Por Francisco Celso Calmon*
“Um Poder Judiciário forte e independente.”
Pelo menos desde 2011 ouço e leio essa assertiva.
Na maioria das posses de presidentes dos Tribunais de Justiça e de alguns ministros do STF, como a de Joaquim Barbosa, encontramos essa proclamação, que, pela constância, virou mantra. E de mantra ao ativismo judicial.
Não é estranho, pelo contrário, esse desejo dos membros do Judiciário, pois há interesses corporativistas, mormente relativos à pecúnia.
O que é estranho é quando parte de um presidente seccional da OAB, como Homero Mafra do ES.
Por que associar o adjetivo forte ao Poder Judiciário?
Se os Poderes são independentes e harmônicos entre si, não cabe adjetivar um. Nem adjetivar todos, pois significaria que não o são, que carecem de força.
Compete ao Poder Judiciário o controle da constitucionalidade e legalidade das leis e dos atos administrativos, oriundos respectivamente do Legislativo e do Executivo, e ainda o eventual papel moderador. É um Poder muito forte, não precisa de adjetivos, seus substantivos já o qualificam. É um Poder forte e não democratizado.
O Brasil não necessita de Poderes mais fortes. A democracia brasileira precisa é do fortalecimento da sociedade civil organizada; carece é de empoderamento popular, ou seja: de mecanismos que permitam que a base da pirâmide social, através de suas organizações, participe ativamente da vida nacional.
A história demonstra o estreito vínculo entre crises econômicas agudas e prolongadas e soluções de força, isto é, regimes totalitários.
O Brasil padece de uma cultura autoritária, a árvore podre da ditadura não teve seus frutos venenosos extirpados e ainda não foi alcançado um modo de ser democrático entre Estado e sociedade.
Numa conjuntura sinistra como a que vivemos, na qual a PF age sem controle, juízes subvertem o devido processo legal, fazendo o papel de acusador e ativismo político, aliadas às lideranças políticas que trabalham para o quanto pior, é assustador fazer apologia da força.
Realizar a posse de seu terceiro mandato, no dia 22 deste, na entidade máxima da elite econômica capixaba, Findes, foi uma escolha infeliz do presidente Homero Mafra, ou uma opção simbólica por uma classe protagonista da precarização dos direitos do trabalho e da juventude?
Recentemente, dia 14 de janeiro, o advogado Marcus Vinicius Furtado Coêlho, como presidente da OAB, enviou uma carta à presidenta Dilma, solicitando providência quanto à criminalidade no país, propondo a federalização da segurança e a criação de um Ministério específico; em seguida, dia 19, lança um Manifesto acusando a falta de legitimidade da presidenta Dilma para aumentar impostos, mais especificamente à criação da CPMF. O manifesto é assinado em nome do Conselho Federal e subscrito pelas: Confederação Nacional da Indústria (CNI), Confederação Nacional do Transporte (CNT), Confederação Nacional da Saúde (CNS) e Confederação Nacional dos Dirigentes Lojistas (CNDL).
Cabe uma pergunta quanto ao teor da carta e do Manifesto: qual a legitimidade do presidente da Ordem em manifestar opiniões que não foram debatidas pelo corpo de inscritos da entidade?
Durante a ditadura, da qual fui prisioneiro nos anos 1969/70, seus agentes nos prendiam, sem mandato, e desde os primeiros minutos nos torturavam para saber locais de encontro (ponto), de reuniões e estadia de militantes (aparelhos), e nomes de companheiros, ou seja: nos sequestravam já sentenciados. Competia, por meio da sevicia, obter a delação e posteriormente provas para a acusação. Não obedeciam a nenhum prazo ou dispositivo legal. Só obedeciam a uma ideologia fascista e aos seus instintos de perversidade.
Foram muitos anos combatendo a ditadura, muitos tombaram sob tortura, desses, muitos para não delatar, muitas foram as sequelas no corpo, na alma e na história da nação, mas, por fim, conquistamos uma democracia, originalmente frágil. Com o tempo foi-se fortalecendo. No presente corre risco de graves retrocessos.
A OAB que enfrentou à subversão do devido processo legal durante a ditadura, não deveria no presente ficar à margem do que veem passando advogados criminalistas nestes novos tempos de agressão aos direitos humanos. Não deveria ficar silente quando uma charge no jornal O Globo ofende a dignidade da nossa categoria.
A OAB, cujo símbolo daquele período de barbárie e tirania é a sua eterna secretária, Lyda Monteira da Silva, não merece que turvem a sua história.
* Francisco Celso Calmon Ferreira da Silva é advogado (OAB de origem RJ e em 2015 ES), administrador e analista de sistemas. É membro da Rede Brasil – Memória, Verdade e Justiça e ex-prisioneiro da ditadura.