por Mario Magalhães, no UOL
Depois de deixar a Presidência, Juscelino Kubitschek (1902-1976) foi morar num apartamento novinho em folha na avenida Vieira Souto, Ipanema, o metro quadrado mais caro do país.
A empreiteira que ergueu o prédio havia tocado na região Sul uma obra concedida pela administração JK (1956-1961).
O projeto arquitetônico do prédio foi desenhado por Oscar Niemeyer, que nada cobrou pelo serviço.
Mais de uma vez o ex-presidente visitou as obras do apê que viria a ocupar.
Idem sua mulher, dona Sarah, que pediu numerosas alterações no projeto original.
Um mestre de obras foi afastado, devido a reclamações da antiga primeira-dama.
O imóvel era espaçoso. Jornais publicariam que tinha 1.400 metros quadrados, o que parece exagero. Mas nele JK chegou a discursar para centenas de pessoas.
Juscelino pagava um aluguel irrisório ou morava de graça — as versões variam.
O apartamento em frente ao mar estava em nome de uma empresa controlada pelo banqueiro Sebastião Pais de Almeida.
Multimilionário, o empresário era amigo de JK, em cujo governo havia sido ministro da Fazenda.
Em junho de 1964, a ditadura recém-instalada cassou o mandato de senador de Juscelino e suspendeu seus direitos políticos por dez anos.
O ex-presidente teve a vida devassada, investigado em inquéritos policiais militares.
As autoridades o acusaram de um sem-número de falcatruas, como se fosse um ladrão voraz.
A acusação de maior apelo entre os opositores do ex-governante era a de que, na verdade, o apartamento da Vieira Souto era de Juscelino.
Sem renda para justificar tamanha ostentação, o ex-presidente “corrupto'' teria preferido ocultar o patrimônio.
Portanto, Sebastião Pais de Almeida seria um laranja. Atípico, tal a sua fortuna, mas laranja.
Certa imprensa fez um Carnaval, chancelando as acusações da ditadura, como se vê em títulos de jornal reproduzidos neste post.
Na Justiça comum, nem julgamento houve.
O procurador considerou não haver provas de que Juscelino fosse o dono do apartamento.
E enumerou provas de que o imóvel pertencia mesmo a Sebastião Pais de Almeida, que o emprestara ao amigo JK.
O juiz mandou arquivar o processo.
Dei com as notícias — onze, abaixo e acima — na apuração do meu próximo livro, sobre Carlos Lacerda (1914-1977), cujo triplex na praia do Flamengo foi alvo dos seus adversários.
Os recortes integram o acervo do velho SNI, Serviço Nacional de Informações, criado justamente em junho de 1964. Estão no Arquivo Nacional.
É certo que outras publicações jornalísticas trataram do apartamento onde a família Kubitschek vivia.
Mas eu reproduzo o que tenho à mão, a papelada sobre Juscelino selecionada pelos arapongas.
O nome do jornal que veiculou cada texto é identificado pelos burocratas do SNI na folha de papel onde os recortes foram colados.
Há um caso em que não se informa qual é o jornal.
E outro em que o título foi manuscrito.
Hoje, Juscelino Kubitschek é considerado grande brasileiro.
Dona Sarah dá nome à rede de hospitais de reabilitação.
Lula
A história do apartamento que não era de JK significa que o triplex do Guarujá não pertence ao ex-presidente Lula?
Não necessariamente.
Desconheço minúcias do inquérito e do processo sobre o petista.
Isso é com a polícia, o Ministério Público e a Justiça.
Sei é que, sem prova, pode se supor muita coisa.
Mas condenar por suposição não é fazer justiça.
Promiscuidade
Tanto no caso de JK quanto no de Lula há indícios de promiscuidade entre agentes públicos e privados.
Tal promiscuidade é condenável e faz mal ao Brasil.
Se é sempre crime ou não, são outros quinhentos.