por Florência Costa, especial para o Cafezinho
Final de uma manhã nublada, sábado de carnaval. Na esquina da Rua Nestor Pestana com a Consolação, no coração de São Paulo, moradores dos prédios vizinhos, de suas janelas, olham curiosos para baixo. Eles ouvem uma batida inusitada. Os foliões dançam de um jeito muito especial: seus ombros chacoalham, suas mãos e dedos se contorcem em estilo mudra (gestos ritualísticos do Hinduismo e do Budismo).
Não era samba, não era axé, não era lambada, não era funk, não era rock. Indianos — empresários, comerciantes, estudantes, donas de casa e crianças — dançavam, em êxtase, atrás de um carro de som que espalhava contagiantes ritmos. Era o Bloco Bollywood, um dos 355 que a cidade de São Paulo viu passar nas ruas neste Carnaval, o maior de toda a sua história, marcado pela ocupação festiva do espaço público.
A música alternava entre dois estilos: Bhangra (popular nos países com forte presença da diáspora indiana, como Inglaterra, Canadá e Estados Unidos) e Bollywood Masala, as melodias dos filmes musicias produzidos pela maior indústria cinematográfica do mundo. Como o próprio nome diz, masala denota as misturas de estilos musicais dos mais diferentes, da influência árabe à americana.
Os homens, vestidos à caráter, com suas kurtas (túnicas compridas até os joelhos), pijamas (calças de algodão bem leve) e turbantes coloridos, tinham uma energia infindável. Mas as mulheres, de saris ou salwar kameez (conjunto de túnica com calça e uma echarpe), não ficavam atrás. O tempo ía passando, o bloco andando e os indianos eram cada vez mais seguidos por brasileiros e até estrangeiros que caminhavam por perto. Uns imitavam a coreografia dos indianos, outros tentavam capturar as imagens daquela dança incomum com seus celulares.
“Eu amo a cultura indiana porque sou angolana e em meu país a gente cresce vendo filmes de Bollywood”, comentou Evalina Cassule, que foi pega de surpresa pelo carnaval indiano enquanto passeava pelo Centro de São Paulo.
Apesar de os indianos formarem o coração do bloco, centenas de brasileiros, muitos deles vestidos ao estilo indiano, se uniram à festa. As mulheres de bindis (adesivos indianos que enfeita o meio da testa), e os homens, de tilak, uma marquinha vermelha feita no meio dos olhos, também na altura da testa, considerada auspiciosa no Hinduismo.
A música de Bollywood ou o gênero Bhangra não são tão conhecidos aqui no Brasil quanto em outros países com forte presença da diáspora indiana. Mas um sinal de que as coisas estão começando a mudar estava ali bem diante dos olhos dos foliões: uma das figuras que mais se destacou na festa indiana era uma brasileira, Iara Ananda, professora de dança clássica indiana e também do pop Bollywood.
A presença indiana ainda é pequena no Brasil: há cerca de 2 mil indianos em São Paulo, a cidade com maior número deles no país. Mas cada vez mais Índia e Brasil — e suas culturas — se aproximam, com ambos participando do BRICS (Brasil, Rússia, Índia, China e África do Sul).
Este foi o primeiro Carnaval de rua indiano no Brasil. Só poderia ter sido organizado na multicultural São Paulo, onde a gestão do prefeito Fernando Haddad deu todo o apoio aos blocos, com o intuito de democratizar a festa ainda mais.
“Nosso Carnaval tem de tudo! Desfila agora pelas ruas do Centro o Bollywood, o primeiro bloco de rua indiano que se tem notícia nas terras de Piratininga”, comentou em sua página do Facebook o secretário Municipal de Cultura, Nabil Bonduki, no sábado (6).
A maior metrópole da América do Sul — que já foi apelidada de “túmulo do samba” — deu a volta por cima e enterrou esta má fama. A aposta deu certo. Haddad informou que o carnaval de rua deu mais retorno aos cofres municipais do que os desfiles do sambódromo. “A estimativa da SPturis é de que o carnaval de rua deste ano movimentou cerca de RS$ 400 milhões e o carnaval do sambódromo, algo em torno de R$ 250 milhões”, constatou o prefeito.
“Eu nunca imaginei que um dia a gente iria dançar Bhangra ou música de Bollywood no Carnaval brasileiro. A comunidade indiana no Brasil encontrou seu espaço para fazer seu próprio carnaval”, comemorou a indiana Bani Kukreja, há vários anos no Brasil.
Florência Costa é jornalista freelancer, ex-correspondente na Rússia e na Índia e autora do livro “Os Indianos” (Editora Contexto)
***
Vejam as fotos