Erros nas prévias americanas desmascaram pesquisas – no Brasil

[s2If !current_user_can(access_s2member_level1) OR current_user_can(access_s2member_level1)]Análise Diária de Conjuntura – 03/02/2016

As prévias eleitorais nos Estados Unidos estão animadas.

Do lado do partido democrata, a presença de Bernie Sanders, autointitulado socialista, tem entusiasmado a juventude norte-americana. Aliás, não só a juventude.

Mais que isso: Bernie está à frente de Hillary Clinton, nas pesquisas, em vários estados.

Na eleição em Iowa, realizada no último fim de semana, Bernie empatou com Hillary. Em Iowa, porém, o processo é mais indireto, menos influente nas eleições nacionais.

No próximo dia 9 de fevereiro, acontece em New Hampshire o que os americanos chamam de primeira prévia de verdade. Bernie desponta, nas pesquisas, com 29 pontos à frente de Hillary, segundo alguns institutos de pesquisa.

Eu quero usar as eleições nos Estados Unidos para fazer algumas observações sobre a política brasileira, em especial sobre o problema das pesquisas de aprovação, usadas hoje como um dos principais instrumentos da mídia para atacar ou cooptar os governos.

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A tradicional revista política Commentary Magazine publicou ontem um artigo com o seguinte título: “Pesquisas: não iremos aprender nunca?”

O texto começa mencionando a realização das prévias dos partidos Republicano e Democrata, em Iowa, para comentar mais uma série de fracassos dos institutos de pesquisa eleitoral norte-americanos.

Os institutos previam uma folgada vitória de Donald Trump: ele perdeu.

Marco Rubio, um dos adversários de Trump no partido republicano, obteve seis pontos acima do que as pesquisas apontavam. Ted Cruz, quatro pontos acima das pesquisas. E Trump, mais de quatro pontos abaixo das pesquisas.

No partido democrata, os erros não foram menores. Bernie Sanders obteve seis pontos a mais do que apontavam as pesquisas.

Importante salientar que os erros não se dão em apenas uma pesquisa. Em geral, os erros pegam todas. Curiosamente, todas costumam errar de maneira mais ou menos homogênea.

O artigo da Commentary lembra que, nas eleições para o senado em 2014 ocorreram erros “épicos”. Os institutos americanos, que também operam nas eleições da Grã Bretanha e Israel, cometeram erros igualmente grandes nestes países.

O leitor, a esta altura, já deve ter intuído aonde eu quero chegar.

No Brasil, não temos, nem de longe, a quantidade de pesquisas que há nos Estados Unidos.

Não se pode esquecer, além disso, que os EUA são a democracia mais longeva e estável do mundo, de maneira que o mercado político do país já aprendeu, há tempos, a detectar pesquisas fajutas.

Nos EUA não há, como no Brasil, um virtual monopólio do mercado de pesquisas, dominado aqui por basicamente duas empresas: Datafolha e Ibope.

Mesmo assim, os americanos não estão mais conseguindo detectar com precisão as tendências do eleitorado. Por isso, tantos erros, tanta disparidade entre as pesquisas e os resultados.

E no Brasil?

Em 2014, os erros das pesquisas eleitorais no Brasil foram bizarros, em especial nas eleições estaduais.

Como nos EUA, não eram erros ocasionais de apenas um instituto. Todos erraram.

Daí eu pensei o seguinte: como é possível, diante de um cenário de tanta insegurança na apuração de intenções de voto, que dois institutos, Ibope e Datafolha, tenham a pretensão de apresentar números sobre a aprovação do governo federal como se estivéssemos diante de oráculos infalíveis?

Em se tratando de pesquisas sobre aprovação, as distorções podem ser ainda maiores, porque entram em cena fatores bem mais subjetivos do que simplesmente a intenção de votar neste ou naquele candidato.

Eu posso gostar de Dilma, ter votado nela, mas achar seu governo ruim ou péssimo. Ou posso dizer que não confio nela porque estou de mau humor.

Para piorar, as mesmas mídias que trabalham diuturnamente para detonar a imagem do governo, são as mesmas que patrocinam os institutos de pesquisa: a Folha é dona do Datafolha, a Globo é praticamente dona do Ibope.

No artigo da Commentary, o autor lamenta o fato de Donald Trump ter usado sua liderança nas pesquisas (não confirmada pelos resultados) para hipnotizar a mídia e se manter sempre sob os holofotes.

Aqui temos testemunhado um processo bem mais sinistro. A mídia passa várias semanas bombardeando o governo com denúncias e noticiário negativo, e depois faz uma pesquisa para sondar sua aprovação. Os resultados negativos da aprovação são usados, então, como espécie de complemento ao bombardeio.

Ao contrário dos EUA, onde vários comentaristas políticos conhecidos, como vemos no caso do artigo da Commentary, denunciam constantemente o problema das pesquisas de aprovação.

Aqui, não. Como as pesquisas são monopolizadas por apenas dois meios de comunicação e como esses dois meios (Folha e Globo) lideram um fechadíssimo cartel no setor, os únicos comentaristas políticos que ousam discordar desse discurso único, são blogueiros marginalizados pelo próprio status quo.

Os tais 7%, ou 9%, ou 12% de aprovação de Dilma é usado, então, pelas forças de oposição para justificar o impeachment.

Ocorre que um impeachment não pode ser provocado por baixa popularidade, nem há nenhuma certeza de que os números de aprovação são corretos. Dilma pode ter 14% ao invés de 9%, e o percentual dos que consideram seu governo ruim ou péssimo pode ser vários percentuais menor do que o apresentado pela pesquisa.

Ou então os números podem até estar certos, mas o seu recorte temporal não nos permite uma visão objetiva da conjuntura. Quer dizer: Dilma pode ter 10% de aprovação hoje, mas 15% de aprovação daqui a três dias, cair a 9% na semana seguinte, e subir para 17% em menos de um mês.

O fato é: a derrocada dos institutos de pesquisa nos EUA decorre de uma mudança profunda no comportamento político do homem contemporâneo, em virtude do acesso a um conjunto mais diverso de informação.

Sua opinião política tornou-se mais volátil, mais fugidia.

Essa é mais uma razão para que a sociedade amplie sua confiança no voto. O desprestígio das pesquisas amplia o prestígio do sufrágio universal, mormente num país onde o voto é obrigatório e os candidatos a presidente registram, portanto, um percentual bem mais elevado sobre a população total do que nos EUA.

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Miguel do Rosário: Miguel do Rosário é jornalista e editor do blog O Cafezinho. Nasceu em 1975, no Rio de Janeiro, onde vive e trabalha até hoje.
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