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Não ao golpe parlamentar. Por Maria Luiza Tonelli

Foto: José Cruz/Agência Brasil   por Maria Luiza Tonelli, exclusivo para O Cafezinho Às vésperas de completar 52 anos do golpe civil-militar que levou o país a uma ditadura que durou 21 anos, o Brasil assiste a mais uma tentativa de golpe, desta vez não pela via dos quartéis, mas pelo parlamento. Isso mesmo: um […]

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Brasília - Reunião da comissão especial que analisa o impeachment da presidenta Dilma Rousseff, na Câmara dos Deputados (José Cruz/Agência Brasil)

Foto: José Cruz/Agência Brasil

 

por Maria Luiza Tonelli, exclusivo para O Cafezinho

Às vésperas de completar 52 anos do golpe civil-militar que levou o país a uma ditadura que durou 21 anos, o Brasil assiste a mais uma tentativa de golpe, desta vez não pela via dos quartéis, mas pelo parlamento. Isso mesmo: um golpe parlamentar que pretende utilizar o impeachment de forma ilegal e ilegítima para cassar o mandato popular da presidenta eleita com mais de 54 milhões de votos.

Manipulam mentes e corações os que defendem o impeachment da presidenta Dilma Rousseff a qualquer custo,  simplesmente pelo fato de que o impeachment é um instrumento previsto na Constituição Federal para impedir o/a chefe do poder executivo de continuar governando.

Impeachment, palavra da língua inglesa  (que significa impedimento ou impugnação de mandato) é o termo utilizado para o processo constitucional a fim de que se obtenha a cassação do mandato de um presidente pelo Congresso Nacional,  de governadores pelas Assembleias Legislativas e de prefeitos pelas Câmaras Municipais. No Brasil,  a Constituição Federal de 1988 elenca de forma taxativa os motivos pelos quais o presidente da república estará sujeito ao impedimento de seu mandato,  na sessão onde trata “Da responsabilidade do presidente da República”. É exatamente no artigo 85 que onde se define a possibilidade de cassação do chefe maior do poder executivo: crimes de responsabilidade.

Vejamos:

Art. 85. São crimes de responsabilidade os atos do Presidente da República que atentem contra a Constituição Federal e, especialmente, contra:

I – a existência da União;

II – o livre exercício do Poder Legislativo, do Poder Judiciário, do Ministério Público e dos Poderes constitucionais das unidades da Federação;

III – o exercício dos direitos políticos, individuais e sociais;

IV – a segurança interna do País;

V – a probidade na administração;

VI – a lei orçamentária;

VII – o cumprimento das leis e das decisões judiciais.

Parágrafo único. Esses crimes serão definidos em lei especial, que estabelecerá as normas de processo e julgamento.

Portanto, o impeachment é um processo jurídico-político. Jurídico porque a cassação de um mandato presidencial está sujeita ao que diz explicitamente a Constituição (crimes de responsabilidade definidos em lei especial) político porque o julgamento do processo de impeachment se dá no Congresso Nacional. É desonestidade intelectual ou ignorância afirmar que o impeachment é um julgamento eminentemente político, como se a sua base legal fosse secundária. Como se fosse um julgamento mais político do que jurídico simplesmente porque “as condições políticas”, como “a voz das ruas” ou a “vontade da maioria no parlamento” fossem condições necessárias e suficientes para cassar não apenas o mandato presidencial, mas sobretudo a voz das urnas. A democracia tem como fundamento a soberania popular. Sem crime de responsabilidade devidamente comprovado, cassar o mandato de uma presidenta eleita pela maioria é cassar a soberania popular, é um processo de impedimento da democracia. É, sobretudo, uma violação ao princípio da legalidade, em que se baseia o Estado Democrático de Direito. É uma violação à Constituição Federal.

Dilma Rousseff não cometeu nenhum dos crimes de responsabilidade que atentem contra a Constituição Federal, segundo o que diz o artigo 85 acima mencionado. Por isso estamos certos quando dizemos que impeachment sem crime é golpe. É o artifício utilizado pelos derrotados nas urnas para, com aparência de legalidade e ares de legitimidade, ocupar o poder no tapetão.

Democracia é o regime dos direitos e da luta por direitos, por isso é o regime no qual os conflitos estão presentes e são legítimos, dada a pluralidade existente na sociedade democrática. Democracia não se confunde com o Estado de Direito, mas é ele que deve garantir a ordem democrática. Vale salientar, contudo,  que não é o Estado de Direito que faz a Democracia. É a Democracia que faz o Estado de Direito ser democrático.  Não podem os agentes políticos nem os profissionais do Direito (como faz a OAB), que por dever de ofício conhecem as leis, defenderem seus interesses e ideologias,  passando por cima da Constituição, a carta política de uma nação. Defender o mandato da presidenta Dilma Rousseff contra o impeachment sem crime de responsabilidade não significa defender seu governo, mas a legalidade e a  Democracia.

Não vamos permitir, após 52 anos, mais um golpe contra a Democracia. Um golpe travestido de uma pretensa legalidade. Resistiremos até o fim contra os que devem ser chamados pelo nome adequado: golpistas.

Muitas vidas foram ceifadas na ditadura, apoiada pelos mesmos que hoje defendem o impeachment da presidenta Dilma, ela mesma presa e torturada durante o período mais trágico de nossa história. Muitas pessoas dedicam suas vidas a lutar por direitos conquistados nos governos Lula e Dilma. São cidadãos comuns que têm apreço pela Política em seu sentido autêntico, são milhares de jovens politizados, a esperança de futuro deste país, são centenas de movimentos sociais e populares que resistirão ao golpe que se avizinha. Sejam os golpistas derrotados ou vencedores, passarão para a história pelo que são: traidores da pátria, traidores da democracia, traidores do povo. Simplesmente porque impeachment sem crime de responsabilidade é golpe sim.

Maria Luiza Quaresma Tonelli é advogada, mestre e doutora em Filosofia pela USP

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