O Brasil é o único país do mundo que teve um governo de esquerda sem ter pluralismo midiático, analisa o professor e cientista político Leonardo Avritzer, do departamento de ciência política da Universidade Federal de Minas Gerais (UFMG), que está lançando amanhã (18) um livro sobre a conjuntura política brasileira.
“Na Inglaterra, há o Independent; na França, o Liberacion, o Le Monde; na Itália também há jornais de esquerda”, observa Avrizter, em entrevista exclusiva ao Cafezinho.
No Brasil, o conjunto do sistema midiático é de centro direita, com muito poucas exceções, diz o cientista, admitindo que, neste ponto, os governos de esquerda pouco fizeram em relação ao pluralismo midiático.
Muitas coisas poderiam ser feitas, analisa o professor, mesmo sem mudanças constitucionais, problemáticas em função do conservadorismo do Legislativo, como fortalecer a TV pública e pluralizar mais a propaganda estatal.
Avritzer entende que o governo Lula precisou menos de uma imprensa pluralista, por causa de sua capacidade pessoal extraordinária de comunicação. A reação da imprensa à crise de 2008, por exemplo, diz o cientista, Lula conseguiu polemizar praticamente com apenas uma frase sobre a “marolinha”.
Essa capacidade permitiu a Lula lidar com uma convergência midiática contra ele muito forte.
Com Dilma, é diferente, diz Avritzer, porque ela não tem a mesma capacidade para produzir afirmações públicas que pautem a agenda política. Daí criou-se um vácuo de comunicação que produziu dificuldades muito maiores, sobretudo a partir de 2013.
As estratégias da mídia em relação à narrativa de corrupção, segundo o professor, são muito claras: notícias contra o PT recebem muito mais atenção do que notícias contra o PSDB.
Qualquer denúncia contra o PT vira manchete. O mesmo não acontece com denúncias contra o PSDB.
Poderíamos acrescentar à fala do professor que não é apenas manchete. Denúncias contra o PT se tornam imediatamente campanhas midiáticas. Todos os recursos jornalísticos e semióticos são acionados.
Denúncias contra o PSDB podem até ganhar (raramente) manchete, mas não se cria uma campanha investigativa, para estudar seus fundamentos, para reverberá-la, e os recursos semióticos investidos são mínimos (nada de infográficos, memes, vídeos, etc).
Avritzer observa que a Lava Jato tornou-se uma campanha bem sucedida que mudou a imagem do PT na sociedade. Era algo que já havia começado com o mensalão, mas se consolidou com a Lava Jato.
O professor entende que existiu corrupção de fato na Petrobrás, mas critica a interpretação que a mídia dá aos fatos, tentando associar o problema da corrupção, um problema secular no país, apenas ao PT, às políticas sociais implementadas pelo partido, e às decisões estratégicas de retomar as grandes obras de infra-estrutura.
Avritzer falou ainda sobre trechos do livro em que polemiza com Marcos Nobre, cientista político que tem uma tese sobre a pemedebização da política brasileira.
Avritzer acha que Nobre deixa de lado o papel importante do PMDB nas várias conquistas sociais, políticas e democráticas da história recente do país. Mas ele concorda que, a partir de certo momento, a partir da década de 90, o PMDB foi dominado pelo espírito do centrão, com um perfil de centro-direita, e que perdeu identidade política.
Não se pode negar, contudo, diz Avritzer que a parceria PT-PMDB teve tonalidades progressistas, com o PMDB ajudando o governo a aprovar todas as leis e reformas que resultaram em avanços sociais nos últimos anos.
O afastamento entre PT e PMDB se acentua no governo Dilma, em especial após junho de 2013, momento que o cientista considera um divisor de águas em vários aspectos.
A partir de junho, a relação entre movimentos sociais e o Partido dos Trabalhadores, que já vinha azedando há tempos, experimenta vários pontos de bloqueio.
Com base social menor e com o PMDB mais afastado, o governo se fragiliza. Então a presidenta Dilma faz movimentos erráticos, para concorrer e governar. Na eleição, se afasta do PMDB e abraça uma campanha de esquerda. Depois da eleição, se afasta da esquerda e do PMDB, nomeando caciques petistas sem densidade para fazer a articulação do governo junto ao parlamento. A estratégia fracassa, e então a presidente dá um cavalo de pau e entrega a articulação política à Michel Temer, da ala pemedebista que vinha flertando com o impeachment.
Avritzer acha que é preciso encontrar soluções políticas para que não haja uma ruptura.
Ele considera que houve uma convergência de alguns fatores, que gerou desequilíbrio democrático e ameaça ao Estado de Direito. De um lado, houve um aumento da autonomia das instituições de controle: CGU, TCU, procuradoria geral da república, Polícia Federal. Movimentos contra o governo acabaram por se tornar como testes de força dessa autonomia. Quanto mais operam contra o governo, mais essas instituições se sentem autônomas e fortes. Só que, numa conjuntura sem pluralidade midiática, isso gerou um processo de partidarização que está ameaçando a democracia e o Estado Democrático de Direito.
Para Avritzer, o problema maior da Lava Jato não é tanto Sergio Moro e sim a ausência de um papel corretor por parte do tribunal regional federal de Porto Alegre, que não está cumprindo seu papel de pôr um freio nos abusos cometidos pela 13º Vara de Justiça de Curitiba.
Para Avritzer, a politização do poder judiciário põe em risco o Estado Democrático do Direito no país.
Sobre este assunto, vale lembrar algumas denúncias veiculadas contra os métodos da Lava Jato para obter as delações.
Mesmo tentando blindar a Lava Jato contra qualquer crítica, a mídia não conseguiu impedir que algumas denúncias alcançassem as páginas dos principais jornais. Esta denúncia de Elio Gaspari, por exemplo:
“Saiu das cadeias de Curitiba a seguinte informação: dois presos da Lava-Jato estavam na carceragem da Polícia Federal e foram transferidos para o presídio estadual. Numa noite, vários presos entraram na cela onde eles estavam, urinaram, defecaram e foram-se embora. Dias depois, os prisioneiros se ofereceram para colaborar com a Justiça“
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Abaixo, a resenha promocional do livro, ficha técnica e agenda de lançamento.
Em seu novo livro, Leonardo Avritzer traça os caminhos que levaram à atual crise política no Brasil
Em “Impasses da democracia no Brasil”, o cientista político Leonardo Avritzer faz uma análise sobre a democracia, a complexidade da corrupção no nosso sistema, a necessidade da participação e de profundas mudanças na representação popular.
O lançamento do livro será dia 18 de fevereiro na Fundação Getúlio Vargas, em São Paulo.
O livro “Impasses da democracia no Brasil” apresenta uma análise complexa e profunda sobre as alianças políticas e os impactos na sociedade, a participação popular e sua necessidade de intensificação e avanço em representatividade e o novo papel judiciário na política
Como o autor do livro, Leonardo Avritzer, define: “Este é um livro de oposição a um modo de fazer política, e está além das polêmicas fáceis entre esquerda ou direita”. O livro assume que a corrupção é um problema geral do sistema político brasileiro derivado das distorções do financiamento privado de campanha.
Para chegar ao cerne do assunto, ou seja, como o Brasil chegou a sua atual crise política, o autor resgata rapidamente dados históricos e salienta a situação de “incômodo” em relação à performance da democracia, que se manifestou inicialmente em junho de 2013 e continua até o final de 2015 (quando o livro é finalizado). Esses incômodos que foram expressos por meio de manifestações sejam da população, sejam dos parlamentares contra o atual governo da presidenta Dilma Rousself, se configuram em uma situação que Avritzer classifica como impasses da democracia no Brasil.
Os cinco aspectos da crise política no Brasil
Segundo Avritzer, tal impasse está centrado em cinco elementos: os limites do presidencialismo de coalizão, isto é, a deslegitimação da forma de fazer alianças; os limites da participação popular na política, que tem crescido desde 1990 e é bem vista pela população, mas não logra modificar sua relação com a representação; os paradoxos do combate à corrupção, que avança e revela elementos dramáticos da privatização do setor público no país, os quais terminam por deslegitimar ainda mais o sistema político; as consequências da perda de status das camadas médias que passaram a estar mais próximas das camadas populares a partir do reordenamento social provocado pela queda da desigualdade; por fim, o novo papel do Poder Judiciário na política.
Além de explicar os caminhos percorridos até chegar no atual momento, que aponta o fim de um ciclo, Avritzer, lança uma análise sobre o período complexo das manifestações de Junho de 2013, que segundo o autor partem de uma ruptura do campo político para a participação popular. Para ele, esse foi um processo gradual ocasionado pelos conflitos das pautas dos movimentos sociais e o governo. Soma-se a esse fator, a descentralização da notícia produzida pela grande mídia e a convocação para “ocupar as ruas” e demonstrar a força popular.
Trechos do livro:
“Por impasse, entendo uma crise de crescimento e de evolução da cultura democrática no país. Se, de um lado, todos os indicadores da prática democrática são positivos, de outro parece existir um incômodo em relação à democracia, que não chega a ser um mal-estar e está relacionado a diversos indicadores: aumento das expectativas da população em relação ao governo que não se traduziram em melhor performance ou em piora de indicadores da mídia em relação ao governo, como ocorre em todas as democracias do mundo”
“Do ponto de vista operacional, a democracia brasileira tem garantido a governabilidade de diversas formas: em primeiro lugar, ao estabilizar, entre 1994 e 2014, a relação entre o Executivo e o Legislativo, garantindo no Congresso maioria para a aprovação de projetos de lei fundamentais, como aqueles que estabilizaram a moeda e introduziram o Bolsa Família ou permitiram os aumentos reais do salário mínimo. Mas não temos dúvida de que estamos no final de um ciclo no que diz respeito à democracia brasileira. Estamos encerrando um ciclo em relação às características do governo de esquerda que existe no Brasil desde 2003; estamos encerrando um período no que diz respeito ao presidencialismo de coalizão e sua capacidade de ancorar o sistema político e da capacidade do estado de financiá-las sem gerar fortes conflitos distributivos. “
Sobre o autor
Leonardo Avritzer é mestre em Ciência Política pela UFMG (Universidade Federal de Minas Gerais) e possui pós doutorado pelo Massachusetts Institute of Technology (1998-1999). Atualmente é professor da UFMG. Já lançou oito livros, entre eles “A moralidade da democracia”, “A corrupção e Sistema Político no Brasil” e “Reforma Política”.
Lançamento de “Impasses da Democracia no Brasil” em São Paulo
Aula Magna com Leonardo Avritzer seguido de sessão de autógrafos do livro
Quando: 18 de fevereiro, 13h30
Onde: Fundação Getúlio Vargas (Rua Itapeva, 432 – Salão Nobre)
Debate “Desafios Metodológicos da Pesquisa em Participação, Sociedade Civil e Democracia”, com os cientistas políticos Leonardo Avritzer e Cláudio Couto
Quando: 18 de fevereiro, 16h
Onde: FGV – Rua Itapeva, 432 – 4o andar – Salão Nobre
Título: Impasses da Democracia no Brasil
Autor: Leonardo Avritzer
Editora: Civilização Brasileira (Grupo Record)
Formato: 16 x 23cm
Número de páginas: 154
Preço de capa: R$29,90
Lançamento: 15 de fevereiro de 2016
Mariana Ivens
15/01/2018 - 18h34
O descaramento do Judiciário e Ministério Público vem desde o julgamento midiático e bombástico da AP470, no curso do qual agentes públicos usaram fartamente as palavras ‘organização criminosa’ e ‘quadrilha’ para referir-se ao PT. Já nesse momento, não havia a quem recorrer já que quem utilizava tais expressões pejorativas eram pessoas ligadas a órgãos que deveriam defender o direito a julgamento justo, contraditório, presunção de inocência, ampla defesa … e não o fizeram em nome de um suposto combate à corrupção que blinda os amigos. Justiça e MP partidarizados, usados como armas políticas na maior cara de pau.
Hell Back
18/02/2016 - 15h59
Mas e alguma vez foi diferente?
Julio César Xavier San Martins
17/02/2016 - 21h52
Tucanização do Judiciário, ele quer dizer né?
Marli Falcao
17/02/2016 - 19h29
Muito certo Flavio Levi Moura…
Disse tudo…
Cláudia Patrícia Coutinho Campos
17/02/2016 - 18h14
Eliane Sousa… um dos nomes dp material que revisei… Col. Intelectuais brasileiros… Ed. UFMG…
Flávio Levi Moura
17/02/2016 - 18h13
Não é apenas partidarização, o judiciário é um aparelho ideológico e repressivo de dominação. Sua vinculação com a hegemonia das elites abastadas é orgânica, não se resume a uma conjuntura política específica. O judiciário materializa e legitima o caráter coercitivo da dominação burguesa. Na conspiração golpista em curso, esta fornecendo as justifica fictícias formais para direita.