Breves considerações sobre a nota oficial da Associação Nacional dos Delegados da Polícia Federal

01/03/2016 - Brasília - DF, Brasil -Assinatura de termo de cooperação tecnica com o MJ. Assinatura de termo de cooperação tecnica com o MJ. Foto: Gil Ferreira/Agência CNJ

Foto: Gil Ferreira/Agência CNJ

por Alfredo Herkenhoff, no Facebook

“Os Delegados da Polícia Federal receberam com extrema preocupação a notícia da iminente saída do Ministro da Justiça, José Eduardo Cardozo, em razões de pressões políticas para que controle os trabalhos da Polícia Federal.

Os Delegados Federais reiteram que defenderão a independência funcional para a livre condução da investigação criminal e adotarão todas as medidas para preservar a pouca, mas importante, autonomia que a instituição Polícia Federal conquistou.

Nesse cenário de grandes incertezas, se torna urgente a inserção da autonomia funcional e financeira da PF no texto constitucional.

A Associação Nacional dos Delegados de Polícia Federal permanece compromissada em fortalecer a Polícia Federal como uma polícia de Estado, técnica e autônoma, livre de pressões externas ou de orientações político-partidárias.

Contamos com o apoio do povo brasileiro para defender a Polícia Federal”.

De cara um português pra lá de ruinzinho já no primeiro parágrafo. Olhe esse encadeamento: “em razões de pressões políticas para que controle os trabalhos… “. Considerando que delegados são formados por faculdades de Direito, o texto dá a sensação de que foi feito de afogadilho. Cardozo não alegou estar sofrendo pressão política. Mas claro que está. Sempre esteve. E pressões políticas costumam ser legítimas.

Citando frases e reflexões de grandes pensadores sem citá-los. Toda polícia, seja civil, militar ou federal, tem de ter controle. Soldados são controlados pelos seus superiores e estes, por seus ou nossos governantes. O Ministro do Exército é controlado pela Presidência da República. A guerra é assunto sério demais para ser deixada em mãos dos generais.

Autonomia para investigar, sim, mas se faz investigações seletivas, se vaza trechos seletivos de depoimentos colhidos ainda sob a égide do sigilo, se grampeia acusados e seus advogados, e se não investiga corretamente os seus próprios desmandos, uma polícia assim dá a cidadãos a possibilidade de suspeitarem de que existe uma operação política e operação partidária na própria operação de investigação criminal autodenominada Lava Jato.

Não é nova a máxima de que Forças Armadas sem controle político só existem em ditaduras. Polícia sem controle político só existe em sociedades sob risco de rupturas institucionais graves. E o controle político tem de ser exercido pelo governante no topo do Poder Executivo com mandato conferido pelas urnas.

O primeiro parágrafo tem uma clara afirmação de que se trata de uma nota política contrária à saída da pasta da Justiça de um ministro petista tido, por parte da crônica jornalística dos nossos dias, como leniente diante das características partidaristas da Lava Jato, e tido por parte da chamada grande imprensa como um bom ministro que jamais cerceou a atuação de qualquer delegado.

O concreto é que cabe à Presidência nomear ministros. E cabe a ministros da Justiça controlar não a autonomia de funcionários encarregados de investigações de crime, mas controlar quando a autonomia se transforma num braço político de segmentos da oposição.

Desconhecendo o estatuto da Associação Nacional dos Delegados de Polícia Federal, não dá para saber se o texto da nota não fere alguma coisa em seus preceitos. Nem dá para saber se reflete ou representa corretamente todo o corpo ou a maioria da Polícia Federal.

A nota diz que a categoria se quer livre de pressões externas ou de orientações político-partidárias. Nunca a PF no Brasil teve tanta autonomia. E nunca, depois da redemocratização, um segmento dessa mesma categoria teve uma atuação tão abertamente orientada por simpatizantes da oposição encarnada no PSDB.

Blindados pela grande mídia, segmentos da magistratura, da PF, e do MP estão pisando no ordenamento jurídico. O domínio do fato está virando uma epidemia. A lei da delação premiada pressupõe que um acusado aceita livremente, espontaneamente, voluntariamente, um acordo para redução de pena em troca de sua ajuda para elucidar crimes. Aqui a tortura das prisões preventivas é mais um escárnio ao nosso Direito a ser devidamente exibido e estudado nos textos que nossos netos lerão se resolverem e puderem cursar uma universidade.

Os delegados, com um bom lobby, podem conseguir deste Congresso a inclusão de mais autonomia na Constituição. Mas, por ora, melhor que trabalhem e aceitem as orientações legais de seus superiores. Que parem de fazer investigação só de um lado do espectro político-partidário.

A nota termina com um estranho desejo: “Contar com o apoio do povo”. Que povo, que apoio? Essa expressão “apoio do povo” é típica de político em campanha. E seu uso na nota dos delegados fortalece as suspeitas de que há mais desmandos na Lava Jato do que faz crer um par de microfones em grampos mal esclarecidos.

O Brasil anda num retrocesso tal que tem muita gente no povo achando que criminalista é o mesmo que crime, que advocacia criminal é coisa ruim ou boa só para os criminosos. Está difícil ser um advogado criminal. Ele fica mal na fita. Está difícil fazer julgamento justo no Brasil. A democracia está ameaçada pelo moralismo de uma campanha partidarizada contra a nossa corrupção endêmica.

Prefiro um ladrão solto do que segmentos do Poder Judiciário coletando provas ilegalmente. Quando uma Justiça absolve seus próprios atos ilegais ela não faz justiça. Faz política de afronta à Constituição.

Redação:
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