Foto: Antonio Cruz/ Agência Brasil
por Frederico de Almeida, no Justificando
A essa altura, parece-me desnecessário dizer que a quebra de sigilo de interceptações telefônicas do ex-presidente Lula praticada pelo juiz Sergio Moro na semana passada é ilegal e politicamente irresponsável. Ilegal porque contraria expressamente a Lei n. 9296/96, que dispõe que gravações inúteis à investigação devem ser destruídas, e não reveladas, e porque parte delas foi obtida quando não vigia mais ordem judicial. Politicamente irresponsável porque serviu deliberadamente para inflamar os ânimos políticos em um momento de já alta e perigosa conflituosidade, e para oferecer munição de ataque de atores políticos à nomeação de Lula como ministro do governo Dilma. A justificar tanto sua ilegalidade quanto sua irresponsabilidade, Moro apela demagogicamente para um suposto e difuso “interesse público” no conhecimento do conteúdo das gravações, mesmo que elas não fornecessem indícios da prática de crimes, como o próprio magistrado admite.
Como consequência de acerto prévio ou por puro oportunismo político, a oposição parlamentar e Gilmar Mendes fizeram da irresponsável e ilegal ação de Moro a base de um novo lance da ofensiva política e judicial contra o governo Dilma, com a suspensão da nomeação de Lula como ministro e a afirmação do foro de Curitiba para investigar eventuais irregularidades verificadas a partir das conversas interceptadas. Assim, Mendes trouxe para dentro do STF a instabilidade política e jurídica que Moro, o MPF, a PF e a oposição parlamentar vinham criando desde Curitiba.
Por isso, é preciso reconhecer que Moro não apenas incendiou o debate político e acuou juridicamente Lula e Dilma no âmbito da Lava Jato. Ele também colocou a faca no pescoço do STF, e o fez com a ajuda de um ministro do que por meio de seu proselitismo e de seu radicalismo político-partidário vem há tempos corrompendo a integridade e a serenidade necessárias à corte em um momento de tamanha instabilidade política.
Por enquanto, apenas Marco Aurélio Mello vem publicamente criticando as atitudes de Moro e os excessos da Lava Jato; sabe-se, porém, que outros ministros do Supremo têm se mostrado desconfortáveis com as atitudes e excessos do juiz federal. O problema é que a faca de Moro no pescoço do STF coloca o tribunal diante de um dilema. Se o Supremo começar a atuar contra os excessos de Curitiba, corre o risco de ser mal visto pela opinião pública, e devemos admitir que desde pelo menos o chamado “mensalão”, passando pela recente decisão sobre a execução antecipada da pena após condenação de segunda instância, os ministros do STF têm se mostrado bastante e perigosamente sensíveis aos “clamores populares” por “justiça”. Se além de coibir excessos, o STF atacar diretamente Moro – reprovando publicamente sua conduta ou mesmo determinando correição e eventual punição disciplinar por seus atos – pode ainda transformá-lo em mártir ou herói, o que parece fazer parte dos cálculos de um juiz que, aclamado pelas manifestações pró-impeachment do último dia 13, deu-se ao trabalho de responder e agradecer aos manifestantes por meio de uma nota no mesmo domingo, como um típico líder demagogo.
Por outro lado, se os ministros do STF não reagirem a Moro, correm o risco de rebaixar uma das mais importantes instituições democráticas aos caprichos de um juiz de primeira instância voluntarioso e demagógico. Se isso acontecer, não podemos minimizar o papel de Gilmar Mendes nesse rebaixamento, pois além de trazer a faca de Moro para o pescoço do STF, o ministro expressamente diminuiu o STF diante da Vara Federal de Curitiba, ao sugerir que o foro privilegiado de Lula no Supremo representaria uma tentativa de escapar à justiça; se só há justiça sob Moro, para que serve o Supremo Tribunal Federal?
Frederico de Almeida é bacharel em Direito, mestre e doutor em Ciência Política pela USP, e professor do Departamento de Ciência Política do Instituto de Filosofia e Ciências Humanas da UNICAMP.
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