na The Economist | Tradução: Heitor Carestiato
Para milhões de brasileiros, pareceu suspeito. No dia 17 de março, Luis Inácio Lula da Silva, o antecessor de Dilma Rousseff como presidente do Brasil, tomou posse como chefe de gabinete da sua protegida [n.t. Casa Civil], um cargo que outrora ela ocupou em sua administração. Ficou no cargo apenas por questão de horas. Um juiz federal suspendeu a nomeação no mesmo dia, alegando o que muitos brasileiros suspeitavam – que Lula só foi nomeado à função para se proteger da acusação.
Dilma nega. Ela nomeou o seu ex-chefe, porque ele é um "hábil articulador político". O governo pretende recorrer da decisão que suspendeu sua nomeação, e, sem dúvida, irá acusar o juiz de parcialidade. O confronto entre o governo do Brasil e seu sistema judiciário acaba de ficar mais estranho e mais implacável.
Como chefe da Casa Civil, o papel de Lula seria o de reaglutinar o Congresso em prol de Dilma, embora não menos importante, o de afastar seu impeachment (sob a acusação de que usou manobras contábeis para esconder o tamanho do déficit orçamentário). A expectativa é que os congressistas comecem a discutir o processo de impeachment nesta semana, depois de meses de disputas processuais.
Mas a verdadeira razão da nomeação de Lula, suspeita o juiz, teria mais a ver com os seus problemas e não com os dela. Os investigadores investigam o possível papel de Lula num esquema de propinas, de bilhões de dólares concentrado na Petrobras, a gigante estatal de petróleo, que parece ter começado enquanto ele estava no cargo entre 2003 e 2010. No início deste mês a polícia o deteve brevemente para interrogatório. Num caso a parte, os promotores estaduais de São Paulo quiseram prendê-lo, enquanto é investigado por ocultar propriedade de um apartamento à beira-mar. Agora esse caso foi entregue a Sérgio Moro, o Cruzado juiz federal que supervisiona a investigação da Petrobras (que não deve ser confundido com a pessoa que suspendeu a nomeação de Lula). Em ambos os casos, Lula nega qualquer irregularidade e acusa os investigadores de motivação política.
Uma conversa telefônica entre o antigo e a atual presidente, interceptada pela polícia e liberada para a imprensa, parece sustentar a tese de que ela o teria nomeado para protegê-lo da acusação. Em troca, a presidenta diz a seu mentor que irá enviar um termo de posse para ele assinar "se necessário". O juiz que suspendeu a nomeação de Lula, sustenta que a presidenta tentou interferir no sistema judiciário, blindando-o da justiça. Isso é um "crime de responsabilidade" (em si uma ofensa passível de impeachmant), disse o juiz.
Em um comunicado, o Palácio do Planalto, disse que a publicação da conversa, referia-se a uma possível ausência de Lula de participar da cerimônia de posse prevista para o dia seguinte. A gravação liberada foi chamada de uma "flagrante violação da lei e da Constituição" e prometeu-se buscar reparação judicial contra o Sr. Moro, que a autorizou. O juiz diz que as gravações foram desveladas "em prol do interesse público". As gravações expõem o governo e o sistema de justiça criminal ao escrutínio público e permite que os suspeitos tenham melhores condições de se defender. Os cidadãos precisam saber o que "fazem aqueles que governam, mesmo que estes se esforcem em agir nas sombras", declarou.
Porém, liberar gravação de uma conversa em que uma das partes, seja nada menos que a presidenta, e que não esteja formalmente sob investigação além de gozar de fortes proteções constitucionais, mostra-se uma violação de sua privacidade. Em ocasiões anteriores, o Sr. Moro já se mostrou ter ido longe demais em sua obstinada perseguição contra a corrupção. Vários juízes da Suprema Corte consideraram, por exemplo, que a detenção coercitiva de Lula para interrogatório, cujo o Sr. Moro ordenou, fora injustificada. O governo também vai explorar, sem dúvida, o fato de que aquele juiz que suspendera a nomeação de Lula, tenha participado dos protestos de 13 de março contra o governo. O juiz diz que seus pontos de vista pessoais não afetaram sua decisão.
Nuances legais não impediram os inimigos do governo, cada vez mais numerosos, de tirarem proveito dessas recentes revelações. Manifestações eclodiram em várias grandes cidades depois que a gravação foi liberada. Na capital, Brasília, manifestantes queimaram pneus em frente ao palácio presidencial. Em todos os lugares, eles repetiram as convocações para os protestos de 13 de março, quando milhões marcharam pacificamente em mais de 200 cidades exigindo que Dilma deixasse o cargo. Os brasileiros de classe média estão enfurecidos com o esgarçamento do Partido dos Trabalhadores (PT) e da má gestão econômica que causou a pior recessão do Brasil desde de 1930.
A sobrevivência de Dilma no cargo dependerá, em grande parte, do centrista Partido do Movimento Democrático Brasileiro (PMDB), liderado pelo vice-presidente, Michel Temer, permanecer na coalizão. O PMDB decidirá até meados de abril se quer permanecer. A opinião pública – e cada vez mais a da elite empresarial, parte da qual o PMDB se aproxima -pressionam o partido pela saída. Durante manifestações na noite de 16 de março, a fachada da Federação das Indústrias do Estado de São Paulo, na Avenida Paulista, foi iluminada com um grande sinal luminoso: "Renúnica já".
Os patrões brasileiros não ficaram tranquilizados com a promessa de Lula, antes dele ser barrado no cargo, de que lutaria contra a profunda recessão brasileira através de uma maior intervenção do governo. Isso pode significar, temem eles, forçar a redução das taxas de juros (apesar da inflação de dois dígitos) e fazer com que os bancos públicos estendam o crédito barato (apesar de um défict orçamentário de mais de um décimo do PIB). Dilma insistiu nessas políticas em seu primeiro mandato, lançando as bases para a crise de hoje.
Alguns líderes do PT, falam em off que o Banco Central deveria gastar parte dos 350 bilhões em reservas cambiais do Brasil, para recomprar a dívida do governo, um passo que minaria a credibilidade do banco. Na entrevista coletiva para anunciar a nomeação de Lula, Dilma declarou que o governo está empenhado na retidão fiscal e monetária. Ela negou que nem Alexandre Tombini, presidente do Banco Central, nem Nelson Barbosa, inteligente, porém, ministro da Fazenda com poderes limitados, estejam de saída. "Pelo contrário, eles estão dentro mais do que nunca", insistiu.
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