Análise Diária de Conjuntura – 11/02/2016
Bem vindos de volta à nossa infernal agenda política brasileira! Após alguns dias de folga, voltamos à labuta.
Os conspiradores não tiraram férias. Durante os dias febris do carnaval, que foi um dos mais divertidos, em termos de público e festas, dos últimos anos, a agenda política da imprensa martelou dia e noite notícias sobre o famigerado sítio em Atibaia, frequentado por Lula.
Na verdade, acompanhar a política brasileira se tornou um teste de nervos. É preciso tê-los – os nervos – moldados em aço!
O noticiário repetitivo, enervante, tornou-se novo tipo de tortura psicológica. Todo dia tentando aprofundar a crise. Não se procura oferecer uma mísera luz de esperança para a política, para a economia, ou mesmo para a cultura. Aliás, até mesmo os cadernos de cultura ou projetos de cultura foram enterrados. Eles também são perigosos, porque podem oferecer esperança à população. E a população não pode ter esperança.
A atmosfera precisa se tornar cada vez mais opressiva, mais irrespirável.
O objetivo das conspirações midiático-judiciais permanece o mesmo: promover uma espécie de terrorismo policial, judicial, político. Todo mundo pode ser preso, sem provas, sem razão, sem sentença, apenas por ordem de um juiz já previamente manconumando com a mídia.
No dia 4 de fevereiro, a cidade de Atibaia amanheceu cheia de repórteres da Globo e Estadão. Hoje sabemos porque. O juiz Sergio Moro, ou a PF, vazaram a informação de que Moro aceitara a abertura do inquérito sobre o sítio frequentado por Lula. Há dois dias, o inquérito apareceu nos anais do Judiciário. Moro, constrangido, afirma que a publicação veio por engano…
Sim, o objetivo era manter em segredo da população, mas com vazamentos seletivos à mídia, o que é a estratégia do terrorismo policial implementado pela Lava Jato. Ninguém sabe de nada, então ninguém pode se defender dos ataques midiáticos, que por sua vez são municiados pelos vazamentos.
É impressionante a ira com que os procuradores da Lava Jato e próprio Moro tratam iniciativas da defesa dos réus para exporem as suas versões.
Apenas a acusação pode ter voz, pode ocupar as tribunas da mídia e fazer acusações a tudo e a todos. Um dos procuradores chefes da Lava Jato, Carlos Fernando, ocupou as manchetes dos principais jornais para lançar acusações pesadíssimas contra o governo.
Acusações levianas, políticas, partidárias, na contramão de toda ética exigida a servidores que deveriam respeitar as autoridades mais importantes do país, que não são juízes ou procuradores e sim aquelas eleitas diretamente pelo voto popular!
O noticário de hoje é mais do mesmo. A mesma agenda enervante, golpista, de sempre. Um juiz do Rio mandou prender um executivo já preso em regime domiciliar. Os juízes agora competem entre si pela atenção dos holofotes. Quem será o mais truculento, o mais arbitrário?
Moro, embriagado pelos holofotes, que o fazem se sentir invencível, decidiu que aceitará provas contra a Odebrecht enviadas pela Suíça, mesmo diante da afirmação, por parte do governo suíço, de que o envio foi ilegal.
Para completar o quadro, a ONG Transparência Internacional, conhecido think tank imperialista, e que nunca denunciou a corrupção monstruosa subjacente às guerras imperialistas, em especial a do Iraque, divulga uma votação em que “elege” o escândalo da Petrobrás como o segundo pior do mundo. O Globo dá uma matéria dizendo que a votação teve a participação de 4,5 milhões de pessoas. Acontece que o “escândalo” da Petrobrás teve o voto de apenas 11,9 mil votos…
Daí a matéria fala que a ONG irá pedir aos países onde as empreiteiras envolvidas na Lava Jato atuam para investigar esquemas de corrupção.
Um prato cheio para o objetivo imperialista – sempre com ajuda da mídia brasileira – de enfraquecer as empresas nacionais que ousaram pôr os pés lá fora e tomarem mercados que sempre pertenceram, historicamente, aos Estados Unidos, à Europa e agora à China.
A novidade na conjuntura atual é que a Lava Jato, cuja máscara já não enganava ninguém, decidiu não se esconder mais. É mesmo uma conspiração judicial, midiática e partidária, com um objetivo bem claro: derrubar o governo e inviabilizar politicamente o partido dos trabalhadores.
Afinal, qual o sentido em investigar o sítio de Atibaia? A coisa carece de qualquer bom senso. Lula teria se vendido por um par de pedalinhos num lago? Por uma churrasqueira?
Sobretudo, o que isso tem a ver com a Petrobrás, ou com as obras dessas empreiteiras ligadas à Petrobrás, à Lava Jato?
Não tem nada a ver com a Lava Jato, nada ver com o Paraná, nada ver com nada.
Como acontece sempre quando o arbítrio ganha poder, o absurdo ganha ares de normalidade.
A mídia é decadente, mas usa e abusa de suas últimas balas no cartucho para fechar o cerco à democracia. Não se deixa vazar nenhuma crítica, nenhuma constestação, às conspirações judiciais.
Os próprios advogados de defesa são constantamente criminalizados, o que aliás já se tornou norma.
Claro, boa parte do que acontece se deve aos erros grosseiros do próprio governo. A presidenta Dilma, há muito, lembra um desses monarcas desorientados do século XIX, a era das revoluções.
Ela começou o seu primeiro governo com uma ideia do que seria política e comunicação: aparecer na Globo, no programa da Ana Maria Braga, quebrando omeletes. Depois de tudo que aconteceu, ela inicia seu quinto ano na presidência publicando um artigo na Folha, em conteúdo exclusivo para assinantes do jornal.
Ou seja, como sempre, empoderando seus próprios adversários.
Em verdade, o governo tem três oposições poderosas: uma oposição midiática, uma oposição partidária e uma auto-oposição.
Não se pede que o ministro da Justiça, José Eduardo Cardozo, “interfira” em nenhuma investigação. Pede-se que ele seja ministro, que coiba os excessos notáveis, que reprima as conspirações. E que participe do debate! Que fale sobre esse problema, que já é internacional, da judicialização e criminalização da política!
A presidenta também precisa participar. Ela deu fim ao Café com a Presidenta, há mais de um ano, o único canal de comunicação direta entre o Planalto e a população. Um canal que já estava atrasado, e deveria ter sido, há tempos, avançado para um programa em vídeo. Ao invés disso, foi eliminado.
A presidenta então desistiu de falar à TV no primeiro de maio.
Sumiu da internet e da TV.
Com suas aparições cada vez mais episódicas, ficou fácil para a oposição bolar panelaços, tentando – com êxito – intimidar a presidenta.
Em sua última aparição na TV, Dilma começou dizendo que não iria falar de política. Falou apenas de mosquito, o que não a salvou de alguns panelaços esparsos.
Por que não iria falar de política?
Dilma não foi eleita pela população para exercer, acima de tudo, a liderança política do governo?
Outro dia, num almoço com um renomado cientista político, discutimos sobre os interesses por trás da Lava Jato, os interesses por trás da desconstrução de um projeto tão ousado de renovação da nossa infra-estrutura, essa aposta pesadíssima do capital contra si mesmo, sacrificando alguns de seus próprios membros, com o objetivo de reconquistar o poder absoluto sobre a política.
Sim, essa é a chave. Essa a explicação! O capital quer o poder político. Não se satisfaz com migalhas, com ministérios, não adianta mais ceder-lhe ministério da fazenda, elevar desmedidamente os juros, promover recessão.
É impressionante, por exemplo, como o capital protege os seus. Joaquim Levy, por exemplo. Sob sua gestão, o Brasil enfrentou a pior recessão em muitos anos. Tudo piorou. O endividamento, o orçamento, a inflação, o desemprego, até mesmo o rating das agências internacionais. Mesmo assim, ele sai ovacionado pela mídia, com direito a notinhas diárias nas colunas do Ancelmo Goes, do Globo, assim como as tinha Joaquim Barbosa, em seus dias de fama.
Para reconquistar o poder político absoluto, o capital está disposto a todo o tipo de sacrifício. Dessa vez, suas estratégias são muito mais sofisticadas.
O uso do poder judiciário é uma evolução natural, lógica, de uma truculência que outrora apelou às forças armadas.
Os mais pessimistas, citando Carl Schmitt, dizem que estamos entrando no século do judiciário. O século XIX teria pertencido ao Legislativo, o XX ao Executivo, e agora o poder ficaria sob a mão forte dos juízes, estes zelosos, estáveis e conservadores guardiões das leis.
Coube ao Brasil, por razões geopolíticas várias, e não tão misteriosas, estar à frente desse processo.
O que são os juízes no Brasil senão novos carcereiros?
A Constituição?
A Constituição é apenas um “livrinho”, como bem se expressou Raul Jungmann, deputado federal pelo PPS de Pernambuco, num ato falho.
Um livrinho que interpretamos ao sabor das circunstâncias, suprindo suas brechas com todo o tipo de elocubrações pseudo-cultas, conforme pudemos testemunhar nos julgamentos midiáticos do Supremo Tribunal Federal.
Em última instância, tudo se resolve com alguns editoriais, um punhado de vazamentos, a recriação de uma atmosfera violentíssima de linchamento, a intimidação de juízes, e por aí vai.
De um lado, um governo pusilânime, de outro, uma intelectualidade perplexa, não só intimidada quanto confusa, igualzinho como ficou em 1954 e em 1964.
Nada como um “mar de lama” para intimidar uma intelectualidade que nunca soube ser efetivamente livre, porque nunca respirou a liberdade de expor suas ideias num ambiente midiático diverso, plural e livre.
É incrível a ausência da mídia em nossos romances, filmes e relatos históricos. É como se ela nunca houvesse existido, nunca tivesse exercido um papel protagonista em nossos momentos históricos mais importantes.
E hoje, 2016, nos vemos diante das mesmas conspirações que nos afligem há séculos: setores autoritários do Estado, sob liderança dessa vez não de militares, mas de juízes e procuradores, com auxílio da meganhagem policial, tentam sistematicamente burlar o voto popular e manipular a opinião pública.
Talvez hoje sejam ainda mais crueis que antes. Sem poder apelar para os assassinatos políticos e os golpes militares, apelam para o pior tipo de sofrimento que se pode inflingir ao homem: a humilhação, a destruição da reputação. Essas são as armas que lhes permitem intimidar qualquer juiz. Ironicamente, às vezes os melhores juizes, os mais íntegros, são as primeiras vítimas, porque a reputação lhes é mais cara, mais importante.
Qual a saída?
Qual a solução para a nossa crise?
Os golpistas não páram de brandir frases apocalípticas sobre a necessidade de soluções “rápidas”.
São os nossos Savonarolas, cutucando nossas angústias, açulando nossos ódios, incitando nossos egoísmos, tentando nos vencer pelo medo, pela insegurança, pelo desespero.
Mas, no fundo, são eles os inseguros, os desesperados. Pode-se ver, acima de tudo, que o povo brasileiro, como sempre, dá provas de serenidade e bom senso. Não se curva tão fácil a seus chamados golpistas. É insatisfeito, como deve ser qualquer povo que ainda precisa realizar grandes conquistas, mas sabe o momento de derrotar aqueles que tentam lhe enganar.
A solução para a crise é, portanto, seguirmos o exemplo do povo e mantermos a serenidade. Mas isso não significa – longe disso! – a passividade e a inércia.
Mais que nunca, é preciso organizar a resistência. O avanço das conspirações também significa o seu enfraquecimento, porque elas se debilitam à luz do sol. Estamos nos aproximando talvez de um momento decisivo, em que as conspirações entendem que chegou a hora do bote final. Só que elas também sabem que esse é o seu momento mais vulnerável, mais incerto, porque para dar esse bote, elas precisam sair da escuridão, expor-se.
E aí as pessoas podem ver as conspirações como elas são: um jogo sujo, inescrupuloso, uma manipulação escroque de procedimentos policiais, com auxílio da manipulação das notícias e vazamentos criminosos.
Vemos então que as conspirações midiático-judiciais são tocadas por bandidos, dispostos a destruir milhares de empregos em seu esforço insano para tirar qualquer resquício de poder das mãos do povo e entregá-la aos mandarins do mercado.
É uma luta milenar, repetida incessantemente a cada geração, em cada país, em cada região, em cada cidade. Todas as guerras do mundo nasceram dessa luta, mas em especial as grandes guerras sociais, sempre as mais violentas, as mais importantes, as guerras que mais dão grandeza às nações. Uma grandeza que nasce, invariavelmente, da vitória do povo contra seus opressores.
Em algum momento, as conspirações, que ganham sua força de sua obscuridade, terão que vir à luz para lutar frente à frente com seus adversários, e aí veremos a sua carantonha horrível, incapaz de instilar confiança.
O Brasil está insatisfeito porque quer um governo melhor, mais progressista, mais moderno. Pretender derrubar Dilma para instaurar uma proto-ditadura tucana neoliberal é uma insanidade tão grande – pelos riscos sociais e políticos que implicam – que Dilma se fortalece sempre que este risco se torna mais palpável.
O golpismo sabe que a sua última bala no cartucho é criar uma atmosfera de crise irrespirável, promover ondas de ódio tão incontroláveis, e intimidar o TSE, para promover o golpe hondurenho, judicial, ainda mais vergonhoso que o golpe parlamentar, paraguaio.
Por isso eles batem no martelo das soluções “rápidas”. Eles não poderão sustentar as conspirações por muito mais tempo. O terrorismo já cansou. A tiragem impressa e digital dos principais jornais caiu brutalmente em 2015. As pessoas estão de saco cheio desse golpismo sem limites da mídia.
Política é uma caixinha de surpresas. Quando menos se esperar, a maré vira. Por conta dessa ansiedade exagerada e desta impaciente falta de escrúpulos, a direita brasileira pode perder o momentum conservador, que permitiu a vitória eleitoral na Argentina e na Venezuela.
Os ventos socialistas que chegam do Norte, com a ascensão de Bernie Sanders nas prévias do partido democrata, já começam a mudar a direção das hélices de alguns moinhos por aqui…