por Isabela Palhares, na Carta Maior
Em protesto contra a militarização das escolas estaduais de Goiás e a implementação de Organizações Sociais (OSs) no setor, estudantes da rede pública de ensino ocupam, desde o dia 9 de dezembro, cerca de vinte escolas no estado governado por Marconi Perillo (PSDB). Desde novembro do ano passado, o tucano vem anunciando a militarização de mais 20 escolas no estado e a implementação das OSs em 200 escolas públicas.
Goiás conta, hoje, com o maior índice de escolas militarizadas no país: um total de 26, seguido por Minas Gerais com 22, e pela Bahia com 13, de acordo com dados da Secretaria Estadual de Educação. Sob o lema de “acabar com a violência no ambiente escolar”, as secretarias de Educação e Segurança atuam em parceria, promovendo um constante processo de militarização do ensino no estado. Aos militares cabe a administração das escolas e à Secretaria de Educação a coordenação da parte pedagógica.
Na prática, porém, os militares têm permissão para modificar a grade escolar. Resultado: seguindo os princípios de “hierarquia e disciplina”, os alunos devem cumprir as regras da cartilha e ter a aparência “padrão militar”. Além disso, para se manterem na escola, os estudantes são obrigados a pagar matrícula, mensalidade e até mesmo a comprar uniformes.
Críticos ao sistema de educação militar denunciam que o problema da violência não se resolve com medo e repressão. Segundo eles, a necessidade de agentes externos para resolver uma questão de educação apenas ratifica a deficiência do sistema educacional em Goiás.
“Militares devem cuidar da segurança. Educação é outra coisa”
Há cinco dias, em protesto, os secundaristas também ocuparam a Secretaria de Educação, Cultura e Esporte (SEDUCE) de Goiás (leiam o manifesto da ocupação). “Diante das tentativas frustradas de dialogar com o governador e com a secretária de educação [Raquel Teixeira], nós ocupamos a SEDUCE”, conta Criz Abreu, militante do movimento estudantil e do grupo de articulação.
“O objetivo da ocupação é barrar as OSs e trazer o governador para dialogar com quem de fato será prejudicado com a privatização do ensino. Somos totalmente contra a privatização e a militarização do ensino público de Goiás. Os militares devem cuidar da segurança. Educação é outra coisa”, afirma a militante. A Secretaria de Educação segue ocupada e sem qualquer diálogo entre a secretária Raquel Teixeira e os estudantes.
Alunas e alunos da rede estadual de ensino ocupam, desde o dia 9 de dezembro, 27 escolas estaduais, espalhadas pelas cidades de Anápolis, Cidade de Goiás, Goiânia e São Luís de Montes Belos, a 120 km da capital. Oito escolas, porém, já sofreram processo de reintegração e foram desocupadas, por conta da constante pressão da Secretaria Estadual de Educação, com apoio da Associação de Pais, para colocar pais, professores e comunidade contra o movimento.
Ausência de transparência e diálogo
Em outras escolas, porém, os jovens conseguiram barrar o processo de militarização do governo tucano. É o caso do colégio estadual Costa e Silva, em São Luís de Montes Belos. Frente aos protestos dos alunos contra a militarização e ao fato de que mil alunos da escola teriam suas vagas ameaçadas por causa do alto preço cobrado pela escola militarizada, a Prefeitura do município se recusou a ceder o local ocupado para a Secretária de Educação, oferecendo um outro prédio.
A escola José Carlos de Almeida, uma das mais antigas de Goiânia, também está ocupada. Como explica Mariana Dias*, de 17 anos, ex-aluna da escola e estudante do Liceu de Goiânia, também ocupado, “o processo de licitação do edital (confira o chamamento e a lei) para a escolha das Organizações Sociais ia começar no dia 11 de dezembro. Por isso ocupamos a escola estadual José Carlos de Almeida, a segunda escola mais antiga da capital, no dia 9 [de dezembro]”.
“A Secretaria de Educação disse que a implementação aconteceria em 300 escolas, mas essa lista não foi divulgada. Tudo aconteceu sem nenhum diálogo com o poder público e sem a menor transparência. Por causa das ocupações, a Secretaria adiou a licitação par ao dia 5 de fevereiro”, complementa Mariana*.
Privatização da Educação em Goiás
As Organizações Sociais (OSs) fazem parte de uma política neoliberal para privatizar o serviço público na área da Educação. Na prática, elas fortalecem o setor privado e flexibilizam a contratação de servidores. Quem liderar uma OS – alguém indicado por um político, por exemplo – pode contratar funcionários de seu interesse. Além disso, a grade curricular e a gestão da escola, que é patrimônio público, passam para as mãos do setor privado e de seus algozes.
Aquilo que o governo tucano, em Goiás, chama de “gestão compartilhada” não passa de uma política neoliberal, pois transfere a responsabilidade do estado com a Educação para a iniciativa privada que tem fins lucrativos, fazendo com que o setor seja um instrumento de geração de lucros e não um investimento social.
“Nós questionamos a série de medidas que o governo vem implementando. Não existe um modelo de OS que possa ser usado com exemplo nacional. Apenas as empresas que são parceiras do governo são as que conseguem a qualificação pelo chamamento. É um modelo que não tem transparência. Um dos principais problemas da OS é que ela retira a escola do domínio público”, denuncia João Coelho, membro da Associação de Mobilização dos Professores de Goiás e professor de Filosofia da escola estadual Murilo Braga, também ocupada pelos estudantes em Goiânia.
Escalada da repressão
Com 19 escolas atualmente ocupadas, secundaristas e professores garantem: não vão deixar as ocupações, mesmo com a repressão. Eles reafirmam, por meio de relatos, qual é a posição do governo frente à questão educacional do estado. Mariana Dias*, que mora próximo à escola estadual Robinho de Azevedo, na periferia de Goiânia, por exemplo, disse já ter visto policiais militares à paisana entrarem na escola.
“Já sofri ameaças da Polícia Militar (PM) e já vi a ROTAM (Rondas Ostensivas Táticas Metropolitanas) presente em algumas escolas. Desde dezembro acontece repressão. Na escola estadual Cecília Meirelles, em Aparecida de Goiânia, por exemplo, a PM reprime abusivamente os alunos desde o primeiro dia de ocupação”, denuncia Mariana*.
A professora de história do Centro de Ensino e Pesquisa Aplicada da Universidade Federal de Goiás (UFG), Aline do Carmo presenciou os ataques da PM a mando do governador tucano. “Eu estava com um professor da UFG, uma professora do estado, uma técnica administrativa da UFG e com um advogado, levando 15 alunos da escola estadual Ismael Silva de Jesus de Goiânia para o Ministério Público, para denunciar os abusos da PM. No meio do caminho, três carros com policiais armados à paisana nos pararam em uma abordagem ilegal para nos levar à delegacia. Os alunos estavam sendo acusados de depredação de escolas, sendo que os verdadeiros culpados eram os policiais”, relata.
A escola estadual referida pela professora foi palco da violência policial. No último dia 25, às 5 horas da manhã, jovens de 13 a 17 anos foram acordados aos chutes, xingamentos e cadeiradas por nove policiais militares. Segundo relatos de um vídeo postado no Facebook, por alunos da escola, os policiais atropelaram dois alunos, pularam o muro sem mandato de reintegração de posse e ordenaram que todos saíssem do colégio, dando tapas, cadeiradas e chutes até em crianças.
Em sua página, “Secundaristas em luta – GO”, o Comitê de Secundaristas de Goiás afirma que esse vídeo “é a imagem do ´diálogo´ da secretária estadual de Educação, Raquel Teixeira; do governador Marconi Perillo; do diretor da escola, Elienay; e do subsecretário de Educação, Marcelo. [A escola foi desocupada ilegalmente] por policiais militares a mando da Secretaria de Educação”.
Criminalização do movimento
A imprensa partidária de Goiás – como a TV Anhanguera, filiada da Rede Globo – comprada pelo governador tucano Marconi Perillo, não tem interesse em denunciar os abusos cometidos pela polícia a mando do governador.
Segundo a professora Aline, presente na ocupação da escola Ismael Silva de Jesus, no dia da repressão, a imprensa não entrevistou os estudantes, coletando informações somente dos policiais e de pais contrários ao movimento, em grande parte, devido às ameaças da Secretaria de Educação em não realizar as matrículas dos alunos.
O jornal Diário da Manhã – mais conhecido como “Diário do Marconi”, segundo a professora Aline – publicou no início das ocupações uma reportagem criminalizando e divulgando a foto de nove apoiadores do movimento. O jornal afirmava que eram fotos dos líderes do movimento e que eles usavam táticas de guerrilha do Chile. Uma das fotos divulgadas no jornal foi do professor de História da UFG, Rafael Saddi, de 36 anos.
“No momento estou processando o Jornal para garantir o meu direito de resposta. Publicaram que eu e outros apoiadores estávamos incitando os alunos a invadirem escolas e que o movimento era vinculado a organizações e partidos políticos, até de outro estado. Não pertenço a nenhuma organização política. Apoio a luta desses estudantes por uma educação pública e de qualidade”, afirma Saddi.
No dia 15 de janeiro, os estudantes chegaram a protestar em frente à redação do jornal contra o tipo de cobertura tendenciosa que está sendo promovida.
O Diário da Manhã (Unigraf) foi o maior financiador da campanha do governador Marconi Perillo para a reeleição em 2002. Foram doados pelo jornal R$ 310 mil à campanha do tucano, segundo dados do blog Jornal X, do jornalista Eduardo Horário.
*o nome da estudante é fictício