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Anderson França: Fique firme, presidenta!

Por Anderson França*, em seu Facebook: Não falei sobre a crise política, publicamente, nos últimos 3 anos. Até porque, falar ou não falar, não muda nada. E vou continuar sem falar sobre a crise. Eu pensei muito antes de publicar isso, e é para Dilma. Não para você, não para o PT, não para os […]

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Dilma Roussef sendo interrogada.

Por Anderson França*, em seu Facebook:

Não falei sobre a crise política, publicamente, nos últimos 3 anos.
Até porque, falar ou não falar, não muda nada.
E vou continuar sem falar sobre a crise.

Eu pensei muito antes de publicar isso, e é para Dilma.
Não para você, não para o PT, não para os apoiadores ou os contra o governo.

Peço desculpas aos leitores de posicionamento político diverso.
Mas penso que preciso dizer.
Penso que chegou a hora.

Presidenta Dilma Rousseff,

eu espero que a senhora esteja bem.

Gostaria de lhe dizer algumas coisas.
Semana passada, eu fui ao cemitério de Ricardo de Albuquerque, no subúrbio do Rio, onde moro, e lá fui informado que existe uma quadra, a Quadra 23, onde foram encontrados os corpos de 14 pessoas.

Essas pessoas eram militantes que lutaram “contra a ditadura civil-militar imposta ao povo brasileiro em 1964” conforme estava escrito na placa.

Eu estava lá porque fui enterrar um amigo, Presidenta.
Ele foi assassinado enquanto trabalhava com sua moto, na favela Vila Aliança, onde morei.

Mais um jovem negro morto. Ele trabalhava como mototaxista, e de dia, dava aulas de artes marciais para mais de 60 crianças na favela. Ele era um líder.

Então, eu pedi informações aos funcionários do cemitério, e fomos, eu e minha esposa, até a Quadra 23.

No caminho até lá, o silêncio se tornou maior em mim, até que se fez absoluto, e eu era todo silêncio.

E vi 14 pequenas estruturas com um espelho e, no alto, o nome de cada pessoa representada ali.

Foi muito difícil ver aquilo e não lembrar da senhora.

Um deles era da VAR-Palmares. Eu publico aqui uma foto. Ele se chamava Wilton.
A senhora fez parte da VAR-Palmares, eu li sobre isso. Eu já li algumas vezes sobre sua história.

De fato, dadas as circunstâncias, poderia ser a senhora ali.
Mas foram muitos outros, que poderiam estar vivos hoje. E tenho certeza que a senhora conheceu muitos deles.

Assim como eu tenho muitos amigos, Presidenta, que eu queria que estivessem vivos hoje. Mesmo esse meu amigo, que eu fui enterrar ali afinal, eu estava naquele lugar para isso.

Eu penso que muitos brasileiros podem dizer que suas vidas estão sendo marcadas por um fato:

a perda de pessoas em suas vidas.
O povo pobre principalmente, é quem mais pode dizer isso nos dias atuais.

É difícil pra mim lhe escrever isso. Emocionalmente difícil.
Porque eu não queria perder esse meu amigo. Porque eu não queria que aqueles militantes estivessem mortos, alguns, de maneiras muito difíceis de se relatar. E porque eu penso que a violência contra negros, nordestinos, gays, mulheres e pobres, e também a violência contra aqueles que disputam pelo seu país, é uma violência que não pode ser compreendida, senão apenas pelos filtros que nos revelem a atrocidade a que pode ser imersa a alma humana, motivada por ódio, preconceito e sede de poder.

Eu respeito muito o que a sua geração fez para que eu pudesse estar aqui, nesse momento, lhe dizendo essas coisas.

Pode ser que nunca nos encontremos, independente do resultado de todos esses moveres políticos, para que eu lhe agradeça com um abraço pelo que a senhora fez, penso eu, por mim e por minha geração durante o período do regime de opressão imposto ao povo brasileiro.

Portanto, por não saber o meu dia de amanhã, senti que deveria fazer isso hoje, sem esperar mais um dia:

muito obrigado, por cada noite não dormida. Por cada momento de fome, cansaço, de medo, de fuga. Por cada perigo de morte. Por sair de uma cidade pra outra. Por ter sido presa. Por ter sido fichada como bandida. Por mudar o nome tantas vezes. Por não poder fruir os melhores anos da vida. Por abrir mão de si mesma, durante décadas. Por ter saído disso tudo viva. Por estar aí sentada nessa sala hoje. Por entrar, todos os dias, nesse prédio, debaixo de olhares que desejam não apenas o fim do seu governo, mas a destruição da sua reputação como pessoa.

Muito obrigado, companheira Dilma.

E a senhora não sabe a vontade que me dá de chorar, por respeito e por profundo afeto pela senhora, ao chamá-la de companheira.

Porque não temos, na chamada ‘base da pirâmide’, muitos a quem podemos chamar de companheiros. Acima de nós, a maioria tece seu fio de vida feita ao avesso, contra nós, nossos amigos e irmãos.

Saí daquele lugar, do cemitério, por onde fiquei alguns minutos, com a tristeza de deixar meu amigo ali, mas certo que ele descansa ao lado de 14 brasileiros que me fazem sentir orgulho de pertencer a essa terra.

É um memorial da resistência.
A vida de muitos de nós são memoriais de resistência.

Não me preocupo com nada que envolva seu nome e reputação.
Porque eu sei que a senhora enfrentará com dignidade tudo que for de sua responsabilidade.

A sua vida foi forjada em outras circunstâncias. Eu não vi metade das coisas que a senhora viu.
Eu não quero um presidente que dance tango. Eu não quero um presidente com a aparência tranquila da burguesia que enxerga apenas o horizonte definido pelas perspectivas de sua interioridade, confortável e bem nutrida pelo capital.

O presidente que quero, é a presidenta.
É a senhora.
Que sabe o que significa virar noites dentro de uma cela de cadeia do Doi-Codi.
Que foi eleita pelo povo, num processo legítimo, para administrar o país até 2018.

E quero, não porque cegamente apoie seu governo.
Quero, presidenta, porque o Estado é maior que eu e a senhora.
Quero, porque a democracia necessita não abandonar a racionalidade para transições que o povo legitime.

Eu não estou aqui para lhe canonizar.
Eu estou aqui para lhe dizer que confio que o Estado é maior, na verdade, precisa ser maior, que conflitos políticos cotidianos.

Porque enquanto uns apenas gritam ao vento, foi o sangue de muitos de nossos irmãos que foi, e é derramado por um país cujo imaginário é generoso, é o futuro, é a liberdade, e pelo fim da desigualdade, e por um dia magnífico, que brilhará como o sol, de uma ponta a outra, de um mar, até outro mar, para cada um de nós,

mesmo que eu não esteja mais aqui.

É nisso que acredito. No futuro, e no presente, a manutenção da ordem democrática.
Se erramos em eleger representantes, a melhor forma de corrigir isso é com o voto.

Presidenta,
a senhora não deve se importar com aqueles que nos agridem. Nos xingam, nos desqualificam. Nem com aqueles que nos afrontam diariamente, de maneira muito pessoal, buscando nos desqualificar.

A senhora é mãe, avó, mulher, brasileira, militante e companheira.
Eu me dirijo a sua pessoa, a pessoa Dilma e a companheira Dilma.

Muito obrigado por tudo.

Por sua causa, agora vejo mulheres no trem e no ônibus, e olho para minha mulher quando ela dorme, e imagino que qualquer uma brasileira pode guiar esse país.

Muito obrigado.

Sobre a morte do meu amigo, e dos seus: que não haja mais derramamento de sangue. Seja por motivos políticos, seja pela cor da pele, seja pela pobreza, seja pelo gênero.

Muitos aqui vão me agredir por causa disso que escrevi. Mas eu queria lhe dizer essas coisas, de verdade, de coração.

Na Quadra 23, e senti a sombra pairar sobre mim.
Precisamos ficar de pé.

Um salve para cada brasileiro e brasileira cujas vidas foram entregues para que eu lhe falasse hoje.

Um salve para cada brasileiro e brasileira cujas vidas são ceifadas todos os dias nas periferias, e é por eles que continuamos.

Fique firme, Presidenta.

*Anderson França é escritor, estudioso dos Direitos Humanos e da relação entre as religiões e as minorias.

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Miguel do Rosário

Miguel do Rosário é jornalista e editor do blog O Cafezinho. Nasceu em 1975, no Rio de Janeiro, onde vive e trabalha até hoje.

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