Análise Diária de Conjuntura – 15/02/2016
Uma das características algo bizarras da conjuntura é que a grande mídia, obviamente um ator político determinante, não sabe o que fazer de si mesmo quando procura analisar o cenário.
É algo assim: a mídia produz análises diárias da conjuntura, mais ou menos como faz este blog. Só que a mídia precisa simular a sua invisibilidade. Quando discorre sobre a situação de Lula, por exemplo, não pode falar que o linchamento midiático do ex-presidente tem como origem uma decisão editorial de dois ou três jornais que, pelas tristes circunstâncias históricas da imprensa brasileira, tem o poder (é seu último trunfo) de pautar a agenda política nacional.
Hoje, a imprensa continua seus ataques. O Globo dá manchete a Sergio Moro.
A campanha pelo golpe recomeçou. Dessa vez, o golpe judicial, tipo hondurenho, onde 4 juízes, numa turma de 7, sob pressão midiática, passarão por cima do voto de centenas de milhões de brasileiros. O fato de Gilmar Mendes assumir o comando do TSE e a Lava Jato ter dado um cavalo de pau, assumindo uma faceta partidária que até então procurava disfarçar, animaram a oposição e, sobretudo, a mídia partidária.
A Globo, como sempre, é o centro do golpe. Merval Pereira, tratado como grande estrela, com direito a participação em banner promocional gigante no site jornal, como se fosse o líder de uma banda de rock, faz campanha pesada contra os acordos de leniência, que fazem parte do esforço do governo para não destruir as empresas, punir apenas os responsáveis, preservando empregos e obras de infra-estrutura.
É uma campanha violentíssima contra qualquer iniciativa para superar a crise econômica.
O primeiro semestre, até o momento da batalha final no TSE, promete ser tão turbulento quanto a segunda metade do ano passado.
Mas o governo tem algumas cartas na manga: há uma decisão majoritária, dentro do PMDB, contra a ruptura. Leonardo Picciani deve consolidar a liderança do PMDB na Câmara e ajudar a enterrar o impeachment. Parte do PMDB sabe que, se não enfrentar a onda de ódio, será engolfado também.
A Lava Jato perdeu um bocado de sua aura de operação pura contra a corrupção. Surgiram fissuras importantes na imagem de Sergio Moro, e as suas últimas decisões, de autorizar operações contra o triplex e o sítio, apenas por suas ligações midiáticas com Lula, transformaram-no numa figura odiosamente tendenciosa, num histérico de oposição. Não é mais visto como magistrado imparcial por ninguém, inclusive pelo setores crescentes da comunidade jurídica, onde um número cada vez maior de juristas assiste perplexo à escalada do arbítrio.
A Folha, por sua vez, mantém fogo cerrado contra Lula:
É impressionante a quantidade de recursos jornalísticos destinada a cobrir o sítio de Atibaia. Há tomadas aéreas sem fim. Vídeos, reportagens, animações.
E isso ao mesmo tempo em que o jornal demite repórteres e editores, significando que as pautas da grande imprensa estão se estreitando. Caminha-se para a pauta única. Todos os jornalões martelando a mesma coisa: pau no PT, pau no Lula, pau na Dilma.
Os textos das reportagens são abjetos. Este da Folha, por exemplo, diz que: “Suspeita-se que o sítio pertença a Lula”.
Mentira. Nunca houve essa suspeita. O sítio pertence a Jonas Suassuna, empresário, amigo de Lula há muitas décadas, e que fez fortuna vendendo dvds e discos com a Bíblia na voz de Cid Moreira, conforme perfil feito pelo Globo.
Aliás, o Globo fuçou a vida do Jonas Suassuna, atrás de fatos obscuros e, sobretudo, “negócios com o governo”, nessa campanha insana da imprensa para criminalizar tudo e a todos que rodeiam Lula e o máximo que descobriu foi um “empresário extrovertido com múltiplos negócios”, presidente da Associação Brasileira de Publicidade, dono de editora de sucesso, celebridade na Campus Party (por conta de projeto de livros em “nuvem”) e com pouquíssimos, quase nenhum, negócios com governos.
O próprio Suassuna voltou a afirmar, hoje na imprensa, que o sítio é dele.
A campanha contra Lula ganhou ares de mistificação esquizofrênica. A mídia usa todo o seu arsenal semiótico para semear confusão na opinião pública.
Lula saiu do governo com quase 90% de aprovação, e enorme projeção internacional. Foi condecorado com título de honoris causa em importantes universidades do mundo. Ganhou prêmios internacionais.
Qualquer um se sentiria honrado em emprestar um sítio a Lula. Qualquer empresa disputaria a tapas a oportunidade de fazer uma churrasqueira nova neste sítio. Lula já não era mais presidente. Era um cidadão privado. Uma celebridade.
E agora a Folha faz matéria com fofoca de morador dizendo que o celular pega melhor no sítio frequentado por Lula do que na sua casa?
Lula é culpado agora até pelas antenas de celular próximas ao sítio de Atibaia?
É surreal.
É exatamente o que Umberto Eco denuncia em seu último romance, Numero Zero, como a macchina del fango, a máquina de lama, que consiste justamente em lançar insinuações caluniosas, num texto repleto de outras insinuações, com objetivo puro e simples de caluniar e prejudicar politicamente um indivíduo visto como “inimigo”.
A gente fica intrigado: onde querem chegar? Não percebem que destroem a sua própria imagem? Eu posso imaginar um gráfico, com o aumento do antipetismo sendo neutralizado pelo aumento da rejeição às campanhas sórdidas da mídia.
A truculência pura carrega sempre uma ingenuidade básica. Acredita-se que é possível “destruir” a esquerda. A grande mídia parece pensar hoje com o cérebro de um troll. O campo progressista nunca vai morrer. Ele cresce na adversidade. Quando o tensionamento político atinge o apogeu, como foi no segundo turno de 2014, a esquerda ganhou as eleições.
E mesma coisa se repetiu ao final de 2015, quando o campo progressista conseguiu superar a direita golpista nas ruas, numa conjuntura política profundamente adversa.
Em 2015, enquanto a mídia tradicional experimentava forte queda em sua audiência, demitia jornalistas, a blogosfera vivia mais um ano de grande aumento de visitação. No auge da crise do impeachment, a página do Cafezinho no Facebook chegou a mais de 11 milhões de alcance semanal.
Se repetirem a estratégia este ano, vai acontecer a mesma coisa. Quanto mais espalham vírus midiáticos pelo corpo social, mais desenvolvemos anticorpos, até que, pelas leis de darwin, sobreviverão apenas as pessoas dotadas de consciência crítica, vacinadas contra as infinitas armadilhas intelectuais da grande imprensa.
Claro, eles querem ganhar pelo cansaço, e podem até conseguir vitórias, mas não serão duradouras. A gente cansa, mas volta!
O Brasil experimenta hoje a emergência de uma intolerância política alarmante. As empresas de mídia estão na raíz desse processo. São as instiladoras. Tanto que jamais fazem editoriais contra isso. Chico Buarque foi agredido, e Globo, Folha ou Estadão não fizeram um mísero editorial contra a violência. Ancelmo Goes, colunista do Globo, cada dia mais vaselina, trata casos de truculência política com a mesma babaquice: “calma, gente”.
Ou seja, a mídia está, novamente, alinhando-se do lado errado da história, aos violentos, aos golpistas, iludida com a força momentânea desses grupos.
É bom que seja assim. Quem quiser, que se alie aos Marinho, aos mervais, à Veja.
O fato de estar do outro lado, nos dá um tremendo bem estar, uma autoconfiança tranquila.
É incrível o poder de adaptação do ser humano: estamos nos acostumando a viver à beira do abismo. Quanto mais as campanhas golpistas se estendem no tempo, mais se vulgarizam, mais se enfraquecem aos olhos de setores mais esclarecidos da opinião pública.
Sei que teremos tempestades à frente, mas a própria histeria descontrolada da mídia, a estratégia de queimar tudo, incluindo grandes empresas nacionais, sabotar a economia brasileira, apelar para as denúncias mais ridículas, manipular abertamente a opinião pública, justificar qualquer arbítrio judicial, demonstram antes desespero e fraqueza.
O que eles esperam conseguir? Um golpe? Se o fizerem, terão perdido no dia seguinte, e por um longo tempo, porque estarão desmoralizados. Uma eleição? Se conseguirem vencer eleições, beleza, enfrentarão novamente as agruras e dilemas de governar.
A direita está presa num dilema básico: a única maneira de conquistar o poder de maneira sólida, não apenas ganhando eleição, mas assegurando um governo estável, é fazendo uma gestão profundamente democrática, que melhore de maneira sensível os serviços públicos. Mas para isso, terá que aumentar impostos para os mais ricos (porque não poderá sobrecarregar a classe média), distribuir renda, ou seja, fazer um governo de esquerda! Ao mesmo tempo, deverá enfrentar os malafaias, os antiliberais em costumes, aqueles mesmos com os quais se aliaram para ganhar eleições e governar, oferecendo políticas públicas em favor das minorias religiosas, sexuais, índios, etc. Se a direita fizer isso, maravilha! Até eu votarei nela, porque aí não será mais direita!
Caso não façam isso, enfrentarão as ruas. E como ficará a mídia? Perderá a situação confortável de hoje, de “crítica” ao governo.
Aí sim, os brasileiros testemunharão o que é ser “chapa-branca”, principal especialidade de uma imprensa que se consolidou à sombra da ditadura militar, à qual prestou um apoio covarde, oleoso, nojento, oportunista, do início ao fim.
Diferentemente de outros momentos, agora poderemos controlar e supervisionar exatamente as verbas destinadas às grandes mídias, por causa de leis que o campo progressista aprovou. Quanto mais dinheiro o governo der a elas, mais ficarão desmoralizadas.
Por qualquer ângulo que se olhe, a mídia está cavando seu próprio buraco. Sua única saída seria tornar-se moderada, calibrar denúncias para ambos os lados, deixar que se publiquem críticas aos arbítrios judiciais em suas páginas; ser mais democrática, enfim. Com esse radicalismo tolo, arrogante, os barões se afundam.
Eles são fortes, ricos, poderosos, mas a dialética da história os transformará em pó.
A sociedade brasileira, mesmo experimentando soluços autoritários, tem amadurecido. Há mais gente estudando, pensando, interagindo. A tendência é que tenhamos uma sociedade democraticamente polarizada: em primeiro plano, progressistas e conservadores, como em países avançados, protagonizando um saudável e sobretudo pacífico embate intelectual; num segundo mas não menos importante plano, continuaremos a testemunhar a eterna luta de classes, motriz de todas as energias e de todas as transformações sociais.