Foto: R. Malkes / DW
Moradores de comunidade em Copacabana não escondem ponta de decepção com governo e medo da atual crise. Mas ainda são poucos os que veem motivo para descer e se juntar às manifestações contra Dilma
no DW Brasil
Apenas 500 metros separam a rua Saint Roman, principal acesso à comunidade do Pavão-Pavãozinho, da praia de Copacabana. Mas, mesmo diante de um futuro de incertezas, foi lá do alto do morro, de onde se tem uma vista privilegiada do mar, que a maioria dos moradores acompanhou a manifestação pelo impeachment da presidente Dilma Rousseff no último domingo (13/03).
A crise política divide a comunidade de cerca de 20 mil pessoas na zona sul do Rio de Janeiro. Nos bares, frequentadores fazem questão de acompanhar pela TV as últimas notícias. E ainda que o assunto seja recorrente nas rodas de conversa em escadarias e vielas, poucos viram motivo para descer e se juntar aos manifestantes. Entre as razões, a crença de que a corrupção é maior do que o Partido dos Trabalhadores (PT) e os governos de Dilma, e seu antecessor, Luiz Inácio Lula da Silva.
A comunidade foi pacificada em 2009, mas ainda sofre com as obras incompletas prometidas pelo Programa de Aceleração do Crescimento (PAC) em 2008. O destino dos 43 milhões de reais previstos em obras, os moradores desconhecem. Por ali, ainda faltam investimentos em mobilidade e serviços básicos, como saneamento e rede de energia elétrica.
Mas, apesar de uma ponta de ressentimento com o governo federal, gente como a operadora de caixa Maria de Lurdes Silva, de 44 anos, acredita que os problemas do Pavão-Pavãozinho e do Brasil são fruto de uma corrupção que assola o país bem antes da chegada do PT ao poder, em 2002. No domingo, ela preferiu ficar em casa. E garante que a maioria dos vizinhos também. Para ela, as manifestações são "uma burrice sem tamanho".
"Vão tirar a Dilma e colocar quem no lugar? Ela está sendo usada como bode expiatório. Todo mundo rouba no Brasil, e até acho que o Lula tenha roubado também. Quem não? Mas o governo dele melhorou a vida dos pobres. Quando o Fernando Henrique governou, roubou também. O problema foi causado porque o Lula não conseguiu colocar rédeas na roubalheira", argumenta Maria de Lurdes.
"Todos têm as mãos sujas"
Os laços do Pavão-Pavãozinho com a política são antigos. Na década de 1960, enquanto havia uma política de remoção em outras favelas da zona sul, empreendida pelo então governador Carlos Lacerda, a comunidade ganhou suas primeiras obras de urbanização, com melhorias nas escadarias e no abastecimento de água. Em 1984, no primeiro mandato de Leonel Brizola no governo do estado do Rio de Janeiro (1983-1987), foram realizadas algumas obras de urbanização, como a implantação de um plano inclinado no Pavão-Pavãozinho.
Moradores como o motorista Carlos Alberto da Silva, de 52 anos, lembram bem disso. Desempregado, ele faz bicos vendendo chinelos para sobreviver, se diz descontente com a corrupção, mas acredita que destituir a presidente não é solução para a crise.
"Eu preferi ir à igreja no domingo. Aqui todo mundo sempre votou no Brizola, ele vinha aqui e passava o dia, sentava, conversava com todos no bar. Depois, votamos no PT. Eu votei na Dilma e estou muito decepcionado, mas ela foi eleita e tem de terminar o trabalho. A vida mudou nos últimos anos para melhor, apesar de eu estar desempregado há seis meses. Se a Dilma e o Lula roubaram, terão de pagar pelos erros", avalia.
Em 2012, um estudo socioeconômico de 16 comunidades pacificadas do Rio feito pela Firjan indicava que o Pavão-Pavãozinho tinha a maior renda per capita (755 reais) e a segunda menor taxa de desemprego (5%). Mas, apesar de ter quatro escolas municipais e uma creche, registrava, ainda, a terceira pior escolaridade média entre pessoas com 25 anos ou mais –apenas 5,9 anos de estudo.
"Se você tem a tal da elite branca que faz o protesto, você ainda permite o governo sustentar essa narrativa de que o protesto é choro de perdedor. Isso está ficando cada vez menos sustentável. Você já tem, inclusive em classes com menos dinheiro e educação, algum nível de consenso pela responsabilidade da presidente e do partido dela pela crise", opina o cientista político Rodrigo Prando, da Universidade Mackenzie.
E quem tem medo de que a crise piore ainda mais, achou melhor ficar longe dos protestos, como Cátia Maria Marcelino, de 33 anos. Dona de uma loja de roupas e acessórios num beco da comunidade, ela se diz preocupada com a queda no movimento e teme um retrocesso econômico ainda maior. Segundo ela, derrubar a presidente sem alternativas concretas é "absurdo e perigoso".
"O problema é que todos os partidos têm as mãos sujas. O que precisam fazer é continuar investigando e punir quem rouba. Se tirar a Dilma, entra o vice dela, que é corrupto. Se não for ele, tem o [presidente da Câmara] Eduardo Cunha, que é corrupto. Sobra quem? O PSDB e o PMDB, que também estão cheios de suspeitas? Esses dois aí só pensam em ajudar os ricos. Tenho a sensação de que estamos andando para trás", lamenta Cátia.
"Todos os ricos foram"
Opinião semelhante tem o porteiro Manuel, de 40 anos. Morador do alto do morro, ele trabalha num edifício à beira-mar. Ele estava trabalhando no domingo, mas garante que, mesmo se tivesse tempo, não iria para as ruas porque "só havia ricos protestando".
"Eu via no prédio onde trabalho. Todos os ricos foram. E rico não gosta do PT e de pobre. Rico só gosta do trabalho dos pobres. Não podemos confiar em quem defende os ricos. Votei no Lula, na Dilma e, se ele se candidatar em 2018, voto nele de novo. Pelo menos, eles pensam na gente. Dilma foi eleita e tem que ficar. Só não sei se ela vai ter força, esse negócio está muito embaraçado", opina Manoel, pedindo para não ter o sobrenome revelado.
Segundo o cientista político Valeriano Costa, pesquisador da Unicamp, o não comparecimento das classes sociais mais baixas aos protestos se explica. Além da desconfiança quanto ao que está sendo discutido, o discurso dos organizadores não é dirigido aos interesses e preocupações dessa camada da população.
"Por exatamente serem pessoas que têm questões básicas de sobrevivência, elas têm, primeiro, um medo muito grande de perder o que ganharam. Não é sobre questões sociais e políticas públicas que está se falando nas manifestações, mas sobre um tema que toca diretamente uma classe média que, na verdade, se considera a grande vítima do Estado, do imposto de renda alto, das políticas sociais pesadas", observa.
Para Jacinto Pedro da Costa, de 42 anos, protestar não adianta nada. Ele votou no PT nas últimas eleições e, decepcionado, diz que não pretende repetir a escolha. Nascido e criado no Pavão-Pavãozinho, ele se diz apartidário e promete pesquisar muito bem antes de decidir em quem votar no futuro. Mas, ele acredita ser injusto atribuir somente ao PT os problemas do país. E arrisca: se outros partidos fossem melhores, trabalhariam juntos por uma reforma política.
"Existem empresários ricos que não querem só derrubar a Dilma, mas querem acabar com o PT. Não é justo, mesmo que tenham cometido erros. Por causa do PT consegui abrir minha primeira conta em banco, consegui crédito para comprar as coisas e colocar mais comida dentro de casa. A corrupção fez os poderosos de todos os partidos se misturarem", queixa-se Costa, porteiro de um edifício na vizinhança.
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