Quem ganha com a destruição política de Lula? Por Renato Rovai

por Renato Rovai, na Revista Fórum

Não é incomum políticos viverem dramas pessoais nas suas trajetórias mesmo quando optam pelo caminho do meio. Ulisses Guimarães, por exemplo, foi o principal nome do PMDB no período da ditadura. E era nome certo pra disputar e ganhar a eleição presidencial se a emenda Dante de Oliveira fosse aprovada no Congresso.

Nas eleições indiretas, porém, Tancredo se impôs por seu perfil mais conservador e Ulisses teve de esperar até 1989 para ser candidato. Fez 4,75% dos votos válidos.

Em outubro de 1992, o avião de Ulisses  caiu no mar e seu corpo nunca mais foi encontrado. Mas seu sumiço político já havia acontecido antes, naquele final de 1989, quando ficou em sexto lugar tendo tido menos votos até que Guilherme Afif Domingues.

Ulisses de alguma forma foi vítima de seu espírito conciliador e de sua fidelidade ao projeto político que conduzia. Abriu mão de sua candidatura para Tancredo, quando poderia ter imposto seu nome e buscado derrotar Paulo Maluf no Colégio Eleitoral. E com a morte de Tancredo, bancou a sucessão com Sarney, quando havia quem defendesse que ele substituísse o presidente que não havia tomado posse.

Com Lula a história é outra, mas também tem relação com o seu espírito conciliador e fidelidade ao projeto. Lula é um sindicalista em atividade política. A principal qualidade e o principal defeito dos sindicalistas é que eles sempre buscam acordos.

O Brasil poderia ter se tornado um país muito mais violento do ponto de vista político se a liderança de Lula não tivesse se consolidado nos setores mais populares e de esquerda. Lula foi quem deu esperança a esses segmentos de que as coisas poderiam mudar no voto e que o país poderia se tornar mais justo com a eleição de pessoas comprometidas com um programa de reformas.

Lula disputou quatro eleições para ganhar a presidência da República e, ao vencer fazendo acordos, manteve não só muitos deles como fez uma série de outros.

De alguma forma, eles permitiram que realizasse dois governos muito bem avaliados e ao mesmo tempo que deixasse de fazer uma série de coisas que poderiam mudar estruturalmente o país.

Mas Lula ainda poderia ter feito como Fernando Henrique e mudado as regras do jogo no meio do seu mandato, aprovando uma emenda que permitisse reeleições indefinidas.

Provavelmente ainda hoje seria presidente da República.

Mas seu espírito conciliador o levou de forma correta a não jogar fogo no país comprando uma briga desnecessária.

Depois das grandes manifestações de 2013, poderia ter dito a Dilma que era a hora de voltar. E seria ungido não só pelo PT como candidato, como teria amplo apoio na sociedade. Não foram poucos os empresários a ir ao seu Instituto lhe pedirem para aceitar o desafio.

Mas Lula não queria problemas com Dilma. E achava que ela tinha o direito de disputar a reeleição. Aos mais íntimos dizia que só havia uma chance de disputar em 2014, se Dilma lhe pedisse.

Ou seja, por fidelidade, manteve-se fora da última disputa presidencial.

Neste período em que atuou como figura pública, ou seja, desde o final dos anos 70 até agora, Lula fez muita coisa errada. Mas em geral errou mais por conciliar do que por botar fogo no país, como alguns sugerem.

Errou mais por fidelidade do que por traição.

Manteve, por exemplo, apoio à família Sarney  no Maranhão contra projetos muito melhores e com as quais tinha mais identidade. Por fidelidade ao ex-presidente que não jogou contra seu mandato no meio da crise do mensalão.

O fato é que sem Lula e sua liderança o Brasil poderia estar vivendo hoje um momento mais Haíti do que Espanha ou Portugal, por exemplo. A democracia brasileira tem problemas, mas avançou muito neste período democrático. E isso também tem muito a ver com a forma como Lula se comportou.

Isso não significa que Lula não deve ser investigado e até ser condenado se praticou crimes. Mas execrá-lo e persegui-lo não é um bom caminho.

O maior jornal diário do país buscar provar, às custas da nota fiscal de um barquinho de 4 mil reais, que o o ex-presidente é dono de uma fazenda e  o governador do maior estado do país tratá-lo por conta disso como líder de quadrilha, quando seu governo é investigado por graves desvios em setores fundamentais como o do metrô e da merenda escolar, é jogar álcool no incêndio.

Se Lula for condenado porque cometeu crimes claramente comprovados, o país viverá um momento duro, mas dará a volta por cima. E surgirão novas lideranças para defender e dar  sentido aos ideias que o líder petista representou por muitos anos.

Se Lula for preso com base em conjecturas ou a partir de uma narrativa que reúne um barquinho de lata sem motor, suposições a partir do depoimento de um zelador e mais uma montanha de matérias de jornais que estão sendo questionadas judicialmente, o risco é imenso (sobre isso, confira a resposta do Instituto Lula divulgada na noite de ontem).

Isso poderá significar pra muita gente que não há como conversar com certos setores e que só existe um caminho para enfrentá-los, o da violência.

E isso não apenas para os que hoje estão com Lula.

Mas para outros que estão forjando suas lutas e que verão que mesmo um líder que sempre conversou com todos os setores e buscou a conciliação se deu mal.

E esses terão essa lição como guia para radicalizar seus discursos e suas ações.

Destruir Lula pode até satisfazer a sanha por sangue de alguns, mas pode alimentar o desejo por sangue de outros.

Ninguém ganha nada com isso.

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