No Brasil 247.
“PF quer virar polícia política”, diz jurista
5 de Fevereiro de 2016
Em entrevista ao 247, o professor Luiz Moreira diz que ao investigar Luiz Inácio Lula da Silva a Polícia Federal procura assumir tarefas típicas de uma polícia política, função incompatível com uma democracia constitucional. “O presidente Lula é usado como antagonista, pois assim a PF procura demonstrar à população que ela tudo pode. Nas democracias, a chefia da Polícia é exercida pela sociedade civil, através de governantes eleitos e seus representantes,” afirma o professor, que foi integrante do Conselho Nacional do Ministério Público, entre 2010 e 2015.
247 – Como entender a atuação da Polícia Federal contra Lula?
LUIZ MOREIRA — A Polícia Federal está disputando a opinião pública para estabelecer-se como polícia política. Pretende conquistar uma hegemonia incompatível com uma democracia constitucional.Não por acaso assume, como método de atuação, uma performance cada vez mais teatral, que atribui títulos midiáticos a sua atuação e que opera como se estivesse em guerra com os cidadãos brasileiros. É claro o propósito de constituir ambiente de terror. Esse terror reforça o poder da Polícia Federal frente às demais instituições, que, por medo de represálias, tendem a ceder aos seus caprichos. Essa a finalidade dos vazamentos.
247 — Mas por que transformar o presidente Lula em alvo?
LUIZ MOREIRA — Nessa cruzada por hegemonia política, é preciso escolher um antagonista ideal, que ao mesmo tempo tenha prestígio social e político e que seja amplamente conhecido. Nesse sentido, o Presidente Lula é usado como antagonista, pois, assim, a Polícia Federal procura demonstrar à população que ela tudo pode. Se até Lula é arbitrariamente investigado, ninguém estaria a salvo.
247 — É possível sustentar essa hipótese com fatos?
LUIZ MOREIRA — Em pelo menos duas ocasiões essa hipótese se confirma. No título da “operação Triplo X” e na comunicação de delegado da PF à Justiça Federal, revelando ser Lula investigado. Semanas antes, Lula foi interrogado como informante. Agora, passou a ser investigado, sem que tenham sido apontados fatos novos. O que mais surpreende nessa cruzada é a falta de meios para acabar com o arbítrio. Se nem Lula consegue ver efetivados o devido processo legal e as demais garantias constitucionais, o que ocorrerá com os demais cidadãos?
247 — Não existem regras para o controle da PF?
LUIZ MOREIRA — Nas democracias constitucionais, as polícias são submetidas a um controle rigoroso. No Brasil, foi justamente para se evitar que a Polícia Federal se transformasse em polícia política é que foram desenhados dois tipos de controle à sua atuação. O primeiro é político; o segundo, operacional.
247 — Como isso deveria funcionar?
LUIZ MOREIRA — Operacionalmente, a Polícia Federal é submetida, como polícia judiciária, à instrução processual e ao controle de outra instituição, o Ministério Público Federal, que exerce o controle externo de suas atividades.Já o controle político é exercido pela Presidência da República, mediante atuação de seu Ministro da Justiça. Assim, há uma subordinação hierárquica da Polícia Federal ao Poder Executivo. E o que significa essa subordinação hierárquica? Significa que a Policia Federal não comanda a si mesma; que suas diretrizes orçamentárias e que a organização de seus serviços subordinam-se ao governante eleito.
247 — O que isso significa?
LUIZ MOREIRA — Isso quer dizer que a Polícia Federal é um serviço e que sua atuação é controlada pela sociedade civil, mediante seu representante na Presidência da República. Nesse sentido, uma instituição a qual se confia o poder de investigar cidadãos, de portar armas de alto poder de destruição e de manipular dados e informações de pessoas precisa se submeter ao poder político. Por essa razão, nas democracias constitucionais, a chefia das polícias é exercida pela sociedade civil, por intermédio dos Governantes eleitos, para garantir que não produzirão sua própria agenda, nem que gozarão de autonomia ante o regime democrático.
247 — Por que esses controles não funcionam?
LUIZ MOREIRA — A Corregedoria da Policia Federal não funciona, porque a lógica corporativa submeteu sua atuação. Assim, denúncias de faltas funcionais e de vazamentos não sejam apurados. A lógica de proteção aos iguais prospera, inibindo condutas que não sejam vistas como aptas a proteger o grupo. Desse modo, qualquer tentativa interna de estabelecer restrições aos desvios funcionais é vista como ato de traição à instituição e quem os executa é tido como inimigo da corporação. Para haver controle, é indispensável que as funções de corregedoria sejam desempenhadas por órgão externo, composto por servidores alheios à polícia federal, a fim de criar parâmetros republicanos para sua atuação.
247 — Como se poderia evitar isso?
LUIZ MOREIRA — Para restringir a transformação da Polícia Federal em polícia política, uma boa saída seria transformar suas funções. Atualmente, há um equívoco em sua carreira. Há pelos menos três carreiras paralelas na PF (a de agente, a científica e a judiciária) e que se encontram em permanente disputa.
Os Agentes da Polícia Federal poderiam ser incorporados como membros permanentes da Força Nacional de Segurança; os que se dedicam à perícia forense constituiriam uma Polícia Científica e os Delegados, uma Polícia Judiciária.A atual especificidade funcional daria forma a três instituições, cada uma com sua especialização. Essa é uma conhecida fórmula utilizada nas modernas democracias constitucionais, com a qual os serviços estatais controlam uns aos outros, no que se convencionou chamar de freios e contrapesos.