Rosa Luxemburgo estava certa: A saída da crise é pela esquerda

“Os 1% mais ricos do mundo controlam 46% da riqueza mundial — Oxfam… Ainda não é o suficiente” (Charge: M. Wuerker / Politico)

por Carlos Eduardo, editor-assistente do Cafezinho

Friedrich Engels – não confundir com Friedrich Hegel – disse certa vez: “A sociedade burguesa se encontra diante de um dilema: ou avanço para o socialismo ou recaída na barbárie”.

A frase se tornou icônica depois de um ensaio da filósofa e economista Rosa Luxemburgo, com o título “Socialismo ou Barbárie”, publicado na França em 1916.

Em meu último artigo aqui no Cafezinho apontei para o fato – até então inédito na política norte-americana – de uma imensa maioria do eleitorado americano estar insatisfeita com os rumos de seu país na última década – praticamente dois terços dos eleitores, ou 64%, segundo pesquisa da Universidade de Quinnipiac, em Massachusetts.

Após a crise de 2008, mega manifestações como o Occupy Wall Street e Black Lives Matter se tornaram constantes nos Estados Unidos.

No caso do Black Lives Matter é interessante observar como um movimento inicialmente modesto, de jovens afro-americanos contra a violência policial e o assassinato de negros na pequena cidade de Fergunson, no Missouri, foi capaz de inspirar dezenas de outras manifestações por todo o país.

Uma onda de protestos das classes mais pobres e oprimidas – formada principalmente por negros e latinos – exigindo melhores condições de vida e direito a plena cidadania.

Manifestante veste casaco com os dizeres ‘Black Lives Matters’, durante protesto em frente ao Capitólio dos Estados Unidos, em Washington (Foto: Evan Vucci / AP)

Qualquer semelhança com o Movimento Pelo Passe Livre, em São Paulo, que começou como uma simples marcha de jovens estudantes contrários ao aumento de R$ 0,20 na passagem de ônibus e deu o pontapé para as manifestações de julho de 2013, não é mera coincidência.

Em tempos de crise é normal ver cidadãos inconformados com o sistema, reclamando por seus direitos.

Mal ou bem, o Brasil passa pelo mesmo dilema.

Assim como nos Estados Unidos milhares de pessoas creem no discurso de Donald Trump, de que basta expulsar os imigrantes para ‘tornar a América grande novamente’ (tradução livre para make America great again), tenho amigos e parentes acreditando piamente que basta derrubar a presidente Dilma Rousseff e entregar de bandeja o poder ao PMDB para tudo melhorar e o país voltar a crescer.

Em parte, esse desejo radical por mudança explica os fenômenos de Donald Trump e Bernie Sanders nesta campanha presidencial, rumo à Casa Branca.

Atualmente para milhões de norte-americanos a vida se tornou uma luta miserável e ingrata pela sobrevivência.

Segundo pesquisa da Associated Press, divulgada em 2013: quatro em cada cinco americanos ou estão desempregados, ou estão perto de cair para abaixo da linha de pobreza, ou são dependentes de programas sociais do Estado.

Apesar dos dados não serem tão recentes, desde a crise financeira de 2008 somente os bancos se recuperaram verdadeiramente do colapso econômico – devido é claro ao socorro do governo –, porque para o povo a vida está cada dia mais difícil.

A desigualdade não para de aumentar, o salário mínimo está estagnado há décadas e diversos analistas conceituados alertam para o perigo de um novo crash na economia mundial, caso nada seja feito.

Neste quadro atual, ver um “socialista democrático”, como Bernie Sanders, disputando de igual para igual com a maior representante do establishment e status quo destas eleições, a senadora Hillary Clinton, já não se torna assim algo tão surpreendente.

Média de pesquisas realizado pelo agregador de blogs, RealClearPolitics, mostra Bernie Sanders empatado tecnicamente com Hillary Clinton

Cabe lembrar que o diretório nacional do Partido Democrata, o DNC (Democratic National Committee), vem apoiando descaradamente a candidatura de Hillary Clinton e boicotando de todas as maneiras possíveis a campanha de Bernie Sanders.

Se por um lado os pragmáticos do partido Democrata ainda ditam os rumos de sua legenda, os republicanos por outro perderam totalmente o controle do partido, a ponto de um lunático como Donald Trump despontar como favorito absoluto nas primárias.

O desespero é tanto, que dentro do Partido Republicano já se cogita até em anular as prévias e nomear Paul Ryan, o atual presidente da Câmara dos Representantes – nome que os americanos dão a sua Câmara de Deputados –, como candidato em 2016.

Uma jogada arriscada, afinal seria praticamente um golpe dos líderes republicanos não apenas contra Donald Trump, mas contra todos os filiados do partido que apoiam suas ideias e participaram das primárias acreditando nas regras do jogo.

No entanto, ainda acredito numa possível disputa entre Bernie Sanders e Donald Trump pela Casa Branca.

Sobretudo depois do escândalo dos e-mails de Hillary Clinton, flagrada usando uma conta pessoal para trocar informações de segurança nacional, algo que nos Estados Unidos é um crime federal. Nos próximos dias ela será interrogada pelo FBI, fato que pode impactar seriamente sua campanha.

“Parece que minha campanha está chamando muita atenção” (Charge: Gary Varvel / Creators Syndicate)

Se de fato isso ocorrer, quem poderia imaginar que cem anos depois, os Estados Unidos da América estariam diante do mesmo dilema de Rosa Luxemburgo sobre a Alemanha de seu tempo?

Ironias à parte, a atual política norte-americana apenas demonstra o quão correta estava a filósofa e economista, Rosa Luxemburgo, quando declarou que a sociedade moderna enfrenta duas opções: socialismo ou barbárie?

“Lancemos um olhar ao nosso redor neste momento e nós compreenderemos o que significa a recaída da sociedade burguesa na barbárie. A vitória do imperialismo leva ao aniquilamento da civilização – esporadicamente durante o curso da guerra moderna e definitivamente se o período de guerras mundiais que se inicia agora vier a prosseguir sem entraves até suas últimas consequências. É exatamente o que Friedrich Engels havia predito uma geração antes de nós, há quarenta anos. Nós estamos colocados hoje diante desta escolha: ou bem o triunfo do imperialismo e a decadência de toda a civilização tendo como consequências, como na Roma antiga, o despovoamento, a desolação, a degenerescência, um grande cemitério; ou bem vitória do socialismo, ou seja, da luta consciente do proletariado internacional contra o imperialismo e contra seu método de ação: a guerra” – Rosa Luxemburgo, 1916. (tradução livre)

Pois ‘barbárie’ seja talvez a única palavra possível para descrever um candidato como Donald Trump, que lidera as pesquisas de seu partido com uma campanha extremamente fascista, atacando imigrantes, negros, mulheres e qualquer outra minoria que cruze seu caminho.

Campanha esta que promete, por exemplo, proibir pessoas de um determinado grupo religioso a entrar nos Estados Unidos, ou deportar outros 11 milhões de imigrantes, em sua maioria latina, e ainda construir um muro gigantesco na fronteira dos Estados Unidos com o México.

No entanto, para quem acha Donald Trump apenas um doido varrido em busca de atenção, saiba que o mundo bárbaro proposto por ele já existe nos Estados Unidos, apenas em menor grau.

Algumas das propostas de Trump foram até implementadas pelo próprio governo Obama.

Muçulmanos e imigrantes de países subdesenvolvidos já sofrem discriminação e repressão em toda a sociedade norte-americana, através do sistema de vigilância policial, que marca estes indivíduos como criminosos em potencial.

Desde o atentado de Paris, os crimes de ódio contra mulçumanos triplicaram no país.

Em 2014, o blog do jornalista inglês Glenn Greenwald, radicado no Brasil, divulgou o escândalo da ‘Lista dos Sem Voo’ (ou No-Fly List, em inglês) – uma lista com milhares de árabes e descendentes de árabes pelo mundo afora que estavam proibidos de embarcar em um avião comercial, segundo recomendação do governo norte-americano.

Entre eles havia um empresário libanês-americano, residente nos Estados Unidos há 24 anos, sem passagem pela polícia, que desde setembro de 2012 estava proibido de embarcar em qualquer voo comercial, até mesmo para visitar a família no Líbano.

O governo Obama também deportou mais de 2,5 milhões de pessoas – mais do que qualquer outro presidente na história dos Estados Unidos.

Desde a aprovação do NAFTA (Tratado Norte-Americano de Livre Comércio, ou North American Free Trade Agreement, em inglês) no Congresso Americano, a fronteira dos Estados Unidos com o México tornou-se numa das mais militarizadas do mundo.

O movimento espontâneo e voluntário de jovens a favor da campanha de Bernie Sanders sintetiza perfeitamente o desejo de uma parcela importante da sociedade, que repudia a barbárie e sonha com uma social-democracia nos moldes europeus praticados por Inglaterra, França, Alemanha e países escandinavos.

No alerta de Rosa Luxemburgo sobre ‘socialismo ou barbárie’, não há espaço para o meio-termo: tanto Donald Trump, quanto Hillary Clinton, já se revelaram representantes da barbárie.

Jovem comemora vitória de Bernie Sanders nas primárias democratas de New Hampshire (Foto: Spencer Platt / Getty Images)

Para quem acha Trump o candidato mais tosco que já surgiu nos Estados Unidos, imagine só o que irá aparecer depois dele, caso Hillary Clinton seja eleita?

Certamente teremos mais quatro ou oito anos de ideologia neoliberal, austeridade econômica, redução dos direitos trabalhistas, aumento ainda maior da desigualdade social, destruição do meio ambiente e dezenas de outras guerras patrocinadas pelos Estados Unidos ao redor do mundo.

O que virá após isso?

Não tenho dúvidas: um candidato no estilo ‘Donald Trump’, talvez ainda mais radical e preconceituoso.

O conselho de Rosa Luxemburgo também vale para o Brasil

Assim como os norte-americanos, nós brasileiros também enfrentamos o mesmo dilema levantado por Rosa Luxemburgo.

A “Ponte Para o Futuro” proposta pelo vice-presidente Michel Temer, caso assuma o Palácio da Alvorada, é uma verdadeira “Ponte Para a Barbárie”.

Apesar de todos os erros cometidos pelo PT nestes últimos 13 anos, a maioria do povo elegeu a chapa Dilma-Temer em prol de um programa de governo que se diz trabalhista e social-democrata.

Os críticos acusam o PT de fazer tantas concessões em nome da governabilidade, que seria até blasfêmia chamá-los de social-democratas, em respeito aos partidos genuinamente social-democratas europeus.

Concordo com a crítica.

No entanto, ainda considero as gestões de Lula e Dilma o mais próximo que já tivemos de um governo social-democrata em toda nossa história. Um governo preocupado com os mais pobres, comprometido em acabar com a fome, aumentar a renda dos trabalhadores e reduzir as desigualdades sociais.

Manifestante no Largo da Carioca, Rio de Janeiro, pede para que a direita raivosa desista do golpe e faça terapia. (Foto: Fernando Frazão / Agência Brasil)

O que vemos agora é um grupo de políticos comprovadamente corruptos, aliados ao vice-presidente da República, querendo derrubar uma presidenta eleita democraticamente e contra a qual não pesa nenhum crime de responsabilidade, para por no lugar a mesma oposição que perdeu as últimas quatro eleições.

E pior.

Este grupo pretende impor goela abaixo da sociedade um programa de governo ultraliberal conservador, rejeitado pelo povo na última eleição.

Entre as medidas defendidas por esses canalhas estão:

  • Retomada das privatizações de setores estratégicos do Estado;
  • Corte nos programas sociais, como Bolsa Família e Minha Casa Minha Vida;
  • Redução do número de impostos pagos pelos empresários, para aumentar os ganhos de capital;
  • Fim dos percentuais de despesas obrigatórias com saúde e educação;
  • Flexibilização das leis trabalhistas;
  • Fim do décimo terceiro salário;
  • Redução do tempo da licença-maternidade e término da licença paternidade;
  • Fim do FGTS;
  • E fim das indexações para salários e benefícios previdenciários.

Ou seja, a mais pura barbárie contra o povo brasileiro trabalhador!

Se Rosa Luxemburgo ainda estivesse viva, sem dúvida, estaria ao lado dos manifestantes contrários ao impeachment, lutando pela democracia e gritando em alto e bom som: “a saída da crise é pela esquerda!”.

Redação:
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