por Theófilo Rodrigues
O Rio de Janeiro já foi a capital política do país. Mas hoje, como exclamam as palavras nos muros da cidade, é apenas a capital do Capital. Se num passado não tão distante ocorriam pelas ruas do Catete e nas mesas do Lamas reuniões com o que havia de melhor na política nacional, hoje restaram apenas as grandes negociatas nos restaurantes de Ipanema. A política despiu-se de seus programas e projetos para vestir apenas a roupa do lucro.
Se na década de 80 a prefeitura do Rio de Janeiro contou com nomes da estatura de Saturnino Braga, Jó Antônio Rezende e Marcello Alencar a partir da década de 90 um outro perfil político-tecnicista assumiu a gestão da cidade numa linhagem que permanece até os dias de hoje: de Cesar Maia até Eduardo Paes, passando por Conde.
Com o fim do governo de Marcelo Allencar em 1992 o Rio viu a primeira eleição com alguns dos atores políticos que estão no cenário até os dias de hoje. O PT lançou uma forte candidata, Benedita da Silva, enquanto Cesar Maia veio pelo PMDB e Cidinha Campos pelo PDT. Benedita ficou em primeiro lugar no primeiro turno com 33%, Maia com 24% e Cidinha com 16%. Entretanto, sem o apoio pleno do PDT Benedita foi superada por Cesar Maia no segundo turno. Ali foi a última vez que a esquerda chegou ao segundo turno em uma disputa pela prefeitura da cidade.
Em 1996 a esquerda até parecia ter alguma chance de assumir a prefeitura da cidade. Mas a velha falta de união, no caso carioca entre o PT e o PDT, garantiu a vitória de Luiz Paulo Conde. No primeiro turno Chico Alencar (PT) alcançou 21% dos votos enquanto Miro Teixeira (PDT) obteve 8%. Juntos poderiam ter levado uma candidatura
progressista para o segundo turno. Separados foram derrotados.
Para a felicidade de Cesar Maia a mesma divisão entre PDT e PT se repetiu em 2000. Dessa vez com Benedita da Silva (22%) e Brizola (9%) a esquerda ficou fora do segundo turno que foi disputado por Conde e Cesar Maia sendo o último o grande vitorioso.
Em 2004 a esquerda carioca reduziu seu tamanho. Cesar Maia foi reeleito no primeiro turno com 50% dos votos seguido por Crivella (PL – 22%) e Conde (PMDB – 12%), enquanto a esquerda não passou dos 14%: Jandira Feghali (PCdoB – 7%), Bittar (PT – 6%) e Nilo Batista (PDT – 1%).
O desgaste desse terceiro mandato de Cesar Maia foi muito grande. Acusado de privatizar a saúde – foi o início da implementação das OSs na gestão da saúde – e de gastar recursos públicos com obras que não deveriam ser prioritárias – Museu Gugghenhein e Cidade da Música – o prefeito não conseguiu emplacar sua sucessora em 2008.
Contudo, apesar do leve crescimento da candidatura do PCdoB a esquerda mais uma vez se dividiu e saiu derrotada. Jandira Feghali (PCdoB – 10%), Alessandro Molon (PT – 5%), Chico Alencar (PSOL – 2%) e Paulo Ramos (PDT – 2%) somavam juntos 19%, ou seja, tinham o mesmo que Crivella (PRB – 19%) e bem menos que Gabeira (PV – 25%) e Eduardo Paes (PMDB – 31%).
Com o segundo turno entre Gabeira e Paes dois grandes campos paradoxais se constituíram. Gabeira, que anunciava uma nova cultura política, reuniu em seu palanque o PSDB e o DEM de Cesar Maia. Do outro lado, Paes que acabara de sair do PSDB para se filiar ao PMDB conseguiu o apoio do PT e do PCdoB. Foi o início do fim para a
esquerda tradicional na cidade.
O apoio da esquerda tradicional (PT, PCdoB, PDT e PSB) ao governo de Eduardo Paes fez com que sua reeleição fosse garantida no primeiro turno de 2012 com uma das maiores votações da história da cidade (65%). Todavia, como não existe espaço vazio na política um novo ator emergiu com força no cenário municipal. O PSOL, que na eleição anterior minguou em 2%, viu sua votação subir para 28% com a candidatura de Marcelo Freixo ficando em segundo lugar na disputa.
O governo de Eduardo Paes potencializou aquilo que Cesar Maia havia começado. A privatização da saúde por meio das OSs foi intensificada. No lugar do Gugghenhein foi construído o também milionário Museu do Amanhã cuja gestão foi repassada para a Fundação Roberto Marinho. O programa de urbanização das favelas que na gestão Cesar Maia se dava pelo Favela Bairro foi substituído pelo Morar Carioca em 2010, mas abandonado em 2013.
Se por um lado a consequência foi desastrosa para a esquerda tradicional, para o PSOL foi saborosa
Enquanto o partido de Marcelo Freixo elegeu 4 vereadores – Paulo Pinheiro, Eliomar Coelho, Renato Cinco e Jefferson Moura – o PCdoB não elegeu nenhum. O PT até conseguiu eleger o mesmo número que o PSOL, mas apenas um com origem nas bases militantes: Reimont. Os outros três não possuem identidade programática com o partido: Marcelo Arar veio do PSDB, Edson Zanata do PR e Elton Babu teve o irmão expulso do partido por envolvimento com milícias.
O cenário político de 2016 é fruto direto desse passado recente. Em 1992, 1996 e 2000 a divisão entre PT e PDT minimizou as chances de vitória de um candidato progressista. Em 2004 e 2008 foi a vez de PT e PCdoB reduzirem suas próprias chances em uma luta fratricida. De 2012 para cá é a falta de diálogo entre a esquerda tradicional e o PSOL que vem criando obstáculos para esse objetivo.
Fazia sentido para a esquerda tradicional apoiar Eduardo Paes no segundo turno de 2008, na medida em que Gabeira reunia em seu palanque históricos adversários como PSDB e DEM. O problema veio logo em seguida quando PT, PCdoB, PSB e PDT começaram a fazer parte do governo Paes em 2009 e da chapa oficial em 2012. Apoiar um candidato num segundo turno é uma coisa, assumir cargos em seu governo é outra. E o eleitorado da esquerda tradicional sabe muito bem a diferença. Jogo jogado, resta agora saber se tais burocracias partidárias perceberam o tamanho do buraco em que se meteram.
Em 2016 Eduardo Paes – que recentemente anunciou que gostaria de apoiar José Serra à presidência da república em 2018 – terá como seu candidato de sucessão o peemedebista Pedro Paulo com o apoio do PT. Marcelo Crivella (PRB) e Marcelo Freixo (PSOL) serão os candidatos mais fortes na disputa pelo segundo turno contra o PMDB. Correndo por fora estará Alessandro Molon que saiu do PT para ser candidato pela Rede. E o que farão PCdoB e PDT?
Theófilo Rodrigues é cientista político