeito e o preconceito.
Venceremos no próximo domingo. E ainda mais importante que isso: saberemos que quando a História for escrita, poderemos manter as cabeças erguidas sabendo que nos mantivemos firmes do lado do progresso e da democracia.
Restará apenas exigir que o governo que elegemos nos represente de verdade – e duvido muito que não tenha aprendido sua lição.
Agora é a vez de a oposição aprender a dela.
Pablo Villaça é Crítico de cinema desde 1994, diretor-fundador do portal Cinema em Cena e autor do livro “O Cinema Além das Montanhas”