por Paulo Moreira Leite, no Brasil 247
Em seu primeiro mandato como deputado federal pelo PT do Rio de Janeiro, o advogado Wadih Damous tornou-se uma das vozes mais influentes do Congresso em assuntos jurídicos, área que domina os principais debates num país onde a oposição quer afastar uma presidente eleita sem respeitar as regras elementares da Constituição. Wadih foi presidente da OAB-RJ entre 2007 e 2012 e mais tarde tornou-se presidente da Comissão Nacional de Direitos Humanos da entidade. Ele deu a seguinte entrevista ao 247:
247 – A maior liderança do PT virou alvo de investigações, da Lava Jato e do MP de São Paulo. Como você avalia isso?
WADIH DAMOUS – Estão tentando destruir o legado do Lula na presidência do país. Ainda que não consigam puni-lo criminalmente, tentam desconstruir a sua imagem perante o povo brasileiro, da forma mais covarde e vil. Mobiliza-se o aparelho de estado brasileiro – Judiciário, Ministério Público e Polícia Federal – tudo articulado com a grande imprensa, na caça a um só homem. Vale tudo para que ele não concorra em 2018 e se concorrer, que perca a eleição e, se ganhar, que não tome posse; e se empossado for, que não governe. A velha fórmula udenista-golpista.
247 – Que análise se pode fazer das investigações abertas no MP paulista em relação ao “triplex” e da Polícia Federal em relação ao sítio?
WADIH DAMOUS – É ridículo, a par de estarrecedor. Esse procurador paulista está em busca dos seus 15 minutos de fama. Praticou falta funcional ao conceder entrevista, matéria de capa – não por coincidência – da Veja e parece que nem é o procurador natural do feito. Fez isso antes mesmo de apresentar a denúncia. De forma irresponsável, tornou pública a data do depoimento do ex presidente, o que pode gerar sérios conflitos de rua. Já há uma representação na Corregedoria do órgão contra ele. Espero que o corregedor suspenda esse depoimento. Já o inquérito da Polícia Federal é mais uma tentativa de transformar ilações em verdade. O Presidente Lula não é dono do tal triplex nem, tampouco, do sítio em Atibaia. Investigar barco de lata, pedalinho e horta quando somos um país onde se sonegam bilhões e se roubam outros tantos é simplesmente lamentável e só mostra a gana em criminaliza-lo.
247 – Você tem sido um crítico do que considera como desmandos da Lava Jato. Como vê o andamento desse inquérito, hoje?
WADIH DAMOUS – A chamada operação Lava Jato foi anunciada como redentora, já que finalmente os corruptores iriam responder pelos seus crimes. O combate à corrupção deve ser apoiado e aplaudido. Ocorre que não se deve combater ilegalidades praticando outras ilegalidades. E a Lava Jato pratica muitas. Por exemplo: buso de prisões preventivas; uso da delação premiada como forma de chantagem; atentado ao princípio da presunção de inocência; quebra de sigilo das delações; incompetência territorial do juizo de Curitiba; uso de prova ilícita como é o caso dos documentos trazidos da Suíça, sem a autorização daquele país, são algumas das violações à ordem jurídico-constitucional praticadas pela chamada força tarefa do juiz Moro.
247 – Se é assim, como explicar que as decisões do juiz Moro têm sido confirmadas nas instâncias superiores, que têm a função de rever deliberações de instâncias inferiores?
DAMOUS – O crime de corrupção foi alçado à categoria de principal mazela do país. Mais grave do que a pobreza, do que os precários serviços de saúde, do que déficit educacional, do que o desemprego, o que mais você quiser. Isso graças a uma pérfida e bem sucedida urdidura dos meios de comunicação. Isso não é novo: os principais inimigos já foram os comunistas, os terroristas, os delinquentes urbanos. Agora, são aqueles que são apontados como corruptos, frequentemente sem prova. E contra estes acusados, apenas contra eles, bem entendido, vale tudo, inclusive desrespeitar a Constituição e os direitos e garantias fundamentais, que “atrapalham” a eficiência do bom combate a esse monstro, inimigo da nacionalidade.
247 – Como explicar que tantas pessoas sejam favoráveis a essa situação e acreditam que pode ser útil para o país?
DAMOUS – Além de um esforço de heroicização de Sergio Moro e seus cruzados, vivemos uma situação que os juristas contemporâneos reconhecem uma situação chamada de publicidade opressiva. Ela acontece quando a maioria dos meios de comunicação toma partido num conflito, sempre do mesmo lado. Não dão espaço para o contraditório nem para qualquer ponto de vista crítico. Como a gente vê no cinema norte-americano, são aqueles julgamentos que se decide realizar em outra cidade, evitando jurados que já estão previamente contaminados por uma opinião anterior, assumida pela imprensa local. É disso que estamos falando aqui. Nessa situação, o Judiciário, que deveria atuar numa dimensão contramajoritária, de acordo com o estrito apego as regras do Estado Democrático de Direito, sem levar em conta maiorias individuais nem pressões indevidas, acaba se acomodando à onda em vigor.
247 – Você concorda que há seletividade nas investigações? Por que Aécio Neves não é investigado, embora tantas vezes citado por delatores?
DAMOUS – Os fatos parecem demonstrar que há uma categoria de pessoas investigáveis e outras, ininvestigáveis. As investigáveis são do PT e as outras são do PSDB. Se não for isso, teremos de nos convencer de que o sistema político eleitoral brasileiro é virtuoso e que as doações empresariais para o PT são propinas oriundas de corrupção e para o PSDB são doações mesmo, porque o partido merece. O “ódio” à corrupção limita-se à suposta corrupção do PT, não se estende aos outros partidos, sobretudo ao PSDB. Não consigo entender a conduta do Procurador Geral da República que, simplesmente, ignora as menções a Aécio Neves, todas detalhadas e de extrema gravidade. Por muito menos, há pessoas presas e investigadas. Agora mesmo, ele acaba de arquivar uma investigação sobre a existência de conta no exterior, baseado tão somente na palavra de Aécio. O Dr. Janot deve explicações públicas sobre a sua conduta. Mas não é o único caso.
247 – Quais seriam outros exemplos?
DAMOUS – Eu fico impressionado ao lembrar que Fernando Henrique Cardoso chegou a ser dono de uma fazenda de gado, em Buritis, comprada em sociedade com o tesoureiro do PSDB, o Sérgio Motta, arrecadador assumido de suas campanhas. Ninguém achou estranho. Não era sítio com pedalinho. Era fazenda de verdade, que chegou até a ser invadida pelo sem-terra. Depois, a propriedade foi passada para os filhos dele, e ninguém achou que aquilo deveria ser investigado. Fernando Henrique também vive passando férias na avenue Foch, em Paris, num apartamento de milhões de euros, que pertence a um amigo. Não é um apartamento no Guarujá, praia que todo mundo sabe que há muito tempo deixou de ser um local exclusivo. É na avenue Foch, um dos endereços mais caros do mundo.
247 – Havia denúncias de corrupção na Petrobras durante o governo dele…
DAMOUS – O colunista Paulo Francis denunciou diretores com conta na Suíça e ninguém achou que era preciso investigar. Todo mundo conhecida esse caso mas o Fernando Henrique falou sobre esse caso em suas memórias, que acabaram de sair. Também não se achou necessário fazer mais perguntas. Quando o delator (Pedro) Barusco disse que teve contato com a corrupção na Petrobras em 1997, ninguém perguntou como o esquema funcionava naquela época. Ele disse que não era sistemática e assim, a palavra de um delator, um corrupto confesso, foi suficiente para que não se investigasse um pouquinho mais. Entre 1997 e 2002 passaram-se cinco anos, até o fim do governo Fernando Henrique, e ninguém achou que era estranho. Foi tratado como natural.
247 – Que conclusões tirar desse quadro?
DAMOUS – Sinceramente, não acho que haja má fé na conduta dos que atuam na Lava Jato. Por uma razão ideológica qualquer, eles têm certeza de que os investigados são culpados e montam o processo de modo a provar a sua tese, pouco importando os limites que a lei impõe. Assim é o nosso sistema de justiça. O Dr. Sergio Moro integra essa nova categoria criada pela imprensa: a do juiz celebridade. E já que é apontado como o juiz que vai “limpar o Brasil”, ai de quem criticá-lo. Todos os seus atos valem por si próprios, ainda que atentatórios à ordem jurídica. Prender a pessoa errada, como fez com a cunhada do tesoureiro do PT. Vazar, “involuntariamente”, a abertura de inquérito contra o Presidente Lula são pequenos senões incapazes de por em dúvida a sua infalibilidade e o caráter sagrado de sua missão. Se isso destrói a reputação dessa ou daquela pessoa, pouco importa. São efeitos colaterais da guerra santa contra a corrupção.
247 – Como avaliar o papel do ministro Gilmar Mendes, que pode presidir o TSE no momento em que a oposição tentará condenar Dilma a partir de denuncias surgidas na Lava Jato?
DAMOUS – Eu acho o caso dele diferente. Se Gilmar Mendes estivesse numa corte europeia, muito provavelmente ele já teria sofrido impeachment. Ele comporta-se como um líder do PSDB no Judiciário e tem uma postura militante, partidária. É contra o governo, contra o PT, e não esconde isso. Eu estava no Supremo quando o tribunal foi julgar nossa ação contra o ritual do impeachment que tinha sido proposto pelo Eduardo Cunha. Para ilustrar seus argumentos, contrários a nossa proposta, ele poderia ter citado mestres da jurisprudência, brasileiros ou europeus. Mas ele citou o senador José Serra.
247 – Você foi presidente da OAB/RJ. Concorda que estamos assistindo à criminalização da advocacia?
DAMOUS – Num ambiente de cruzada, os advogados são vistos como obstáculos ao processo de “higienização” da vida pública brasileira. Ou seja, se defendem corruptos, ou apenas acusados de corrupção, corruptos também são. Essa história de direito de defesa, presunção de inocência e outras bobagens não passam de instrumentos para livrar bandidos da cadeia. Assim pensam alguns imbecis, formados pelos editoriais e charges da grande imprensa.