Foto: Ricardo Stuckert / Instituto Lula
Interesses ideológicos, econômicos e de mercado operam para derrubar Dilma, inviabilizar Lula e calar os movimentos. A resistência da democracia, dos trabalhadores e dos avanços sociais será nas ruas
por Eduardo Maretti, Helder Lima, Paulo Donizetti de Souza e Vitor Nuzzi, na Rede Brasil Atual
No final da noite de 4 de março, ao discursar na quadra do Sindicato dos Bancários de São Paulo, o ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva voltou a afirmar que, no governo, é a economia que tem de estar subordinada à política, e não o contrário. Também tornou a dizer que não adianta fazer ações apenas com o objetivo de agradar o mercado financeiro. De fato, os recados dados pelo “mercado” têm demonstrado que o poder econômico, definitivamente, entrou em cena para influir no processo político, o que inclui derrubar a presidenta reeleita em 2014, Dilma Rousseff.
Três dias depois, o jornal Valor Econômico escancarou em manchete: “Mercado já opera com mudança de governo”. Ou com o vice, Michel Temer, ou com um presidente escolhido em nova eleição, caso Temer seja também impedido. “Isso possibilitaria a inauguração de uma política econômica centrada no enfrentamento da crise fiscal, porém, com ganhos de credibilidade que permitissem antecipar os benefícios”, diz o Valor – admitindo, assim, a elevada dose de política na parte econômica da crise. “O comportamento dos mercados reforça essa expectativa”, acrescenta o periódico, ao mencionar que uma possível mudança de governo estaria “animando” a Bolsa e valorizando o real – na semana de 4 de março, o Ibovespa, índice da bolsa de São Paulo, teve valorização de 18%, a maior alta semanal desde outubro de 2008, e o dólar recuou quase 6%.
O presidente da Federação das Indústrias do Estado de São Paulo (Fiesp), Paulo Skaf, reuniu-se com diversas entidades no dia 7, entre as quais o Movimento Brasil Livre e o Vem pra Rua, assumidamente a favor do impeachment. Para Skaf, com presença declarada no protesto de 13 de março na Avenida Paulista, tirar Dilma da Presidência da República é mais urgente do que apear Eduardo Cunha do comando da Câmara dos Deputados.
A aposta do mercado é evidenciada em um relatório divulgado pela Nova Futura Corretora, para a qual o dia da deflagração da Operação Atheneia teve o “pregão mais otimista dos últimos tempos”, não só no Brasil. “A forte alta da confiança dos mercados impulsionou os preços dos ativos brasileiros, que estavam muito deprimidos desde que os agentes de mercado se desanimaram com a tese de impeachment.”(…) “A delação de Delcídio (referência à delação não confirmada pelo próprio autor, senador Delcídio do Amaral) e a ‘condução coercitiva’ de Lula jogaram muito ânimo em apostas que estavam à míngua.” A corretora vê exagero em todo esse otimismo, já que os fundamentos econômicos continuam ruins. Mas constata que, no mercado interno, as ações passaram a subir devido à possibilidade de “virada de jogo” na política.
O “fenômeno” não é exclusivo no Brasil. “O mais estranho nesses últimos dias de delações vazadas e a nova fase da Operação Lava Jato foi a gigantesca alta das ações da Petrobras no mercado americano: 30% em dois dias”, diz o Jornal do Brasil. “Isso representa um ganho absurdo do mercado financeiro, que pode estar por trás dessa especulação toda sobre impeachment, sobre a queda de Dilma e a prisão de Lula.”
Em um portal de linha editorial antigoverno, um analista foi mais do que explícito ao comentar o otimismo dos agentes com os acontecimentos políticos: “O mercado reage assim à medida que aumenta a possibilidade de impeachment da presidente Dilma Rousseff. Desde a época da eleição o mercado torce pela troca de governo”, disse Vitor Miziara, sócio da Criteria Investimentos.
São vozes do poder econômico globalizado que dita (ou tenta ditar) os rumos das economias do mundo. É a turma da desregulamentação, da flexibilização das leis trabalhistas, da terceirização sem freio. E que não quer esperar 2018 para voltar confrontar projetos e voltar ao poder pelo voto. A operação “de volta para os anos 1990” é para agora. Para tanto, contam com os poderes atribuídos a uma parte do Judiciário, do Ministério Público, da Polícia Federal – tendo como principal frente de batalha os meios de comunicação.
Desconstrução trabalhista
E quais seriam essas batalhas para restabelecer a supremacia do mercado sobre a política brasileira? Fragilizar o governo Dilma e, se possível antecipar seu fim. Desconstruir Lula, inviabilizar sua candidatura em 2018 ou, se não for possível, criminalizá-lo a ponto de evitar sua reeleição. Acuar, por meio da imprensa comercial e de aparatos judiciais, os movimentos mais fortes na resistência a essas operações, como os sindicatos de trabalhadores, e os veículos de comunicação que remam contra a corrente da mídia subordinada ao mercado e ao conservadorismo.
“Temos de mobilizar todos os que têm o Brasil no coração para quebrar a hegemonia da direita. Temos de sustentar com mobilização e pressão nas ruas”, disse o senador Roberto Requião (PMDB-PR), que em 7 de março participou de ato realizado no Sindicato dos Jornalistas de São Paulo – com jornalistas, parlamentares, lideranças políticas e movimentos sociais – em solidariedade a jornalistas independentes, como Fernando Brito, do blog Tijolaço, Helena Sthephanowitz, da RBA, e Miguel do Rosário, de O Cafezinho, entre outros, que foram notificados pela emissora carioca para retirar do ar ou modificar reportagens investigativas sobre de uma casa luxuosa em Paraty (RJ), cuja construção irregular – em área de preservação da praia Santa Rita – expõe indícios de ligação entra a família Marinho e a empresa especializada em atuar em paraísos fiscais Mossack Fonseca, investigada na Lava Jato. Em “notificação” enviada por e-mails, João Roberto Marinho negou ligação com a propriedade ou a empresa.
Ao associar as “operações casadas” entre os agentes da Lava Jato, a imprensa e as forças políticas e econômicas interessadas no fim do governo, Requião destacou que há “alguma coisa no ar” além dos direitos inscritos na Constituição, que foram arrasados na “prisão” de Lula. E identificou a questão de base da luta política como um ataque no mundo pelo poder do dinheiro. “A pressão pela privatização do petróleo vem dos países ricos e fortes que querem o domínio das reservas. As Sete Irmãs (empresas que detêm o monopólio do petróleo no mundo) não vão investir sem essa pressão. Depois que os Estados Unidos inventaram o shale gas (gás de xisto), isso ocorreu na busca do domínio das reservas. O petróleo não é só o combustível que move 95% dos transportes no mundo, mas tem mais de 3 mil derivados, que influenciam a indústria”, afirmou Requião.
Para o senador, a alternativa de direita só deixa ao Brasil a privatização e a globalização “por tolice ou entreguismo comprado”. O senador lembrou o caso do WikiLeaks, que denunciou conversa do senador José Serra (PSDB-SP) com executivos da Chevron, assumindo o compromisso de entregar o pré-sal. E também não se poupou de criticar a mídia tradicional: “O que nós vemos é a imprensa fazendo a crítica da Petrobras, e não dos ladrões da Petrobras. O que querem é entregar a Petrobras a um dos sete bandidos, das Sete Irmãs”, afirmou. “A mídia é instrumento de precarização do Estado, do Congresso e das leis trabalhistas.”
Requião não é voz isolada na interpretação de que a judicialização da perseguição ao PT e suas principais lideranças é movida a violações da Constituição. Muitos juristas se levantaram contra o que consideram o clímax de um processo permeado por violações sistemáticas desde o início da operação há dois anos, em 17 de março de 2014. O advogado e deputado federal Wadih Damous (PT-RJ) foi o primeiro a usar um termo que se alastrou na internet: “Não houve condução coercitiva. Houve, na verdade, um sequestro”.
O jurista e constitucionalista Celso Antônio Bandeira de Mello demonstrou preocupação com o perigo de estarmos “sinalizando o fim da democracia”. E condenou a operação contra Lula do ponto de vista do Direito: “A condução coercitiva do Lula, juridicamente, não passa de um absurdo. Porque quem não se recusa a depor, quem não resiste a colaborar com a autoridade, não pode receber nenhuma condução coercitiva”. O advogado Pedro Serrano afirmou que “o país está sem lei”. “O que aconteceu hoje (4 de março) é inaceitável do ponto de vista constitucional e dos direitos democráticos.”
Mas essa opinião não foi apenas a de juristas, advogados e operadores do Direito chamados de progressistas por sua atuação histórica. O ministro Marco Aurélio Mello, do Supremo Tribunal Federal, tem a mesma análise. O magistrado da mais alta Corte do país foi contundente no programa Canal Livre, da Bandeirantes, exibido dois dias depois. “Que nós estamos com uma generalização de atos extravagantes, estamos”, disse. “Nada justifica uma condução coercitiva sem que antes o cidadão tenha sido intimado mediante mandado e tenha deixado de atender ao chamamento judicial.”
Antes, à rádio CBN, o magistrado expressou preocupação não apenas com a “terrível” repercussão para a imagem do Brasil no mundo como também com o próprio Estado de Direito: “Se ocorre com um ex-presidente da República algo tão extremado, imagina o que pode ocorrer com um cidadão comum”, alertou. “Para a Justiça ninguém deve ser intocável, mas não podemos voltar à Idade Média. E essa história de que (a condução coercitiva) servia para garantir a proteção dele eu apenas anuncio: eu não gostaria de ter esse tipo de proteção”, ironizou.
Outro que está longe de ser um simpatizante dos governos do PT, José Gregori, ex-ministro da Justiça de Fernando Henrique Cardoso, também apontou a distorção da operação: “Na realidade o que parece é que esse juiz (Sérgio Moro) queria era prender o Lula. Não teve a ousadia de fazê-lo e saiu pela tangente”, declarou.
Manifestações se armaram espontaneamente a favor do ex-presidente da República. Ainda na mesma alucinante sexta-feira 4 de março, Lula participou à noite de um evento na lotada quadra do Sindicato dos Bancários, em São Paulo. Dizendo-se provocado, não se declarou candidato, mas voltou a dizer que só pode ser derrotado “nas ruas”. E acrescentou às milhares de pessoas que acompanharam seu discurso de uma hora e 20 minutos: “Se vocês estão precisando de alguém para animar essa tropa, o animador está aqui”.
Jararaca viva
À tarde, em entrevista coletiva, o ex-presidente já havia reagido com indignação: “Quiseram matar a jararaca, mas acertaram o rabo. A jararaca está viva. No 8 de março, em manifestações pelo Dia Internacional da Mulher, um meme com o chamado “Agora somos todas jararacas” correu as redes sociais.
As intenções políticas da Operação Lava Jato e dos oposicionistas que a ela se agarram com esperança de vencer o “terceiro turno” são claras, de acordo com inúmeras análises. Disse o mesmo Bandeira de Mello: “A condução coercitiva (de Lula) é um ato que equivale a uma confissão de medo, de pavor. Eles têm medo que o Lula venha a ser candidato e ganhe a eleição”.
Na véspera da operação contra Lula, uma edição do Jornal Nacional, da TV Globo – tida como principal incentivadora da ofensiva destinada a inviabilizar o governo petista e eventual candidatura de Lula em 2018 –, dedicou longa reportagem tendo como base a suposta delação do senador Delcídio do Amaral (PT-MS), com acusações contra a presidenta e o ex-presidente. A matéria foi vista por alguns como ensaio geral para o desfecho da operação e como combustível para as manifestações direitistas do 13 de março.
“Estou muito preocupada, porque não acho que o cerco vá diminuir. Naquela sexta-feira, a Folha de S.Paulo já estava em São Bernardo do Campo antes de a polícia chegar”, afirmou a deputada federal Jandira Feghali (PCdoB-RJ). “Na edição do Jornal Nacional da véspera já estava nítido que ia acontecer alguma coisa. Nós precisamos botar muito mais gente nas ruas.”
As apostas da queda do governo voltam a se dividir em duas frentes: o impeachment contra Dilma, no Congresso Nacional, e o julgamento do Tribunal Superior Eleitoral (sem data prevista), no qual vai-se decidir sobre quatro ações em que o PSDB pede a cassação da chapa de Dilma e do vice, Michel Temer. Ambas as teses foram revigoradas com os acontecimentos de março.
O ambiente levou o economista Marcio Pochmann, colunista da Revista do Brasil, a comparar a reação popular à operação com a chamada campanha da legalidade, comandada em 1961 pelo então governador do Rio Grande do Sul, Leonel Brizola, para garantir a posse de João Goulart após a renúncia de Jânio Quadros. “Houve atos de solidariedade e luta contra o arbítrio das forças do atraso em quase 1.500 mil cidades do país e a participação de cerca de 500 mil pessoas, bem como a adesão de cerca de 2 mil novas filiações ao Partido dos Trabalhadores, sobretudo de jovens,” escreveu.
Liberdade de imprensa x Liberdade de empresa
A ofensiva recente da Globo e de agentes da Lava Jato sobre sites de blogs de esquerda não são uma novidade. A Revista do Brasil já foi alvo de tentativa de censura por parte da coligação PSDB-DEM por expressar, com transparência e fatos jornalísticos, a preferência pelas candidaturas de Lula (2006) e de Dilma (2010). Da mesma forma como a revista Exame, por exemplo, defendeu em várias capas os candidatos que representavam os interesses do capital, a RdB nasceu para interpretar os fatos sob o ponto de vista de sua importância para o futuro dos trabalhadores.
Outra forma de tentar intimidar a RdB e a Rede Brasil Atual é a repetição recorrente de notícias de que a força–tarefa da Lava Jato pediu “explicações” ao governo sobre anúncios publicitários nos veículos. Impondo à notícia um toque de suspeição, criminalizador. Como se a Exame, para ficar no mesmo exemplo, também não recebesse publicidade estatal, em decorrência de sua audiência, e não de sua linha editorial.
“A ligação com o PT é outra falácia com que os veículos incomodados com a imprensa popular tentam desqualificá-la. Não se trata de PT, mas de projetos de país em disputa. O país subordinado aos interesses do mercado versus o país que luta para se emancipar para corrigir suas graves desigualdades. Nossa afinidade é com o movimento sindical, com os movimentos sociais, e não foram poucas as edições em que brigamos com o governo, tanto de Lula quanto de Dilma, por momentos em que se desviaram desses princípios, como ocorre atualmente”, diz o diretor da RBA, Paulo Salvador.