Foto: Tomaz Silva/ Agência Brasil
por Pepe Escobar, no Pátria Latina
Quando nos aproximamos da meia-noite no selvagem far-west político-económico brasileiro, eis o que se segue à minha peça anterior no RT.
Durante os últimos cinco dias, todo o inferno escapou. Começou com o juiz Sérgio Moro, o Elliott Ness tropical à testa da 24ª fase da investigação de corrupção Lava Jacto, já com dois anos, a manipular grosseiramente uma – ilegal – devassa telefónica de uma conversação Lula-Dilma Rousseff, a qual ele diligentemente transmitiu à media corporativa e foi instantaneamente utilizada como “prova” de que Lula pode voltar ao poder como Chefe da Casa Civil porque tem “medo” de Elliott Ness.
Como elemento crucial da guerra total de informação actualmente em jogo no Brasil – com o hegemónico império Globo e os principais jornais a salivarem mais do que nunca por um golpe branco / mudança de regime – a duvidosa prova impulsionou o impeachment de Rousseff a um nível inteiramente novo.
A conversação
A pavorosa politização do Judiciário brasileiro é agora um facto consumado, com muitos juízes motivados pelo oportunismo e/ou interesse corporativo / agenda políticas sombrias. Isto implica uma “normalização” de procedimentos ilegais tais como devassas telefónicas de advogados de defesa e mesmo da Presidente (Edward Snowden, num comentário lateral, disse que Rousseff ainda não está a utilizar criptografia nas suas comunicações).
Ministros do Supremo Tribunal – pelo menos até então – não puniram Elliott Ness pela sua devassa ilegal do telefone da Presidente e pelo seu vazamento ilegal da conversação Lula-Rousseff (nada nela os implica em qualquer transgressão, como o próprio Elliott Ness admitiu).
O próximo passo dramático deveu-se ao ministro Gilmar Mendes, do Supremo Tribunal – um notório fantoche da oposição – a utilizar a escuta telefónica ilegal para suspender o novo papel de Lula; que lhe era “exigida” por dois partidos da oposição. Lula de volta ao governo significa dois anátemas para a gente do golpe branco / mudança de regime; articulação política – a qual pode acabar por derrotar o esforço para o impeachment contra Rousseff; e ajuda fundamental para a administração Rousseff começar pelo menos a amansar a crise.
É crucial notar que a decisão unilateral de Mendes foi tomada apenas um dia e meio depois de ele ter tido um longo almoço com dois peso-pesados da oposição, um deles o banqueiro querido da Wall Street e antigo protegido de Soros, Armínio Fraga.
Mendes não só encurralou a administração; ele foi mais além, devolvendo a Elliott Ness a competência para investigar Lula sob o Lava Jacto, e isto depois de o próprio Moro já ter sido forçado, por lei, a transferir a jurisdição para o Supremo Tribunal, quando Lula estava a tornar-se ministro.
Mendes não era competente para fazê-lo – mesmo outros juízes do Supremo Tribunal o enfatizaram; ele afastou-se do ministro-portavoz do Lava Jacto no Supremo Tribunal, Teori Zavascki. De modo que agora Zavascki se prepara para “afirmar sua competência” no assunto.
Na essência, a fuga da devassa telefónica está pejada de graves ilegalidades, como alguns juristas destacaram; desde que a escuta teve lugar depois de o próprio Morto ter determinado que deveria se descontinuada até a fuga de uma comunicação presidencial, a qual só poderia ser autorizada pelo Supremo Tribunal. O que nos conduz à agenda política oculta por trás da fuga: expor Lula à execração pública e colocá-lo contra políticos e o Judiciário.
Lula apresentou um pedido de habeas corpus ao Supremo Tribunal, assinado por alguns dos mais insignes juristas do Brasil, ao passo que o governo está prestes a apresentar seu próprio recurso contra o bloqueio da nomeação de Lula. A bola está com o Supremo Tribunal – e todas as apostas estão fechadas.
Que “regra da lei?”
O Supremo Tribunal brasileiro cessou de facto de actuar como Árbitro Supremo quando alguns dos seus membros recusam-se a admitir que todos os actuais atavios de uma polícia de estado. Isto está a acontecer enquanto um bando de promotores e uma catrafada de investigadores na Polícia Federal brasileira – o equivalente do FBI – podem agora ser identificados como meros peões da ultra-politizada investigação Lava Jacto.
Em suma: A “Justiça” no Brasil agora está totalmente politizada. E agora revela-se claramente que o mandato da Lava Jacto consiste na total criminalização de absolutamente tudo relacionado com os governos de coligação liderados pelo Partido dos Trabalhadores desde o princípio do primeiro mandato de Lula, em 2003.
O Lava Jacto não é acerca da limpeza da corrupção na política brasileira. Se este fosse realmente o objectivo, políticos de topo da oposição estariam sob investigação e muitos já atrás das grades. Além disso, o terrífico esquema de corrupção no desenvolvimento das linhas do metro de São Paulo não teria sido tratado apenas como o trabalho de um cartel de companhias, sem políticos envolvidos. A trapaça do metro de São Paulo segue a mesma lógica do esquema de corrupção descoberto – pela NSA – no interior da Petrobrás.
A “Regra da lei” no Brasil foi agora posta aos mesmos níveis do sultão Erdogan, da Turquia – apresentando líderes de negócios com as conexões políticas “erradas” presos durante meses sem julgamento, o que se traduz como descarada manipulação da opinião pública, a táctica preferida de Moro e sua equipa, fãs do Mani Pulite.
O roteiro pela frente é implacável. A Constituição Brasileira está a ser despedaçada, submetida a uma lógica de golpe branco a ser imposta por todos os meios necessários. A politização do Judiciário corre em paralelo com a espectacularização por parte do media de referência de tudo o que refere ao processo, criminalizado a política mas apenas políticos seleccionados.
Os interesses económicos enormemente concentrados do Brasil estão desejosos de apoiar qualquer negócio que significasse um fim à guerra política/judicial, pois o país permanece política e economicamente paralisado – e polarizado. No interior do – imensamente corrupto – Congresso brasileiro, foi nomeada uma comissão especial para deliberar acerca do impeachment de Rousseff, a qual inclui 36 duvidosos membros do Parlamento que estão a enfrentar miríades de problemas judiciais. Kafka ou os dadaístas não conseguiriam produzir algo tão absurdo.
Assim, o roteiro do que vem aí depende agora de como progredirá – ou não –esta dúbia comissão de impeachment. Um dos cenários possíveis é a expulsão de Rousseff já em Abril, ainda que não tenha sido acusada formalmente de qualquer transgressão. Os suspeitos habituais do Império do Caos e as elites compradoras locais mal contêm a sua alegria ao “informarem” a Bloomberg ou o Wall Street Journal. Mas ainda há o factor Lula.
Quão doce era o meu golpe
Assumindo que Lula possa estar outra vez em acção nos próximos dias, a extensa articulação política – que a oposição quer matar por todos os meios – precisará 171 votos para esmagar o impeachment na câmara baixo. Só então a administração pode neutralizar a crise política para atacar seriamente a crise económica.
Num cenário de forte suspense, extremamente fluido, haveria apenas duas possíveis soluções negociadas: uma espécie de substitutivo (ersatz) legal do parlamentarismo, com Rousseff ainda como Presidente e Lula como primeiro-ministro de facto; e um parlamentarismo completo, com Lula encarregado de todas as articulações políticas do governo.
Um pacto – forjado durante jantares secretos em Brasília – entre os partidos PSDB (os antigos sociais-democratas transformados em impositores neoliberais) e PMDB (o outro importante dente de engrenagem na coligação em vigor com o Partido dos Trabalhadores) foi selado para matar ambas as opções. O PMDB, diga-se de passagem, é notório por políticos corruptos, não como uma entidade governativa.
Agoratodos os olhos estão postos no Supremo Tribunal e no Congresso brasileiro, que chafurda na corrupção. Lula, no próprio olho do furacão, está na mais não invejável posição. Ele precisará utilizar todo o seu capital político e todas as suas décadas como negociador mestre para encontrar um (compromisso político) de saída.
A rua brasileira permanece totalmente radicalizada. A lógica (?) do ódio cego prevalece enquanto virtualmente todas as instâncias de mediação jurídica ou política, para não mencionar o simples senso comum civilizado, foram congeladas. A democracia brasileira – uma das mais saudáveis do mundo – está agora a ser estrangulada pela distorcida lógica de jibóia de um estado policial.
O que nos leva ao espalhafatoso cenário que pode bem terminar antes do Verão. Covardemente, um Congresso muito conservador expulsa Rousseff do poder; o Vice-Presidente, Temer do PMDB, intervém, o país é pacificado e os proverbiais investidores estrangeiros, a Wall Street, os irmãos Koch nos EUA, louvam o golpe branco; a histeria do Lava Jacto vagarosamente – e magicamente – desvanece-se porque de modo algum antigos mandarins da oposição deveriam ser indiciados ou ir para a cadeia (esta é só para o Partido dos Trabalhadores).
Kafka e os dadaístas vêm em resgate, mais uma vez. Isto é exactamente a mudança suave de regime que foi tramada em Brasília por uma detestável combinação: seleccionados políticos (corruptos) comprados e pagos pelas elites compradoras brasileiras; homens de negócio seleccionados; uma grande parte de um Judiciário cooptado; e os media corporativos (dominados por quatro famílias).
Chama-se a isto golpe branco. Chama-se a isto mudança de regime. Chama-se a isto a revolução colorida brasileira. Sem NATO. Sem imperialismo humanitário. Sem perda de sangue e de enormes quantias de US dólares, como no Iraque, Líbia ou Síria. Tão “limpo”. Tão “legal”. Como é que os teóricos do Império do Caos nunca pensaram nisso antes?
O imperialismo humanitário é tão velho quanto Hillary; pelo menos os Mestres do Universo terão um novo modelo para aplicar por toda a parte no mundo em desenvolvimento. Dias felizes – mudança de regime – estão aqui outra vez.
E desista de ler algo acerca disto nos media corporativos do ocidente.
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