por Carlos Eduardo, editor-assistente do Cafezinho
Ah! Que falta faz na cena política brasileira um comediante de peso para ironizar com todo esse nonsense no qual estamos vivendo. As possibilidades de piadas são praticamente infinitas.
Desde o Ministério Público de São Paulo, confundindo Engels com Hegel; passando pelos aloprados da direita e seus cartazes pela volta da Ditadura Militar e “Bolsomito” na presidência da república; ou Aécio Neves sendo enxotado da manifestação convocada por seus simpatizantes aos gritos de “bundão” e “oportunista”; até o bizarro e tragicômico interrogatório do ex-presidente Lula à polícia federal, onde delegados aparecem fazendo perguntas constrangedoramente ridículas.
Já escrevi neste espaço um artigo sobre minha predileção por programas que misturam comédia com crítica política. Sou um grande fã dos noticiários de Fake News, alcunha que os norte-americanos criaram para identificar programas de comédia que brincam com notícias reais do cotidiano.
Talvez o mais conhecido programa do gênero nas terras tupiniquins seja o Last Week Tonight, apresentado pelo comediante inglês John Oliver. Seu quadro sobre a corrupção da FIFA e a Copa do Mundo no Brasil viralizou na internet em meados de 2014.
Apesar do tom irônico e descontraído, vejo estes programas com seriedade. Considero-os fundamentais para o debate político por uma razão bem simples: nos Estados Unidos muitos desses comediantes são engajados em causas sociais, críticos perspicazes da política e formadores da opinião pública, principalmente dos jovens com visão progressista.
Através de seu humor eles conseguem alcançar pessoas que antes eram desinteressadas por política. E isso tem um peso importantíssimo no cenário norte-americano.
Uma pesquisa do Centro de Comunicação Política da Universidade de Delaware (PDF), realizada em 2014, revelou que os programas de humor político eram mais influentes que o próprio noticiário em si. Para realizar o estudo, pesquisadores pegaram como exemplo o debate sobre neutralidade da rede e observaram que os telespectadores de John Oliver estavam melhor informados sobre o assunto que os telespectadores dos principais canais de notícia norte-americanos, como CNN, Fox News e MSNBC.
Seu quadro sobre a neutralidade da rede foi considerado como a melhor reportagem jornalística sobre o assunto no período avaliado pelos pesquisadores da Universade de Delaware. Algo surpreendente vindo de um programa humorístico.
Jon Stewart, para citar mais um exemplo, conseguiu no fim do ano passado derrubar no Congresso Americano uma medida que pretendia cortar programas sociais de auxílio-doença para bombeiros e militares que socorreram as vítimas do atentado de 11 de Setembro.
Na época ficou comprovado que muitos destes agentes públicos se intoxicaram seriamente com o volume de fumaça da queda das torres gêmeas e dali contraíram doenças respiratórias para o resto da vida. Por isso foi aprovado um auxílio-doença para estes servidores públicos, subsidiado pelo Estado.
Quando o Congresso estava prestes a cortar o benefício por causa da recente crise econômica, Jon Stewart entrou em ação e reverteu o quadro, ao envergonhar os congressistas diante da opinião pública, em seu antigo programa The Daily Show.
Acho curioso a influência que estes comediantes exercem sobre a opinião pública norte-americana. O humor pode ser uma excelente arma para combater preconceitos e injustiças sociais. Este é o recado de Jon Stewart.
Infelizmente, quando vejo o nível dos programas de comédia na televisão brasileira, dá uma tristeza enorme.
Não é de se surpreender que tantos jovens no Brasil compartilhem de ideias machistas, reacionárias e preconceituosas, proferindo sandices sob o manto protetor do “politicamente incorreto”, em que tudo é permitido.
Enquanto nos Estados Unidos a sátira política é utilizada como recurso para criticar as desigualdades sociais, no Brasil o humor parece estar a serviço de uma das elites mais reacionárias e ignorantes do mundo, consolidando velhos preconceitos e incentivando o que há de pior no ser humano.
A televisão brasileira está dominada por comediantes como Danilo Gentili, que acham graça em chamar Lula de ‘cachaceiro’, ‘nove dedos’, ‘sapo barbudo’ etc. Ou programas como Zorra Total, A Praça é Nossa, Pânico na Band e seriados do Multishow, onde a piada quase sempre gira em torno do ‘gay exageradamente afeminado’; do ‘pobre que fala errado’; da ‘loira burra’ e por ai vai… Os clichês de sempre.
Salvo raras exceções, como Gregório Duvivier, qual outro comediante progressista tem hoje acesso à grande mídia? Marcelo Adnet, talvez.
No Dia Internacional da Mulher, Danilo Gentili, apresentador do programa The Noite no SBT, achou engraçado fazer piada com o fato do cartunista Laerte ser um transgênero — e olha que ele até estava indo bem no monólogo sobre a igualdade entre homens e mulheres, mas o final estragou tudo.
Para efeito de comparação, vejam este quadro do Late Night with Seth Meyers sobre a discriminação contra a comunidade LGBT em Houston, Texas.
No fim do ano passado a cidade de Houston fez um plebiscito para aprovar uma lei de direitos iguais para todos, incluindo homossexuais e transsexuais. E adivinhem só? Como era de se esperar em um dos estados mais conservadores dos Estados Unidos, os texanos votaram contra a aprovação da lei. O pretexto usado pelos grupos conservadores, contrários à lei, era de que bastaria um homem se afirmar como mulher para ter acesso livre aos banheiros femininos, invadindo a privacidade das mulheres.
Uma justificativa pra lá de ridícula, como mostra Seth Meyers.
Isto sim é exemplo de humor inteligente. Por que a comédia no Brasil precisa ser fútil e despolitizada?
Por que não temos comediantes do mesmo calibre de Jon Stewart, Stephen Colbert, George Carlin, Seth Meyers, John Oliver, Louis C.K., Larry Wilmore e tantos outros?
Tenho certeza que eles existem aos montes por aí, o que lhes falta apenas é acesso à grande mídia.
O que nos salva hoje é a internet, repleta de páginas hilárias. The Piaui Herald, Sensacionalista e Jornalismo Wando, são bons exemplos. No Youtube há dois programas que assisto e me agradam bastante, apesar da crítica rasa e falta de engajamento dos autores. O ‘Quebrando Notícias’, do Jacaré Banguela; e o ‘Foca News’ do Amada Foca; ambos claramente inspirados nos programas de Fake News da TV norte-americana.
Mas isso ainda é pouco perto do que há nos Estados Unidos. Anseio ver na televisão brasileira um programa de humor inteligente, em uma grande rede de TV, nos mesmos moldes do The Daily Show ou Last Week Tonight, capaz de atingir milhões de pessoas.
Imagino que neste momento você deve estar se perguntando: devido a esse clima sinistro que tomou conta do Brasil, com as pessoas atacando umas as outras na rua por conta de uma opinião política divergente, seria este o momento ideal para rirmos da situação política do país?
Claro que não.
Chegamos num ponto crítico, onde não há mais graça em fazer piada dos fascistas. Enquanto estamos rindo dos manifestantes de verde e amarelo, eles estão na rua agredindo pessoas de vermelho.
A questão é que em algum momento tudo isso irá passar e o Brasil necessita de comediantes politicamente engajados, com ideais progressistas. A disputa de corações e mentes não se faz apenas com debate político sério. Também se faz com vídeos engraçados, piadas, memes, gifs etc.
Tanto lá nos Estados Unidos, quanto aqui no Brasil, a direita reacionária se mostra agressiva, intolerante e antidemocrática. Nos comícios de Donald Trump, pré-candidato do Partido Republicano à presidência dos Estados Unidos, casos de violência e intolerância se tornaram recorrentes.
A escalada do fascismo não é exclusividade do Brasil.
A diferença é que nos Estados Unidos os comediantes expõem seus fascistas ao ridículo em rede nacional, diante de milhões de telespectadores. Já no Brasil o que vemos é o oposto. Neste aspecto, ainda nos falta comediantes mais conscientes de seu papel na sociedade, capazes de oferecer um contraponto ao crescente avanço do conservadorismo reacionário, tão necessário para o bem da democracia.
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