A que veio o Partido da Mulher Brasileira? Por Débora Melo

Antifeminista, com bancada majoritariamente masculina e senador acusado de abuso sexual, PMB leva falta de ideologia a novo patamar

por Débora Melo, na Carta Capital

Ao anunciar sua filiação ao Partido da Mulher Brasileira (PMB), em dezembro de 2015, o senador Hélio José, do Distrito Federal, fez questão de exaltar as qualidades do sexo feminino, segundo a sua interpretação. “O que seria de nós, homens, se não fosse uma mulher para estar do lado, para nos trazer alegria e prazer?”, discursou no plenário.

Conhecido em Brasília como “Hélio Gambiarra”, o senador era suplente de Rodrigo Rollemberg (PSB) e assumiu a cadeira pelo PSD após a eleição do titular ao governo do DF. Em 2010, quando era filiado ao PT, José foi acusado de abusar sexualmente da própria sobrinha, uma menor de idade. Ele nega a acusação e diz ter sido alvo de perseguição política. A denúncia foi rejeitada pela Justiça, mas o Ministério Público ainda recorre.

Recém-criada, a 35ª legenda do País é o exemplo mais recente da crise de ideologia que atinge os partidos. Apesar de defender o aumento da participação da mulher na política, apenas duas mulheres compõem o quadro de 20 deputados federais do PMB, que tem Hélio José como único representante no Senado.

Para Hélio José, o senador do PMB, mulheres proporcionam “alegria e prazer” aos homens

Não bastasse, o PMB rejeita as bandeiras do feminismo. “O partido da mulher é antifeminista. É a resposta necessária para reposicionar a mulher em seu devido lugar, um lugar especial como centro aglutinador da família”, escreveu no Twitter a advogada e ex-diretora da Agência Nacional de Aviação Civil Denise Abreu, pré-candidata do PMB à prefeitura de São Paulo.

Suêd Haidar, presidenta do partido, demonstra enfado ao tentar explicar a que veio. Diz que a legenda precisa amadurecer e que não pode definir sozinha o que é bom para a sociedade. “Ainda é cedo para afirmar muita coisa. Espero que até a próxima eleição nós já tenhamos solucionado algumas questões. E então, quando vocês perguntarem, nós já teremos as respostas definitivas”, diz.

O que se pode afirmar por enquanto é que o Partido da Mulher Brasileira tem um projeto de poder. “Queremos eleger mais mulheres na Câmara”, diz Haidar. Mas isso não significa que os interesses da mulher estarão no centro das propostas. “O partido vai atender a sociedade como um todo, homens e mulheres”, completa. A descriminalização do aborto, por exemplo, passa longe das propostas. “É claro que somos contra.”

‘É claro que somos contra o aborto’, diz a presidenta do PMB, Suêd Haidar

Mesmo com o feito de atrair 21 parlamentares no curto período de cinco meses, a ideologia do partido, assim como seu quadro, está em construção. Embora posicionem a sigla no espectro de “centro-esquerda”, os expoentes do partido não chegam a uma definição clara. “Na atual conjuntura, não podemos afirmar que somos de direita, nem de extrema-esquerda”, diz a presidenta.

Denise Abreu, por sua vez, diz não ser possível identificar setores de direita e esquerda no Brasil e nega que seja de direita. “Sou liberal na economia e conservadora nos valores da sociedade. Defendo a liberdade de mercado e os valores da família”, afirma.

Uma consulta ao site oficial do PMB também não esclarece muita coisa. “Como orientação partidária, o PMB é centro-esquerda com um posicionamento de centro entre o capitalismo e o socialismo com uma tendência maior ao socialismo, ou seja, esquerda. O ponto principal da orientação é exatamente buscar o melhor posicionamento de ambos os lados e trazer para o nosso partido”, diz o texto de apresentação.

O curto tempo de vida contrasta com as polêmicas nas quais o partido se envolveu. Em novembro, o jornal Folha de S.Paulo revelou que, para atrair nomes, o PMB teria prometido o repasse de 50% do dinheiro do fundo partidário para os diretórios regionais, que seriam comandados pelos parlamentares. Haidar nega qualquer negociação nesses termos e diz que os nomes foram atraídos pela filosofia do partido. Segundo ela, o objetivo dos repasses é fortalecer a formação política do PMB.

A crise mais recente que envolve o partido diz respeito à suspensão dos serviços do programa Rio sem Homofobia, vinculado à Secretaria de Assistência Social e Direitos Humanos do estado do Rio de Janeiro, assumida no fim de 2015 pelo pastor evangélico Ezequiel Teixeira, deputado licenciado do PMB. A pasta atribui a interrupção dos serviços à crise econômica do estado, mas a convicção religiosa de Teixeira, que disse acreditar na “cura gay”, pode ter sido determinante. Ele foi exonerado na quarta-feira 17.

Para a professora Lucia Avelar, que integra o Centro de Estudos de Opinião Pública da Unicamp, o PMB dá indícios de que atuará para abrigar interesses particulares. “Acho que vai ser uma sigla para negociar interesses privados, em detrimento dos interesses coletivos”, diz. “Depois de tantos anos de luta feminista e estudos de gênero no País e no mundo, temos de conviver com um Partido da Mulher Brasileira totalmente fora dessas propostas”, continua Avelar, que participou de um estudo sobre os 50 anos do feminismo.

Para a pesquisadora Luciana Ramos, professora da Fundação Getulio Vargas e autora de uma tese sobre a representação da mulher na política brasileira, se fosse uma legenda séria, o PMB teria muito a fazer. “É um partido com pouca ou nenhuma ideologia. Diz que é a favor da inclusão das mulheres, mas também diz ser a favor da inclusão dos homens. Os homens já são incluídos. Qual o sentido disso?”

Dos 513 deputados eleitos no Brasil em 2014, apenas 51 são mulheres. Ramos defende o aumento desse número como forma de ampliar a oferta de políticas públicas para mulheres, mas lembra da necessidade de buscar representantes qualificadas. “Precisamos de mulheres que de fato estejam comprometidas com a pauta feminina.”

Parece que, se depender de Haidar, não será o PMB a cumprir esse papel. “É um partido como outro partido”, resume a presidenta da sigla, em um último esforço para se fazer entender. Faz sentido.

 

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