Foto: Fernando Frazão/ Agência Brasil
por Paulo Teixeira
Em um vídeo recente, o pensador português Boaventura de Sousa Santos diz que estamos vivendo um processo de desestabilização da vida política, social e econômica do Brasil, orquestrada por forças internas e externas com o objetivo de recuperar o poder que perderam após a eleição do ex-presidente Lula. No vídeo, Boaventura se dirige aos que se opõem ao impeachment de Dilma e arremata: “Estais do lado certo da História”, afirma. “As forças golpistas serão travadas, a democracia regressará à sua normalidade, e todos nós voltaremos ao nosso trabalho por uma sociedade melhor e mais justa”.
Não é preciso ser Boaventura de Sousa Santos para decifrar o golpismo a que ele se refere. O golpe tem muitas faces e muitos aspectos. Ele não carece de tropas nem precisa fechar o Congresso Nacional para existir. No Brasil de 2016, o golpe é sutil, burocrático, igualmente perverso. As forças internas e externas mencionadas por Boaventura aproveitam-se de pesquisas de opinião que atribuem baixa popularidade à presidente Dilma para amparar, ao arrepio da lei, um processo de impeachment que em tudo carece de lastro jurídico e isonomia. E busca avançar, apoiando-se em manobras perpetradas diuturnamente por um presidente da Câmara sobre o qual recaem graves acusações.
São muitos os motivos pelos quais chamamos de golpe a campanha pelo impeachment da presidenta Dilma. Acerta quem diz que impeachment é um instrumento legítimo, previsto na Constituição Federal. Mas nem todo impeachment o é. A previsão constitucional desse instrumento não torna legítimo o processo em tramitação contra a presidenta Dilma. Para depor um presidente, por meio de impeachment, há que se comprovar crime de responsabilidade. Sem a existência de crime, é golpe. E Dilma não cometeu crime de responsabilidade. Admitir que Dilma Rousseff possa ser afastada sem que haja crime de responsabilidade equivaleria a dizer que um zagueiro pode ser expulso de campo mesmo sem cometer falta, simplesmente porque o cartão vermelho está previsto no regulamento do futebol.
Insatisfação com o governo Dilma não é motivo para impeachment. Acreditar que as coisas vão melhorar após a saída da presidenta, o que não é verdade, tampouco é motivo para impeachment.
A votação marcada para domingo tem como objeto um pedido de impeachment protocolado no ano passado. O texto atribui a Dilma duas coisas: a responsabilidade por realizar as chamadas “pedaladas fiscais” e por editar seis decretos de crédito suplementar. Nesses dois aspectos, não houve crime. Tais decretos são rigorosamente legais e as ditas pedaladas, além de legais não estavam na alçada dela. As contas de 2015, nas quais esses atos se inserem nem sequer foram analisadas pelo Tribunal de Contas da União, nem pelo Congresso Nacional.
Uma observação cuidadosa das peças que compõem o tabuleiro do impeachment mostrará que há, visivelmente, uma tentativa da oposição de chegar ao governo no tapetão, transformando em julgamento político o que deveria ser um julgamento jurídico. Uma proposta de impeachment patrocinada por Eduardo Cunha, que responde a graves denúncias de corrupção e acatou o pedido de impedimento em retaliação ao governo e ao PT, no mesmo dia em que votamos a favor da admissão de seu processo de cassação no Conselho de Ética, é uma forma de promover um golpe.
É preciso superar o tema do impeachment. Em primeiro lugar, para que possamos retomar o diálogo, virar a página e destravar o Brasil. Mais da metade da população brasileira, segundo o Vox Populi, já percebeu que o impeachment não vai resolver a crise. Temos de enterrar o golpe, adotar medidas que viabilizem a retomada do crescimento e a proteção do emprego, e consolidar as reformas necessárias, sobretudo a reforma política. Por isso estou convencido de que teremos os votos necessários no domingo. Seguiremos do lado certo da História. Não vai ter golpe.
Paulo Teixeira é deputado federal (PT-SP) e vice-líder do governo na Câmara dos Deputados