Por Débora Melo, na CartaCapital
Depois de dizer que o Brasil será “incendiado” por greves e ocupações caso a presidenta Dilma Rousseff sofra um impeachment, o líder do Movimento dos Trabalhadores Sem Teto (MTST) Guilherme Boulos foi alvo de duas representações na Procuradoria-Geral da República, uma do PSDB e outra do DEM.
Assinados pelos deputados Antônio Imbassahy (PSDB-BA) e José Carlos Aleluia Costa (DEM-BA), os textos pedem a abertura de investigação contra Boulos por incitação à violência e, ainda, formação de milícia armada.
Em entrevista a CartaCapital, Boulos diz que a oposição é “hipócrita” e que falta “capacidade de interpretação de texto” aos deputados. Segundo o líder do MTST, ataques a direitos e ofensivas contra a democracia não ocorrem sem ampla resistência popular.
Confira a entrevista:
CartaCapital: Como o senhor recebeu a notícia das representações?
Guilherme Boulos: É mais uma demonstração da ofensiva sem limites que a direita brasileira tem protagonizado. Nos últimos meses, eles, sim, têm incitado à violência e ao ódio nas ruas.
Agrediram um cardeal (Dom Odilo Scherer) – conservador, inclusive –, cercaram a casa de um ministro do Supremo (Teori Zavascki), foram à casa de jornalistas, como no caso do Juca Kfouri. Também agridem quem está de vermelho nas ruas e, ainda assim, querem criminalizar o movimento social com o argumento de incitação à violência. Seria irônico, se não fosse hipócrita.
CC: O MTST já tomou alguma medida contra essas representações?
GB: Ainda não. Os advogados do MTST estão tendo acesso às representações e, aparentemente, não há consistência jurídica alguma. Mas, do jeito que anda o Judiciário brasileiro, onde tudo é interpretação, estamos aguardando as orientações jurídicas para ver o que fazer.
CC: A declaração que o senhor deu que gerou tudo isso foi a de que, em caso de impeachment, o País será incendiado por greves, ocupações e mobilizações. De acordo com os autores das representações, isso é incitação à violência. O que o senhor tem a dizer?
GB: Além da falta de política honesta, há também uma falta de capacidade de interpretação de texto. O que eu coloquei foi que, junto ao impeachment, da forma como está sendo feito, há um ataque à democracia.
Há, ainda, um ataque aos direitos sociais, o que foi confirmado em declarações recentes do Moreira Franco (aliado do vice-presidente Michel Temer), dizendo o que seria um governo Temer: uma devassa em programas sociais e ataque a direitos.
O que eu disse é que isso não passa sem resistência. Esse tipo de projeto que estão querendo impor à sociedade, inclusive impondo um presidente que não tem 1% nas pesquisas de intenção de voto, esse projeto não passa no País sem uma ampla resistência popular, porque envolve ataque a direitos, porque envolve ofensivas contra a democracia.
Basta ver alguns exemplos. No caso das ocupações, se chega um governo que acaba com o programa Minha Casa, Minha Vida e não deixa alternativa de política pública de moradia para quem precisa, qual vai ser o resultado? Obviamente, novas ocupações. A ocupação é o instrumento que os trabalhadores sem-teto têm para ter um direito constitucional assegurado.
E se entra um governo que vai rasgar a CLT, generalizar a terceirização, desindexar o salário mínimo e acabar com direitos trabalhistas? Eu não sou sindicalista, não tenho autoridade para dizer que vai ter greve, mas é óbvio que vai ter greve em uma circunstância como essa. Esse é o sentido das palavras que levaram a essa representação.
CC: Também foi dito que vocês estariam formando uma “milícia armada”…
GB: Eles estão ficando cada vez mais criativos. O deputado Aleluia, do DEM, é filhote do ACM (Antonio Carlos Magalhães, ex-senador). Filhote de uma tradição colonialista e miliciana na Bahia, que reprimia movimentos sociais.
O PSDB no Rio de Janeiro também está aliado com milicianos, que foram denunciados pelo deputado Marcelo Freixo. E vêm falar que o movimento social é milícia. É um descalabro.
Em um caso como este, de escalada de criminalização, é preciso mostrar também que há uma responsabilidade do próprio governo Dilma, que propôs e sancionou uma lei como a Lei Antiterrorismo, mesmo com a criatividade de setores reacionários do Ministério Público, do Judiciário e da polícia para indiciar militantes sociais por terrorismo, formação de milícia ou qualquer outro enquadramento absurdo que queiram colocar.
CC: Por que o processo de impeachment não é legítimo?
GB: Por algumas razões. Podemos falar de legitimidade jurídica e legitimidade política. Do ponto de vista jurídico, não foi comprovado nenhum crime de responsabilidade atribuído à presidenta Dilma. Pela Constituição brasileira, há impeachment quando há crime de responsabilidade.
Na verdade, foi um setor pantanoso da política brasileira que definiu que deveria derrubá-la, e foram à caça de argumentos para fazer isso. Tudo que encontraram foram pedaladas fiscais, que todos os governos fizeram. E, para se coerente, teríamos que pedir o impeachment dos governadores do País. Isso, evidentemente, não é um argumento razoável para o impeachment.
Do ponto de vista político, quem está conduzindo o processo é um bandido, é o Eduardo Cunha. Não há escândalo neste País nos últimos 20 anos em que não apareça Eduardo Cunha, seja como ator principal ou como ator coadjuvante.
Ele estava no escândalo da Telerj, no governo Collor; estava no escândalo da Cehab, no governo Garotinho, no Rio de Janeiro; estava envolvido na CPI dos Correios, em 2005; estava envolvido no escândalo de Furnas; está agora na Lava Jato e, nos papeis do Panamá, que acabaram de sair, aparece o nome dele.
Qual é a legitimidade desse sujeito para definir o destino político do País? Não tem a menor condição. Um processo conduzido por Eduardo Cunha é ilegítimo por princípio.
CC: O Estadão publicou editorial sobre a sua fala das greves e das mobilizações e, no último fim de semana, a Folha de S.Paulo pediu a renúncia de Dilma. Qual a sua opinião a respeito de tais editoriais?
GB: O papel que a maior parte da imprensa brasileira – a imprensa corporativa, a grande imprensa – tem empenhado neste processo é um papel vergonhoso, vexatório. O Estadão, que naquele editorial deu a senha da criminalização, é um dos jornais que tem fortalecido esse clima de intolerância no País, esse clima persecutório, que está jogando pit bulls nas ruas.
No caso da Folha, o texto publiciza aquilo que as pessoas já sabiam. A cobertura jornalística da Folha e a posição da maior parte dos seus colunistas é pela derrubada do governo Dilma. Isso é visível, e colocaram isso em um editorial agora.
Mas é curioso que mesmo a Folha, que tem essa posição pela queda do governo, não tem condições de defender a alternativa Temer. Então acho que isso é digno de nota, porque demonstra também que a legitimidade de um eventual governo Temer já está minada desde o princípio, já começa a ser questionado como saída ideal.
CC: O processo de impeachment está perdendo força?
GB: É difícil fazer essa análise. Do ponto de vista das ruas, acho que houve um fortalecimento importante. A mobilização que ocorreu no dia 31 foi, particularmente, uma mobilização expressiva. Aqueles que achavam que o golpismo passaria desfilando na avenida e que o povo bateria palmas começaram a perceber que não é bem esse o cenário. Isso teve importância política.
O PT ainda insiste em construir uma saída, e é evidente que precisam de votos no Congresso. Mas uma saída que seja mais do mesmo, com uma governabilidade conservadora e acenos só ao mercado, isso também não interessa a ninguém. O governo Dilma precisa entender qual é o recado de quem está nas ruas contra o golpismo.
Quem está nas ruas contra o golpismo não está nem um pouco satisfeito com essa política de ajuste fiscal, com a reforma da Previdência e com a não realização do programa pelo qual esse governo se elegeu. Se o governo tiver mais uma chance, sobrevivendo ao impeachment, precisa compreender isso. Porque, se não compreender, não sei se se sustenta até 2018, porque a sua base popular já foi amplamente solapada.
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