Para entender porque nós vemos tão poucas alternativas genuínas para os gigantes de tecnologia americanos, é instrutivo comparar o destino de uma companhia como o Uber – avaliada em mais de 65 bilhões de dólares – com a do Kutsuplus, uma inovadora startup finlandesa que se viu forçada a fechar no último ano.
A aspiração do Kutsuplus era ser o Uber do transporte público: ele operava uma rede de mini-ônibus que iriam pegar e deixar passageiros em qualquer lugar em Hesinki. Previa o uso de smartphones, algoritmos e sistemas em nuvem desenvolvidos para maximizar eficiência, cortar custos e prover um engenhoso serviço público. Gerado a partir de um projeto de uma Universidade local que operava em um orçamento limitado, Kutsuplus não tinha ricos investidores capitalistas por trás dele. Isso, talvez, é o que tenha contribuído para o seu fim: a autoridade de transporte local o achou muito caro, apesar do impressionante crescimento anual de 60%.
Por outro lado, “caro” é tudo que o Uber não é. Enquanto você talvez esteja tentado atribuir os baixos custos do serviço à sua engenhosidade e escala global – será ele o Walmart do transporte? – sua disponibilidade tem uma proveniência muito mais banal: sentado em toneladas de dinheiro de investidores, o Uber pode se dispor a queimar bilhões com o objetivo de nocautear investidores, sejam eles velhas empresas de taxi ou startups como Kutsuplus.
Um artigo recente no “The Information”, um site de notícias de tecnologia, sugere que durante os três primeiros trimestres de 2015 o Uber perdeu USD 1,7 bilhões enquanto ganhava USD 1.2 bilhões em receitas. A empresa tem tanto dinheiro que, em pelo menos algumas locações norte-americanas, ele vem oferecendo corridas a taxas tão baixas que eles não poderiam nem mesmo cobrir o custo combinado do combustível e a depreciação do veículo.
O jogo do Uber é simples: ele quer fazer com que as taxas fiquem tão baixas de modo a aumentar a demanda – ao atrair algum dos clientes que de outra forma teriam usado o seu próprio carro ou o transporte público. E para fazer isso, ele está disposto a queimar muito dinheiro, enquanto rapidamente se expande em industrias adjacentes, de comida à entrega de pacotes.
Uma questão óbvia mas raramente perguntada é: o Uber está queimando o dinheiro de quem? Com investidores como Google, Amazon de Jeff Bezos e Goldman Sachs por trás dele, Uber é um perfeito exemplo de uma empresa cuja expansão global foi facilitada pela inabilidade de governos em taxar os lucros feitos pelas gigantescas Instituições Financeiras e Empresas de alta tecnologia.
Colocando de forma grosseira: o motivo pelo qual o Uber tem tanto dinheiro é, bem, porque governos não tem mais. Ao invés disso, o dinheiro está estacionado em contas situadas no exterior do Vale do Silício e Empresas de Wall Street. Olhe para a Apple, que recentemente anunciou ter reservas de 200 bilhões em dinheiro potencialmente taxável no exterior, ou o Facebook, que recentemente anunciou lucros recordes de 3,69 bilhões de dólares em 2015.
Algumas dessas empresas escolheram compartilhar sua generosidade com governos – tanto Apple e Google concordaram em pagar alíquotas de impostos bem menores do que eles deveriam, na Itália e no Reino Unido respectivamente – mas tais movimentos tem mais como objetivo legitimar os questionáveis arranjos de impostos que eles estiveram utilizando do que em tentar faze-los pagar a alíquota correta.
Compare isso com o péssimo estado das coisas na qual a maioria dos governos e administradores de cidades se encontra hoje. Famintos por receitas de imposto, ele frequentemente fazem as coisas ficarem piores ao se comprometerem com o pior da política de austeridade, encolhendo orçamentos dedicados à infraestrutura, inovação ou criando alternativas para o voraz “capitalismo de plataformas” de Silicon Valley.
Sob essas condições, não é nenhuma surpresa que serviços promissores como Kutsuplus tiveram que fechar: desligado do aparentemente infinito suprimento de dinheiro da Google e Goldman Sachs, o Uber teria ido à falência também. Não é, talvez, nenhuma coincidência que a Finlândia seja um dos mais religiosos defensores da austeridade na Europa: ao deixar a Nokia falir, o país talvez tenha perdido outra chance.
Não sejamos ingênuos: Wall Street e o Vale do Silício não irão subsidiar o transporte para sempre. Enquanto a perspectiva de usar publicidade para reduzir os custos de uma viagem do Uber ainda é remota, a única maneira dessas firmas refazerem seus investimentos é espremendo ainda mais dinheiro e a produtividade dos motoristas do Uber ou eventualmente – uma vez que todos os seus competidores estejam fora do mercado – aumentando os custos da viagem.
Ambas essas opções soam como um problema. O Uber já está tomando porcentagens cada vez mais altas das tarifas de seus motoristas (esse número recentemente foi visto subindo de 20% para 30%), enquanto também tentam passar mais custos relacionados diretamente a checagens de histórico e educação sobre segurança diretamente aos seus motoristas (através das chamadas taxas de direção segura).
A única escolha aqui está entre mais precariedade para motoristas e mais precariedade para passageiros, que terão que aceitar taxas mais altas, com ou sem práticas controversas como aumento de preços (preços vão pra cima quando a demanda está alta).
Além do mais, a empresa está ativamente tentando solidificar seu status como uma plataforma padrão para transporte. Durante os recentes conflitos na França – onde motoristas de táxi estiveram protestando para fazer com que o governo percebam as suas demandas – Uber se ofereceu a abrir suas plataformas para qualquer motorista de táxi profissional que quisesse um segundo emprego.
Desnecessário dizer, tais plataformas – incluindo pagamentos, reputações e sistemas de precificação apropriadamente administrados e transparentes – deveriam ter sido estabelecidos pelas cidades há muito tempo atrás. Isso, juntamente com o encorajamento e apoio de startups como Kutsuplus, teriam sido a resposta regulatória correta ao Uber.
Infelizmente, existe muito pouca política de inovação nesse espaço e a principal resposta do Uber até agora veio de outras empresas muito parecidas com o Uber e infelizes com a sua dominância. Portanto, o Ola da Índia, o Didi Kuaidi da China, o Lyft dos Estados Unidos e o GrabTaxi da Malásia formaram uma aliança, permitindo que clientes possam agendar táxis das empresas uns dos outros nos países onde eles operam. Isso é o mais próximo de criar um sistema de apoio viável onde inovadores como Kutsuplus podem florescer. Substituir o Uber pelo Lyft não irá resolver o problema, já que os dois possuem o mesmo modelo agressivo.
A lição mais ampla aqui é que a política de tecnologia de um país está diretamente dependente de sua política econômica. Um não pode florescer sem o apoio ativo do outro. Década de uma atitude negligente com tributação combinada com uma aderência estrita à agenda da austeridade comeram os recursos públicos disponíveis para experimentar com diferentes modelos de prover serviços de transporte.
Isso permitiu empresas enxugadoras de impostos e capitalistas de risco – que enxergam a vida no dia a dia como um terreno ideal para brincar de empreendedorismo predatório – como as únicas fontes viáveis de apoio para tais projetos. Não surpreendentemente, tantas delas começam como Kutsuplus apenas para terminar como o Uber: tais são as restrições estruturais de trabalhar com investidores que esperam exorbitantes retornos de seus investimentos. Encontrar e fundar projetos que não teriam tais limitações não deveria ser em si tão duto. O que será difícil, especialmente dado o atual clima econômico é encontrar o dinheiro para investir neles.
Taxação parece ser a única maneira de avançar – aliás, muitos governos não tem a coragem de pedir o que é devido a eles. O acordo entre o Google e o Tesouro do Reino Unido é um exemplo.
As opiniões deste artigo não refletem necessariamente a opinião do Partido Pirata. Link original aqui.