Americano vê risco de ‘golpe’ contra o sistema eleitoral para pôr PMDB e PSDB no poder

Reunião do diretório nacional do PMDB, que oficializou o desembarque do governo federal

Foto: Igo Estrela/ PMDB Nacional

Ao derrubar o presidente João Goulart e assumir o poder em 1964, os militares diziam agir para livrar o Brasil do comunismo e da corrupção

por João Fellet, na BBC Brasil

Para o americano James N. Green, que pesquisa a história brasileira há mais de 30 anos, os mesmos argumentos têm sido evocados por muitos dos que agora defendem o impeachment de Dilma Rousseff.

Professor de história moderna da América Latina e Diretor da Iniciativa Brasil da Brown University, em Rhode Island (EUA), Green afirma que desta vez o movimento não busca levar os militares ao poder, mas entregá-lo ao PMDB e PSDB.

“Para mim é um atentado contra a democracia e os princípios democráticos”, afirma.

Confira a entrevista com Green, parte de uma série de reportagens em que a BBC Brasil convida os principais observadores estrangeiros a analisar este momento crítico da história brasileira:

Para brasilianista, linguagem que oposição usa hoje é a mesma que usou em 1964: a da corrupção

BBC Brasil – A crise atual é comparável a algum outro momento que o Brasil já viveu?

James N. Green – Evidentemente a 1964. Não que os militares estejam à beira de tomar o poder neste momento, mas a linguagem da oposição ao governo Dilma é uma linguagem sobre corrupção que foi usada justamente em 1964 contra o governo do João Goulart e uma das várias justificativas para o golpe.

Depois, houve várias CPIs e nada foi descoberto de corrupção no governo João Goulart. Ou seja, era uma oposição contra as medidas políticas do João Goulart, as reformas de base, às quais setores dos militares e políticos eram contra.

BBC Brasil – Pode explicar melhor?

Green – A Dilma é uma presidente fraca, com uma política econômica problemática, e há um descontentamento amplo da sociedade. Mas, em vez de esperar por novas eleições em 2018, a oposição está fazendo justamente o que o Partido Republicano fez quando Barack Obama foi eleito. Eles (no EUA) tiveram uma reunião no dia da posse dele e combinaram que não iriam aprovar nada no governo, fazer de tudo para que governo não funcionasse e fosse derrubado.

Eles fizeram isso durante quatro anos, mas Obama conseguiu uma mobilização popular, foi reeleito e melhorou a economia. A mesma coisa estão fazendo os que eram contra a eleição de Dilma. Perderam por quatro pontos e estão furiosos com essa situação, então estão fazendo campanha constante contra o governo dela, dizendo que ela tem de ser derrubada. Isso é uma narrativa.

Na época de Goulart, também se dizia que o governo era comunista – tudo para justificar o golpe e envolver a Casa Branca, que, na época, estava obcecada pela questão comunista.

Professor diz que movimento não quer levar militares ao poder, mas entregá-lo a PMDB e PSDB

BBC Brasil – Mas desta vez as descobertas da Operação Lava Jato não são um elemento real por trás do discurso contra a corrupção?

Green – Não estou negando que haja corrupção dentro e fora do governo atual. Isso não tem nenhuma dúvida. Só que a corrupção no Brasil não tem seis anos, tem 500 anos, desde a chegada dos portugueses. É uma corrupção de todos os partidos políticos.

Aliás, se a oposição ganha e derruba o governo, o PT e a esquerda que ficar na oposição vão fazer a mesma campanha contra os atuais políticos da oposição que, sabemos muito bem, estão envolvidos com corrupção também.

Acho muito bom que a corrupção esteja sendo investigada no Brasil. O que acho muito perigoso, uma grande ameaça à democracia no Brasil, são as medidas ilegais implementadas para fazer essas investigações. Isso é uma grande ameaça à democracia no Brasil.

BBC Brasil – O senhor se refere às ações do juiz Sérgio Moro?

Green – A Folha de S.Paulo comentou num editorial que ele se excedeu, foi além. Pelo que leio, há violações, arbitrariedades, pressões para que as pessoas revelem informações. Esses caras que estão sendo presos e nunca imaginavam que seriam presos estão assustadíssimos com a possibilidade de ficar anos na prisão e dizendo qualquer coisa. E as pessoas acusadas, me parece, não estão tendo acesso ao direito de defesa. Há uma arbitrariedade muito perigosa.

BBC Brasil – Muitas pessoas contrárias ao impeachment dizem que está se articulando um golpe no Brasil. A afirmação é exagerada?

Green – Acho que há uma tentativa sim de derrubar um governo democraticamente eleito, mas não para pôr os militares no poder, e sim para pôr o PMDB e o PSDB. É uma maneira de derrubar o sistema eleitoral legítimo, as eleições legítimas, com uma medida que vai violar os princípios básicos da democracia. Você pode chamar de golpe, mas fica confuso porque não é um golpe militar. Para mim é um atentado contra a democracia e os princípios democráticos.

Como Eduardo Cunha, acusado de roubar milhões de dólares, pode estar dirigindo o processo do impeachment? É um absurdo. Teria que haver um movimento enorme contra Cunha, Maluf, pessoas que estão na comissão do impeachment e estão envolvidas nas acusações. Que moral elas têm?

Green vê um atentado contra a democracia e os princípios democráticos em marcha no país

BBC Brasil – A história brasileira é cheia de episódios violentos, como as revoltas do século 19, e ao mesmo tempo momentos de conciliação e acomodação de interesses, como na independência e no fim da ditadura. Qual característica vai predominar na crise atual?

Green – A conciliação é entre as altas esferas da política e está ocorrendo agora entre PMDB e PSDB. Outra questão é a reação popular. Acho que no Brasil a grande mídia está provocando um sentimento agressivo contra qualquer pessoa que ande com o roupa vermelha ou defenda o governo. É unilateral.

Pode haver violência dos dois lados no futuro e pode ser muito sério e triste, mas neste momento sinto que essa agressão é contra as pessoas que estão defendendo o governo.

Não é uma briga como a de 1935, entre os partidos Comunista e Integralista, onde os dois iam para cima, matando um ao outro.

BBC Brasil – Ativistas favoráveis ao impeachment têm circulado uma lista de pessoas a serem boicotadas ou hostilizadas por supostamente apoiarem ou terem apoiado o governo. Alguns compararam a prática ao Macartismo (movimento dos anos 1950 encabeçado pelo senador Joseph McCarthy que buscava punir e isolar pessoas consideradas comunistas). Faz sentido?

Green – O Macartismo funcionava porque tinha o poder de criar situação em que as pessoas não conseguiam emprego. O Partido Comunista e as pessoas acusadas de pertencer ao partido estavam totalmente na defensiva, ameaçadas. No caso dos atores de Hollywood, os estúdios podiam decidir quem podia trabalhar ou não.

No Brasil, acho que as pessoas não levaram a lista muito a sério. Não sei se os artistas estão revoltados com isso ou achando meio ridículo.

BBC Brasil – Após um longo domínio, partidos de esquerda vêm perdendo força não só no Brasil, mas em vários países da região. Estamos assistindo ao início de um ciclo da direita na região?

Green – Pode ser. O problema é: a outra alternativa econômico-social vai resolver os problemas que existem na América Latina? Vai resolver a questão da desigualdade social ainda gritante? Se não, a esquerda vai voltar ao poder para tentar de novo, espero que desta vez com mais clareza sobre os processos democráticos.

BBC Brasil – Há alguma relação entre o declínio da esquerda nos vários países da região?

Green – Acho que tem muito a ver com crise econômica mundial, que afetou América Latina tardiamente. A China entrou em crise, e isso causou problemas para a economia brasileira. Se a economia brasileira tivesse tido uma expansão contínua no governo, essas crises não teriam tanta força.

Se o modelo econômico da América Latina, que dura 500 anos e envolve exportar só matérias-primas para conseguir importações de produtos manufaturados, se esse modelo segue, ele está muito vulnerável a altos e baixos do mercado.

Mas acho que a questão nacional afeta muito mais e que se um governo como o de Lula não consegue também criar um procedimento interno com mobilização de forças, de participação democrática, ele se desgasta.

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