A animosidade da mídia e de setores da direita contra as trapalhadas dos promotores do Ministério Público de São Paulo chega a ser engraçada, se fosse possível rir de um movimento que está, literalmente, destruindo importantes alicerces morais e políticos que sustentaram o nosso país desde a redemocratização.
É uma situação tragicamente irônica: uma pretensa luta contra a corrupção, ao ser conduzida sem os devidos cuidados legais, sem a mais leve consideração acerca de suas consequências sociais e – o que é talvez o mais grave – hostil aos valores propriamente democráticos, está, na verdade, produzindo uma notória decadência moral, que é a emergência do fascismo (ódio político, intolerância e truculência).
O respeito à democracia pressupõe o respeito àqueles consagrados pelo voto. Lula foi eleito, reeleito, elegeu sua sucessora e a reelegeu. É óbvio que é uma personalidade profundamente identificada com o povo brasileiro, e esta é razão pela qual os meganhas do Estado devem tomar extremo cuidado antes de tratá-lo apenas como mais uma peça em suas conspirações políticas.
Hoje a Folha de São Paulo, em editorial, critica o pedido do MP-SP para prisão de Lula. A mesma coisa faz o Globo. Em todas essas críticas, porém, não notamos nenhuma observação solidária em relação à principal vítima: o ex-presidente e todos os seus admiradores, violentados por este arbítrio. Os jornalões apenas lamentam que a truculência contra Lula por parte do Ministério Pùblico de São Paulo atrapalha os planos igualmente truculentos da Lava Jato.
Na Folha, o editorial faz uma defesa da Lava Jato, e diz que não se pode tratar Lula como alvo de uma "conspiração", porque ele, efetivamente, se beneficiou das reformas. E dá-lhe matérias sobre reforma em Atibaia!
Ainda no mesmo jornal, matéria fala que Odebrecht pagou metade da mão de obra da reforma do sítio. Um leitor desavisado – como é a maioria – imagina logo um exército de trabalhadores pagos com dinheiro roubado ao contribuinte, para fazer uma reforma num castelo gigantesco e despudoramente luxuoso no qual Lula e seus familiares resolveram gastar seu tempo livre após o fim do mandato presidencial.
Não é nada disso, evidentemente. Trata-se de uma reforma simples, que empregou pequeno número de trabalhadores. Os valores usados pela Folha (R$ 500 mil, atualizados para R$ 700 mil para fazer volume) são um chute, um desses exageros que, à custa de repetição exaustiva, vão se consolidando como verdades.
E não é dinheiro público. Se é que as empreiteiras pagaram mesmo, é dinheiro privado, quantias insignificantes dadas por empreiteiras para reformar um sítio que o ex-presidente iria frequentar (e ele possivelmente nem sabia disso). Lula, de fato, fez uma gestão que ajudou muito as empresas do ramo da engenharia e construção civil, porque seu governo as fez construir dezenas de hidrelétricas, refinarias, parques eólicos, estradas, ferrovias, portos, aeroportos, e que permitiu, com sua diplomacia comercial, a estas mesmas empresas conquistaram inúmeros mercados lá fora.
Entretanto, mesmo que fossem os R$ 500 mil, este é valor de um quarto e sala simples no Rio de Janeiro. Não é nenhuma quantia exorbitante. Se é feio que um ex-presidente frequente um sítio reformado com dinheiro de empreiteiras, por causa do estigma que a operação Lava Jato e a mídia deram a essas empreiteiras, como se elas fossem o que há de mais maligno em nossa economia, não há nenhum crime.
Nenhuma empresa é santa. Infelizmente, a corrupção é um problema grave, no Brasil e no mundo, no universo das empresas. Mas ao eleger as indústrias de engenharia como inimigas número 1, a Lava Jato foi irresponsável, porque destruiu um setor que era o pilar do crescimento econômico nacional. O prejuízo causado, em perda de arrecadação, de postos de trabalho, é incalculável.
Eu dizia no início do post que a animosidade da mídia aos promotores que pediram a prisão de Lula é engraçada porque a mídia, mais uma vez, tira o corpo fora. A mídia brasileira é como um adulto de dois metros de altura, pesando 150 quilos, ruidoso e desajeitado, que entra numa pequena sala para filmar um casal se beijando, e pretende passar desapercebido!
Ontem, por exemplo, o Globo publicou a seguinte notícia em seu site:
Trata-se de cafajestismo jornalístico em estado puro!
Lula guarda os presentes onde deve guardar, conforme a lei ordena. Os objetos de mais valor são guardados num cofre, porque é para isso que servem os cofres. Onde mais ele os guardaria? No armário de biscoitos da cozinha? Apenas no final da matéria, lá onde boa parte dos leitores não chegam, vemos a explicação do Instituto Lula.
A imprensa tenta passar ao público a imagem de que não está fazendo nada demais, mas está: está alimentando o ódio político, a intolerância, e mentindo sistematicamente.
A matéria acima é uma maneira particularmente capciosa de mentir, porque induz o cidadão a uma leitura totalmente errada da realidade. O sujeito pensa que Lula roubou objetos do Palácio do Planalto!
Quando os promotores malucos do MP-SP pediram a prisão de Lula, a manchete do Globo no dia seguinte não tinha um grão de crítica ao pedido (a não ser a indefectível frase sobre "cautela", supostamente pedida pela oposição), apesar de todos já saberem que se tratava de um texto bizarro, inepto, flertando com esse banditismo institucional que toma conta dos aparelhos de repressão sempre que eles se partidarizam e se contaminam com o golpismo midiático.
Ou seja, a mídia insuflou o MP-SP a fazer esse pedido de prisão e lhe deu a publicidade que os promotores e o golpismo queriam. No Extra, jornal popular da Globo, uma matéria traçava um perfil heroico e comovente dos promotores.
Tem sido assim todos os dias.
A opinião pública é sistematicamente envenenada. Que um jornal fizesse isso, vá lá, mas estamos falando de um grupo que tem propriedades cruzadas em todo o sistema nacional de comunicação: rádios, jornais, tvs, editoras, cinema.
As poucas – quase inexistentes – regras que temos para impedir a concentração da TV são facilmente burladas pela família Marinho, através da distribuição de concessões nos estados em nomes de parentes, contraparentes e laranjas.
O que eu acho engraçado, portanto, é a incrível hipocrisia. Além disso, temos um fenômeno interessante a ser estudados pelos acadêmicos, que é a notícia da notícia.
Quando o MP-SP pede a prisão de Lula, a notícia não é apenas o pedido em si. O fato do Globo dar manchete a um pedido tão inepto, assim como faz com tudo o mais, também é a notícia.
E quem dará a notícia da notícia?
Essa é a importância da blogosfera, e por isso a velha mídia tem sido tão hostil à nossa existência. Quer dizer, até entendo a hostilidade da mídia, mas não aceito o mesmo por parte das autoridades. Se a imprensa comercial tem sua importância – é uma pena que, no Brasil, tenha se corrompido tão profundamente -, os blogs tem importância duplamente superior, porque são eles que, ao fazerem a crítica da imprensa, assumem o papel garantidor da existência da imprensa. Por que imprensa sem autocrítica, e sobretudo sem crítica externa, não é imprensa: é comunicado empresarial.
Uma pena que a presidenta Dilma jamais, em nenhuma entrevista ou depoimento, tenha falado sobre a importância, para os brasileiros, de tomar mais cuidado com a informação, de procurar fontes diferentes, diversificadas, de ler também alguns blogs. Como liderança política, ela tinha essa obrigação. Ainda dá tempo, aliás. Isso é fazer política. Enquanto se apegar a um discurso convencional, defensivo, previsível, um discurso coagido, medroso, o discurso que a mídia quer que ela faça, Dilma não apenas não vencerá o golpismo, como terá sido omissa na denúncia desse mesmo golpismo. Não adianta, aliás, falar em "golpe" de maneira abstrata. É preciso que Dilma dê nome aos bois. Os milhares de militantes pela democracia que estão correndo tantos riscos, inclusive físicos, para defender seu mandato, agradeceriam, porque isso daria dignidade à sua luta!
Além de nunca ter mencionado, para o povo brasileiro, a necessidade de procurar fontes diversificadas de informação, Dilma iniciou o ano corrente publicando artigo na Folha, em texto disponível somente para assinantes do jornal!
Paradoxalmente, eu ia dizendo, os blogs ainda dão um pouco de dignidade à velha imprensa comercial, porque as pessoas podem ler os jornais com um nível de consciência mais avançado, com um olhar mais crítico, e talvez seja isso que, ignorantemente, seja temido por diretores de jornalismo obtusos e sem visão.
Eles deveriam elogiar os blogs, e não ameaçá-los com processos judiciais.
Da mesma forma, a imprensa não está fazendo a crítica necessária à Lava Jato. Ela está praticando o nível mais estarrecedor de chapa-branquismo.
A força-tarefa da Lava Jato não esconde mais seu golpismo. Os executivos presos estão sendo ameaçados com condenações mais severas que as aplicadas a assassinos em série, além de prisões preventivas que se estendem por tempo indeterminado – e que agora, com recente decisão covarde do STF, poderão ser imediatamente convertidas em prisão perpétua, mediante processos tão politizados que as sentenças vem predeterminadas na origem.
Os meganhas da Lava Jato agora querem delações sobre a campanha de 2014 e contra Lula, para matar dois coelhos: derrubar o governo e neutralizar Lula.
O único lado bom dessa situação dramática é que a crise forçará a sociedade a lutar, agora de frente, contra o arbítrio e contra as conspirações midiático-judiciais.
O fato da Folha se sentir obrigada a afirmar, em editorial, que não há conspiração contra Lula, revela justamente o contrário: que há, sim, uma conspiração contra Lula e contra o governo. Não houvesse a Folha não precisaria afirmar isso. Há conspiração e, como toda conspiração, ela não pode dizer que é uma conspiração. E a Folha, juntamente com a Globo, tem papel chave, líder, na conspiração.
Buscando subsídios para fazer o combate intelectual ao golpismo e às conspirações, comprei na Amazon o livro Justiça Política, de Otto Kirchhmeimer, que trata do uso constante, na história, dos aparatos jurídicos para fazer a batalha política. No capítulo II, o autor cita o cardinal Richelieu, o famigerado golpista da França pré-revolucionária, que dizia: "Nas questões normais de justiça, exige-se provas autênticas; mas não é o mesmo em questões de Estado… Aí as necessidades da conjuntura assumem, frequentemente, o papel das provas; a perda de um particular se justifica diante da salvação do Estado."
Ah, como esses pensamentos soam familiares e contemporâneos! Não é Carlos Fernando, o procurador megalomaníaco da Lava Jato, que vive alardeando a necessidade de "refundar o Estado"? O que significa prender sem provas, conduzir coercitivamente, de maneira ilegal, um ex-presidente, coagir executivos, inventar narrativas, fazer o jogo sujo da mídia, se o objetivo é refundar o Estado?
O outro procurador, também chefe da Lava Jato, o Dallagnol, tem razões ainda maiores que a de Estado! Razões de Deus! Diante de uma missão tão divina, pequenas incorreções do processo penal não querem dizer nada. Grandes incorreções também não. O processo anda para frente, asseverou Sergio Moro, diante de um erro penal grosseiro concernente a Marcelo Odebrecht, por fim, previsivelmente, condenado a quase duas décadas de prisão.
A colunista da Veja, Vera Guimarães, observou no Twitter, sobre a fala de Dilma ontem, que esta foi em tudo igual ao discurso de Collor na véspera das grandes manifestações que levaram a seu impeachment. Quase todos os seus próprios leitores reagiram com perplexidade, respondendo que não tinha nada a ver. Collor pediu manifestações a seu favor, em verde amarelo. As pessoas saíram de preto. Dilma não pediu nada disso. Apenas reiterou sua indignação contra vazamentos seletivos, defendeu Lula da violência criminosa de promotores que abusam de seu poder, asseverou que não irá renunciar, e pediu calma e paz.
Sobre os promotores, agora que ficou claro, tanto para a mídia quanto para a oposição, que o seu pedido é inepto, isso ficará por isso mesmo?
Não serão responsabilizados e punidos por uma ação profundamente irresponsável, que ameaça o que existe de mais sagrado numa democracia, a liberdade política? E a liberdade política da nossa liderança mais popular?
O pedido de prisão do Ministério Público de São Paulo foi um ato de banditismo que precisa ser punido! Que bagunça é essa?
Até Vladimir Aras, um dos procuradores queridinhos da Procuradoria Geral da República, fez críticas pesadas ao bizarro pedido de prisão de Lula.
Alguém precisa por um freio constitucional no Ministério Público Federal, que age hoje como um elefante furioso na loja de cristais da nossa democracia: destroi empresas, pede prisão de lideranças populares, inventa narrativas golpistas.
A mesma coisa vale para Sergio Moro. Ninguém vai responsabilizá-lo e puni-lo pela condução coercitiva ilegal do presidente Lula? Ou Sergio Moro está acima da lei?