por Altamiro Borges, no Blog do Miro
Acuado pelos jovens estudantes que ocuparam mais de 200 escolas em São Paulo e temendo a brusca perda da sua popularidade, no final do ano passado o governador Geraldo Alckmin prometeu suspender o seu projeto elitista da “reorganização escolar”. No seu estilo “picolé de chuchu”, ele inclusive foi à tevê anunciar sua “disposição para o diálogo”. Pelo jeito, porém, ele novamente mentiu para seus eleitores sadomasoquistas.
Nos últimos dias, a Associação dos Professores da Rede Estadual (Apeoesp) publicou vários levantamentos sobre o fechamento de centenas de salas de aula. Num primeiro momento, o tucano se fingiu de morto – e contou com a ajudinha da TV Globo, que desqualificou as denúncias da entidade sindical num canhestro “jornalismo chapa-branca”.
Agora, porém, o governador já confessa o crime, mas tenta dourar a pílula. Em entrevista à imprensa, Geraldo Alckmin reconheceu o fechamento das salas de aula no Estado, mas disse que “a redução é natural… São casos pontuais numa rede de quase 4 milhões de alunos”. A medida truculenta, que espicha o nariz do tucano, não tem nada de “natural” para os alunos e suas famílias.
Na retomada das aulas, na semana passada, milhares de paulistas foram surpreendidos com as turmas fechadas, as alterações nos horários das escolas e as transferências para outros colégios. Reportagem de Juliana Gragnani e Leandro Machado, publicada na Folha, constatou o caos instalado nas escolas de São Paulo:
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Gestão Alckmin fecha turmas e causa ‘desorganização escolar’
18/02/2016 02h00
Maria Alice Nogueira, 6, levantou nesta quarta-feira (17) com o dia ainda escuro, às 5h20. Tomou café e banho, se arrumou. Mochila nas costas, andou pelas vielas do Aracati, extremo da zona sul de São Paulo. O ponto de ônibus estava lotado. Ela entrou no primeiro dos dois em que precisa embarcar para estudar na escola onde o governo Geraldo Alckmin (PSDB) a colocou.
Não era para ser assim. A mãe de Alice, a diarista Maria do Carmo Nogueira, 36, matriculou a garota em uma unidade a poucos metros de casa, o Soich Mabe.
Quatro dias antes do início das aulas, na quinta (11), a escola avisou que a turma estava fechada e que Alice fora transferida para outro colégio – a 4,6 km, ou 40 minutos de ônibus. A mãe da menina não foi consultada antes.
A confusão na vida de Alice não é isolada. Com o início das aulas na segunda (15), pais e alunos foram surpreendidos por uma série de mudanças na rede estadual: turmas fechadas, horário de escolas alterados e estudantes transferidos de colégio ou de período – muitas vezes sem consulta prévia.
Para Alice, havia outra opção: a escola Aracati 2 – a poucos metros de sua casa e bem na frente do ponto onde ela começa sua peregrinação diária. Sua mãe tentou transferência, mas ouviu um não. “Disseram que não tinha vagas”, conta Maria do Carmo.
Ela gasta com suas passagens, as da filha (o passe livre estudantil a que Alice tem direito ainda não saiu) e as da vizinha paga para buscá-la.
AS MUDANÇAS
O fechamento de turmas tem gerado polêmica desde que a reorganização escolar prevista por Alckmin fracassou, em dezembro, sob pressão dos estudantes, que ocuparam cerca de 200 colégios.
O plano pretendia fechar 92 escolas, além de transferir 310 mil alunos. A promessa é que ninguém estudaria a mais de 1,5 km da unidade anterior.
Neste ano, a Apeoesp (sindicato dos professores) tem dito que a secretaria da Educação fechou 1.043 turmas e está promovendo uma “reorganização branda”.
Em entrevista à Folha, o secretário da Educação, José Roberto Nalini, disse que “não existe reorganização branda”, mas que o número de estudantes vem diminuindo por causa das mudanças demográficas.
Neste ano, há 3,7 milhões de alunos na rede estadual – 143 mil a menos que em 2015. Nesta quinta (17), a Folha confirmou o fechamento de turmas em ao menos 12 escolas da capital paulista.
Sob condição de anonimato, diretores disseram que a demanda diminuiu e, por isso, classes foram eliminadas. Um deles, de uma unidade da zona leste, relatou que, com menos alunos, perdeu funcionários, e projetos pedagógicos foram abandonados.
Uma funcionária de outra escola, também na zona leste, diz que, apesar das salas fechadas, há turmas no colégio com mais de 40 pessoas.
Na escola símbolo das ocupações, a Fernão Dias Paes, em Pinheiros (zona oeste), cerca de 30 alunos do 3º ano do ensino médio chegaram para a aula de manhã e descobriram, ao ler uma lista no pátio, que haviam sido transferidos para o período noturno.
Migrações já tinham acontecido em outros anos – normalmente com alunos de mais de 16 anos ou com os repetentes. Mas, segundo os estudantes, nunca sem aviso prévio.
“Como sempre, a mudança não foi conversada com os alunos”, diz Igor Miranda, 17. Seu colega André Luís, também de 17, estuda eletrônica à noite na ETEC Guaracy Silveira: “Não posso escolher entre um e outro”.
Após queixas, a diretora voltou atrás. Para acomodar uma nova sala de manhã, estudantes do 1º ano serão distribuídos por outras classes.
Já na escola Professor Ceciliano José Enne, no Itaim Bibi (zona oeste), pais deram com a cara na porta. “Foi dando 7h10, 7h15 e nada. Alguns pais começaram a bater no portão dizendo que precisavam trabalhar”, diz a doméstica Rosemeire de Souza, 43, mãe de um menino de dez.
De novo sem aviso, início e término das aulas foram mudados. Ao todo, 118 escolas de ensino integral terão período reduzido em uma hora -começando às 7h30, por exemplo, e não mais às 7h, e terminando 15h30, não mais às 16h.
“Ninguém avisou para a gente poder se programar. É uma bagunça”, diz Souza.
A doméstica Januária de Jesus, 40, mãe de uma menina de dez anos do Alfredo Bresser, em Pinheiros, diz que os pais nunca vão conseguir um trabalho tendo de sair às 15h para buscar os filhos na escola. “Não tem condições.”
OUTRO LADO
A Secretaria da Educação de SP diz que é “equivocado dizer que há salas ‘fechadas’ uma vez que a rede conta hoje com 3,7 milhões de alunos, 143 mil a menos do que em 2015”. É um processo “natural da rede”, segundo a pasta, que não não respondeu quantas turmas foram extintas.
A pasta diz que a aluna Maria Alice Nogueira, 6, foi transferida para a escola Aracati 2. Nesta quarta, a Folha a acompanhou até outro colégio, a Jardim Capela 4, onde passou a manhã estudando. A mãe da garota diz não ter sido avisada sobre a transferência.
Sobre a mudança para a noite de alunos da Fernão Dias Paes, a pasta diz que eles já voltaram à manhã, e a pasta diz que “sempre incentiva que o aluno permaneça no período matutino”.
O enxugamento de horas em escolas integrais se deu porque “nove horas diárias são uma carga muito pesada para as crianças”, diz Maria Helena Berlinck, responsável pelas escolas integrais. Ela admite, “falta de cuidado” ao comunicar os pais.