“Quadrilha” do golpe quer roubar democracia e direitos

Brasília - Deputados da oposição fazem ato pró-impeachment em frente do Congresso Nacional e do Palácio do Planalto (Antonio Cruz/Agência Brasil)

Foto: Antonio Cruz/Agência Brasil

por Claudir Nespolo, na CUT

Acompanhamos nos últimos anos no Brasil, principalmente após o segundo turno das eleições de 2014, um movimento golpista bastante orquestrado, a exemplo de 1964, que se aproveita dos efeitos da crise econômica em âmbito internacional e dos equívocos do governo federal para impor uma derrota à esquerda brasileira e ao projeto político em curso no país desde 2003.

Essa ofensiva atua sob forma de “quadrilha” e está montada em cinco núcleos. O NÚCLEO DE INTELIGÊNCIA opera desde os Estados Unidos e representa poderosos interesses das indústrias petroleira e armamentista e dos rentistas contrariados pelas políticas adotadas nos governos Lula e Dilma.

O NÚCLEO INSTITUCIONAL possui setores do Judiciário, Ministério Público (MP) e Polícia Federal (PF). O NÚCLEO POLÍTICO é formado por determinados partidos políticos e uma rede de parlamentares que jogam no quanto pior, melhor. O NÚCLEO PATRONAL é composto por entidades empresariais interessadas na eliminação de direitos dos trabalhadores.

E há ainda o NÚCLEO DE PROPAGANDA, constituído pelas grandes corporações da mídia, sobretudo as ORGANIZAÇÕES GLOBO, cujo papel central é organizar o discurso midiático para ser largamente transmitido pelos demais veículos. Esse setor conta também com subgrupos de grande habilidade nas redes sociais e no uso de táticas de mobilidade de movimentos de rua.

Diante deste imenso arsenal de maldades, os brasileiros que defendem a democracia e a legalidade e se opõem aos golpistas não podem agir com ingenuidade, sobretudo a classe trabalhadora, que será a grande vítima, caso essa “quadrilha” tenha sucesso na execução deste impeachment, que é um golpe contra o povo e a Constituição e significa uma ameaça à soberania do país.

O NÚCLEO DE INTELIGÊNCIA

Como sabemos, os governos Lula e Dilma não fizeram rupturas com o capital. Porém, a criação do BRICS e seu banco de desenvolvimento “por fora” do sistema padrão dos EUA, somado à drástica redução da taxa básica de juros (Selic) em 2013, chegando a 7,5% ao ano, disparou o alerta geral no capital financeiro, sobretudo nos insaciáveis RENTISTAS, o principal pilar do modelo neoliberal norte americano.

Entre 2012 e 2013, os órgãos de espionagem dos EUA grampearam o telefone da Dilma, com o objetivo de obter detalhes do pré-sal. O Lula já havia contrariado profundamente a indústria PETROLEIRA com a adoção do modelo de partilha na exploração do pré-sal e a instituição do conteúdo nacional na produção dos equipamentos.

Também a indústria ARMAMENTISTA, que lá manda muito, ficou contrariada com o início da construção do submarino nuclear brasileiro. Dilma acabou aprofundando o descontentamento quando fechou negócios com os suecos na compra dos aviões de caça para a FAB.

Nesse mesmo período, os EUA já vinham colocando em prática tecnologias de desestabilização em países não alinhados aos seus interesses estratégicos. Trata-se de um modelo mais barato e menos desgastante do que a clássica intervenção militar. Consiste no treinamento de ”líderes sociais” para estimular movimentos como a chamada Primavera Árabe.

Essa forma de dominação do império já vem sendo implementada na América Latina, incluindo o Brasil. Integrantes do Ministério Público, juízes, parlamentares, policiais e algumas organizações lideradas pela juventude de direita já fizeram cursos de preparação nos EUA e de lá recebem apoio financeiro e logístico.

Essa nefasta intromissão norte americana não pode tolerada, mas precisa ser estancada, pois agride a soberania brasileira e tenta neutralizar a liderança cada vez maior que o Brasil exerce no continente, no BRICS e no cenário mundial.

Não tenhamos dúvidas, que é dos EUA que vem a inteligência do golpe que as elites de sempre estão tramando.

O NÚCLEO INSTITUCIONAL

Pela primeira vez na história, o MP e a PF contam com legislações atualizadas que permitem aprofundar a investigação de corruptos e corruptores no Brasil. Lula, diferente de outros governos, implementou a autonomia das instituições e sempre respeitou o mais votado das listas tríplices nas indicações de comando do MP.

No entanto, tudo indica que esses “avanços” não dotaram parte desses órgãos de segurança e de controladoria pública de maior republicanismo. Pelo contrário, parte considerável do MP, PF e do Judiciário atua como porta-voz dos interesses das elites. Esses agentes estão se apresentando para “fazer justiça”, investigando seletivamente e prendendo ao arrepio da lei pessoas com alguma relação com o PT e o governo Dilma. Esses setores nunca esconderam que o foco central era desqualificar o Lula. O próprio juiz Moro declarou na delação de diretores da Odebrecht que “não importavam fatos anteriores a 2003”.

O aprofundamento da crise econômica do país faz parte da estratégia dessa frente institucional. Quanto mais insegurança econômica, mais a população lhe dá atenção. Para isso, estão destruindo empregos e empresas, semeando a ideia de terra arrasada. Isso explica a falta de vontade em separar os diretores criminosos dos negócios das empresas. Em um cenário de retorno de investimentos nas obras de infraestrutura paralisadas, quais empresas serão contratadas? As norte americanas? As chinesas?

Esse núcleo também produz ídolos para a massa desinformada e cuidadosamente preparada para aclamar justiceiros e salvadores da pátria. Todavia, a trama nem sempre se desenrola como eles esperam. Os exageros dos juízes justiceiros, a seletividade das investigações e condenações, provocam reações e as contradições começam a aparecer. A primeira delas foi o japonês da PF, sumido do teatro da Lava Jato pelas suas condenações em falcatruas de contrabando no Paraguai.

O próprio juiz Moro e alguns procuradores atuaram no pouco explicado escândalo do Banestado. A Operação Zelotes, que investiga sonegação fiscal, anda de lado. A lista do HSBC foi para debaixo do tapete. O senador Aécio Neves (delatado cinco vezes na Lava Jato), o deputado Eduardo Cunha (das contas secretas na Suíça), o Merendão e o Trensalão do governo Alckmin não são investigados, expondo a partidarização da Justiça.

O NÚCLEO POLÍTICO

A oposição aos governos Lula e Dilma perdeu as quatro últimas eleições. É representante das elites arcaicas que defende o projeto neoliberal e encontra dificuldades para se viabilizar eleitoralmente. Jamais um candidato com um plano de governo como a chamada “PONTE PARA O FUTURO” teria sucesso eleitoral. Somente seria implantado através de um golpe.

É exatamente isso que busca o golpe do impeachment. Historicamente eles sempre utilizaram do tema CORRUPÇÃO, desvio natural do capitalismo, para pôr fim a governos que contrariaram os seus interesses, como Getúlio Vargas, em 1954, e João Goulart, o Jango, em 1964.

A corrupção faz parte do modus operandi das elites, desde sempre, incrustada no estado brasileiro. É engano pensar que esses setores levarão adiante um plano de combate sistemático à corrupção. Na verdade, estão instrumentalizando agora de forma oportunista e demagógica o debate da corrupção para reproduzi-la em larga escala no momento seguinte.

O atual Congresso Nacional é composto majoritariamente por parlamentares eleitos com financiamentos empresariais, os mesmos que estão tentando impor uma pauta de retrocessos. Neste momento, segundo levantamento do Departamento Intersindical de Assessora Parlamentar (Diap), estão tramitando 55 projetos de lei que visam a redução de direitos sociais e trabalhistas.

O NÚCLEO PATRONAL

O que interessa às entidades de classe dos empresários não interessa aos trabalhadores. As principais confederações e federações empresariais construíram um núcleo de disseminação e financiamento do golpe.

O plano máximo desse setor são os “101 pontos para modernizar as relações trabalhistas no Brasil”. Os patrões nunca se conformaram com a decisão de Lula, em 2003, ao retirar do Senado o projeto já aprovado na Câmara, que impunha a prevalência do “negociado sobre o legislado”, alterando o artigo 618 da CLT. Também não engoliram o veto à conhecida Emenda 3, embutida de contrabando no projeto de lei do Supersimples.

As entidades empresariais também nunca aceitaram a posição da Dilma em ser contra o projeto da terceirização sem limites. Sabemos que essas pautas são prioridades absolutas do núcleo patronal do golpe. Isso explica por que a FIESP, a CNI, a FECOMERCIO, etc, estão diariamente nos rádios, jornais e TVs, pagando outdoor e publicidade e advogando em nome da “solução rápida”. Tudo pelo golpe. Os representantes dos empresários têm pauta, que é contra a classe trabalhadora. Querem fazer os trabalhadores pagar o pato.

O NÚCLEO DE PROPAGANDA

Todo o aparato midiático tradicional faz uma propaganda sistemática a favor do golpe. Esse setor é monopolizado por meia dúzia de famílias, liderado pela Globo, e é responsável por implantar o conceito de “vira-lata” (só o que vem de fora é bom) no senso comum brasileiro.

É muito raro um articulista da grande imprensa falar honestamente sobre o tema da corrupção ou sobre o legado social dos governos Lula e Dilma. Em cada página, câmera e microfone da grande mídia, encontramos propagandistas do golpe. Os grandes jornais e noticiários viraram panfletos midiáticos partidários em favor dos golpistas.

O divertimento desses mensageiros da crise é exacerbar de forma requentada e exaustiva as contradições do governo Dilma e envolver Lula em suspeitas de esquemas de corrupção. O fato de a classe média ter perdido algumas vantagens, nesse período de agravamento no Brasil da crise internacional, facilita o trabalho da mídia. Ninguém quer perder, nem mesmo a população beneficiada diretamente pelas políticas públicas de acesso a bens e serviços, no campo e na cidade.

“LADRÕES” DA DEMOCRACIA E DOS DIREITOS

A “quadrilha” do golpe quer roubar a democracia e os direitos sociais e trabalhistas do povo brasileiro. Desprovidos de uma análise mais profunda, vários setores da sociedade vêm embarcando nessa onda golpista. Todavia, aumenta cada vez mais a quantidade de brasileiros que compreendem o que realmente está em jogo.

A nossa tarefa, enquanto lutadores sociais, é árdua e complexa. Nos próximos dias precisaremos ampliar o máximo possível o número de trabalhadores que saibam identificar os golpistas, apontar a sua falsa moral e desmascarar a sua pauta de retrocesso.

Para além dos atos massivos que temos conseguido realizar nas ruas, é fundamental garantir solidez ao movimento cívico contra o golpe, pela democracia e pelos direitos, através da organização de milhares de comitês de bairros, universidades, locais de trabalho e movimentos sociais.

Depende de cada brasileiro a luta em defesa da democracia e da construção de uma nova fase de desenvolvimento econômico com geração de empregos e distribuição de renda. Temos somente dois lados. De qual deles você está?

Claudir Nespolo é Presidente da CUT-RS

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