Análise Diária de Conjuntura – 25/01/2016
Hoje, na capa do site da Folha, mais uma pérola deste neofascismo do “senso comum”.
Há muito tempo que percebi a relação incestuosa entre as seções de cartas dos leitores e a editoria dos jornalões. Eles transformaram a seção numa extensão do editorial. Na Folha, o destaque que dão a esta ou aquela carta reforça esta impressão.
A cartinha em destaque nesta segunda-feira mostra como é fácil a vida na imprensa brasileira, e como é difícil da vida de um blog como o Cafezinho.
É uma cartinha idiota, que ventila uma das teorias golpistas idiotas, segundo a qual os empreiteiros, a maioria deles tucanos, e que deram tanto dinheiro ao PT como ao PSDB na campanha de 2014, estivessem mancomunados entre si para manter o PT no poder.
Publicar essa cartinha com destaque é uma artimanha golpista.
Os jornalões usam o seu poder para defender o senso comum.
O povo quer linchamento? Então que se lhes dê linchamento.
Até mesmo o ódio de classe é manipulado pelos jornalões.
De uma hora para outra, colunistas como Merval Pereira, Josias de Souza, e até mesmo o “boa praça” Jorge Bastos Moreno passam a atacar os empreiteiros investigados pela Lava Jato como “oligarcas”.
A carta dos advogados em que se denunciam abuso dos direitos e atropelo do devido processo legal é alvo do escárnio de Merval Pereira, que a chama de “grito dos oligarcas”.
É uma situção tão irônica!
Os colunistas, que vendem suas inteligências aos oligarcas ultrarreaciolnários da mídia, de repente adotam vocabulário marxista?
Ah, finalmente, estão prendendo ricos e poderosos!
Com isso, dá-se um nó na cabeça do esquerdista.
“PT deveria se orgulhar que a Polícia Federal conseguiu prender Marcelo Odebrecht”, argumenta o militante confuso.
A mídia conseguiu dar um xeque-mate na cabeça de uma esquerda sem liderança, construída em cima de frases de efeito, e que defende, às vezes meio constrangida, um governo e um partido que fugiram, há tempos, do debate político.
Era necessário que os ministros de Dilma estivessem todos os dias dando entrevistas a programas de rádio, TV, sites e blogs, participando de hangouts na internet, divulgando vídeos, estatísticas, pautando a mídia. Fazendo política, enfim. Isso ajudaria a destensionar a atmosfera, subsidiaria os parlamentares, daria segurança aos empresários e estimularia a militância que defende o governo.
Voltando a questão do Marcelo e às armadilhas ideológicas da Lava Jato, vemos os coxinhas explorando as contradições do progressismo.
Como é possível, vocês vão defender um barão do capital, perguntam eles, entre risinhos.
Mais uma vez, como é fácil ser direita no Brasil!
Basta obedecer cegamente ao senso comum.
Não há contradições!
Daí vemos pérolas como o comentário da leitora da Folha, de que a “democracia” tem de se sobrepor aos direitos dos réus da Lava Jato.
É uma frase tão bizarra que chega a ser engraçado.
Se a democracia se “sobrepõe” aos direitos e liberdades individuais então ela pode ser tudo, menos democracia.
Josias de Souza ataca os advogados progressistas que denunciaram os arbítrios da Lava Jato (muito parecidos com o que vimos no julgamento do mensalão, diga-se de passagem) dizendo que eles “nunca se preocuparem com as centenas de milhares de presos no país”.
Mentira.
Inúmeros juristas denunciam, há anos, o fascismo penal no país. Quem não repercute essa denúncia é a mídia para a qual Josias de Souza e Merval escrevem, esta sim, representante maior das oligarquias.
O Cafezinho publicou há mais de um ano uma denúncia de Rogério Dultra, jurista, professor da UFF, contra a prisão preventiva no país, que mantém inocentes presos por anos a fio.
Um dos signatários da Carta aos Advogados, um famoso jurista, repete em artigo um argumento que o Cafezinho vem usando há tempos, para denunciar o abuso da prisão preventiva em algumas investigações da Polícia Federal: o neofascismo tupiniquim, ao invés de denunciar os arbítrios do sistema judiciário brasileiro contra os pobres, agora quer estendê-los aos ricos. A alguns ricos somente, claro. Somente aos ricos que se interpõem no caminho das conspirações políticas.
As delações premiadas tornaram-se uma pantomina golpista. Vê-se agora que os procuradores estão distorcendo, na maior cara de pau, o que os delatores dizem. Ou seja, além de direcionarem os depoimentos e vazarem seletivamente, eles fazem “resumos” das delações que têm a proeza de lhes inverter o sentido. Paulo Roberto Costa inocenta Marcelo Odebrecht em sua delação, mas não é isso que diz a transcrição, e daí se vaza para os jornais não o que realmente os réus disseram, mas a versão manipulada pelos procuradores.
Em seu blog, Juca Kfouri mata outro golpezinho sujo que os procuradores vinham tentando aplicar no âmbito da Lava Jato, com objetivo de subsidiar o TSE com uma teoria capaz de cassar o mandato da presidenta Dilma.
Segundo o que esses procuradores, criminosamente, vazaram à impremsa, o empresário Ricardo Pessoa teria dito que o tesoureiro da campanha de Dilma Rousseff, Edinho Silva, o teria “chantageado” para obter doação de campanha.
Falamos aqui de doação oficial, caixa 1. Sim, porque não conseguindo encontrar qualquer indício de caixa 2 na campanha de Dilma Rousseff em 2014, os abutres do golpe, Gilmar Mendes à frente, tentam criminalizar o caixa 1.
Acontece que, observa Kfouri, o vídeo mostra algo diferente. Pessoa não fala em chantagem ou ameaça por parte de Edinho Silva.
Mais uma vez, portanto, houve deturpação nas transcrições, e são estas que são vazadas, seletivamente, à mídia.
O golpe sujo que deram em Marcelo Odebrecht, portanto, omitindo o trecho da delação de Paulo Roberto Costa que o inocentava, é um modus operandi que se repete ao longo de toda a Lava Jato.
A própria delação premiada revela-se, cada vez mais, um acinte ao Estado Democrático de Direito, porque permite que os criminosos manipulem o sistema judiciário.
Em se tratando de uma investigação profundamente politizada, tocada por autoridades assumidamente de oposição, a delação premiada abre espaço para que o procurador, em conluio com o réu e seus advogados, monte todo o tipo de conspiração, que é o que está acontecendo.
É interessante notar ainda que o recrudescimento da virulência contra Marcelo Odebrecht e contra os advogados mostra que os conspiradores sentiram o golpe.
Os advogados de Marcelo entenderam que o jogo é jogado na comunicação. Não é um processo técnico. A acusação se acha, além disso, no direito de falar sozinha na mídia. Quando algum réu decide reagir, eles tentam criminalizar a reação.
Tudo isso sempre com a chancela da mídia.
Aliás, isso me dá oportunidade para uma observação.
Quando Lula assume o poder, em 2003, a mídia trata de desenterrar uma máxima de Millor Fernandes do tempo da ditadura, segundo a qual, imprensa é oposição, o resto é secos e molhados.
Eu já fiz algumas críticas filosóficas a esta máxima: a imprensa não tem que ser oposição, nem situação. Ela tem de ser transparente e sincera. Não há nada de mais em ser simpática a uma determinada corrente política, mas que o admita em seus editoriais.
Daí, quando surgem os blogs progressistas, nascidos esponteamente do vazio de opiniões críticas à mídia, a mídia tenta pespegar nos blogs a pecha de chapa-branca.
Nessa última entrevista com Lula, alguns jornalões, como Folha e Estadão, publicaram matérias em que tratam os blogs como “simpatizantes ao PT”.
Não haveria nada demais em falar isso num outro contexto, mas no contexto das reportagens, soa como xingamento. É um veneno jornalístico, visto que os jornalistas que participam das entrevistas no programa Roda Viva, por exemplo, não são chamados de “simpatizantes do PSDB”, e o são – e não num blog privado, mas numa concessão pública e numa tv pública.
Bem, o que eu pensei nos últimos tempos é o seguinte: ué, a imprensa deve ser crítica, certo? Tudo bem. Mas deve ser crítica apenas ao Executivo?
Não deve ser crítica a todos os poderes, a todas as autoridades? Por exemplo, ao Ministério Público, ao Judiciário, às corporações, ao grande capital?
O chapa-branquismo é um conceito restrito à relação com a presidência da república? Logo a presidência, que não tem poder de fazer mal a ninguém?
E o Judiciário, não merece críticas?
A Lava Jato está encontrando um ambiente um pouco mais crítico, um pouco mais esclarecido, do que aquele que rodeou o julgamento do mensalão.
Antes que qualquer jornalista da grande mídia lançasse um livro golpista sobre o petrolão, em cujo lançamento comparecessem ministros do STF, ou pior, prefaciado por ministro do STF (Ayres Brito prefaciou livro de Merval Pereira às vésperas de deixar a presidência do STF; na semana seguinte, ganhava sinecura de luxo em instituição patrocinada pela Globo), antes disso, ia dizendo, Paulo Moreira Leite lançou o seu O Outro Lado da Lava Jato, que já é campeão de vendas, e aparece com destaque nas gôndolas das principais livrarias do país.
O ambiente cultural também está diferente. A Globo se tornou anacrônica do dia para a noite. Ontem eu assistia a já famosa série documental do Netflix, Making a Murderer, em que o sistema judicial e policial dos Estados Unidos se une para mentir e forjar provas contra um réu.
Essa é a diferença principal – eu já o disse várias vezes – entre o sistema penal americano e o nosso.
O de lá comete tantas injustiças como o daqui, embora o nosso seja campeão de barbárie, por causa do estado lamentável das prisões num país ainda muito pobre. O histórico religioso dos EUA, além disso, permitiu que o fascismo do senso comum, em sua hostilidade “contra os bandidos”, fosse contido. Presos, culpados ou não, também são seres humanos.
A diferença principal, eu dizia, está no debate público. O sistema judicial americano é discutido profundamente, na mídia, em filmes, em livros. Juízes e promotores não são endeusados, mas alvo de constantes críticas.
Existem inúmeras ongs, na sociedade civil, nas universidades, especializadas em cuidar de erros judiciais.
Existe a cultura de discutir o erro judicial.
Aqui, não.
Aqui não só o debate sobre o erro judicial – sobretudo o erro nascido do arbítrio – é um tabu, que jamais é discutido, como aqueles que tentam provocar este debate são criminalizados.
A Lava Jato, por exemplo, já mostrou que não aceita críticas. Somente os procuradores podem pontificar na tribuna da mídia, acusando o governo, os réus. Fazem proselitismo até mesmo dentro de igrejas. Quando os advogados dos réus tentam fazer um contraponto, os procuradores e a mídia reagem com fúria.
Um dos delegados da Lava Jato, ao prender José Dirceu, divulgou o seu relatório, no qual lançava acusações irresponsáveis contra “jornalistas que criticavam o sistema judiciário”, e ainda fazendo insinuações de ordem criminal.
Merval Pereira, colunista do Globo, quando foi desmascarado pelo Cafezinho fazendo reuniãozinha secreta com Eduardo Cunha, muito provavelmente reunião de cunho golpista, reagiu falando em “blogs rastreados pela Lava Jato”.
Sergio Moro, quando mandou quebrar o sigilo telefônico de uma linha da sede do PT nacional em São Paulo – provavelmente em busca de diálogos que pudesse vazar seletivamente à imprensa, na tentativa de criminalizar o partido – também ordenou várias quebras de sigilos de jornalistas da Rede Brasil Atual, o modesto grupo de mídia que os sindicatos conseguiram montar, para tentar fazer frente à ofensiva brutal da mídia conservadora.
Ou seja, usam a Lava Jato até para isso, para silenciar qualquer crítica, como se eles fossem, realmente, representantes de uma ditadura.
E agora ficamos sabendo que a esposa de Mauro Marcondes, uma senhora de 53 anos, está sendo literalmente torturada nas dependências da Polícia Federal, numa tentativa de forçar seu marido a delatar Lula.
No âmbito da Lava Jato, já tínhamos visto coisas parecidas. Ricardo Pessoa, Nestor Cerveró, Paulo Roberto Costa, todos foram torturados. O Estado ameaça com prisão preventiva por tempo indeterminado, supressão de qualquer possibilidade de habeas corpus, condenações medievais de 20, 40, 50 anos (vide a fala de um procurador, ameaçando Marcelo Odebrecht com uma pena de 2 mil anos…), perseguição à família.
O jogo é pesado, e intimida de facto os tribunais superiores, cujos ministros que não se vergam à conspiração são imediatamente atacados pela mídia.
O único trunfo que o campo progressista possui, em verdade, é que essas conspirações têm custado tão caro à economia brasileira, tem feito tanta gente perder dinheiro, e instituído práticas tão perigosas do ponto-de-vista das liberdades e direitos individuais, que é seguro dizer que, em algum momento, tudo isso se voltará contra seus autores.
A mídia, por sua vez, tenta impor o seu discurso único, de que o PT é um mal, uma quadrilha. Esse discurso criminalizante é simplesmente fascista. A iniciativa do líder do PSDB na Câmara, de pedir a extinção do PT, é estarrecedoramente fascista.
Ora, é evidente que um partido político popular, como o PT, tem uma importância essencial para a democracia brasileira. Tem história, nuances, heroismo. Tem corrupção também porque a corrupção é inerente ao poder, ao homem, à política. A mídia ludibria a opinião pública ao não procurar esclarecê-la quanto a isso. Uma coisa é um partido na oposição. Outra coisa é o mesmo partido no governo. Todas as sereias do capital tentam seduzir o partido quando este assume o poder.
A própria mídia abre-lhes as portas. Não é a tôa que o PT nunca tenha defendido, na prática, uma regulamentação da mídia. É porque a mídia corrompeu facilmente as lideranças do partido, inclusive Lula, José Dirceu, Genoíno, através do ponto-fraco de qualquer ser humano, a vaidade.
A bem da verdade, o PT só começou a levar a sério a necessidade de discutir a mídia quando viu suas lideranças presas, e o seu próprio futuro em jogo.
A necessidade é uma ótima professora, só que o PT ainda não sabe fazer o debate sobre mídia, porque este não é fácil, e o PT até agora não soube criar think tanks. O partido edita revistas, no âmbitos da Perseu Abramo, que ninguém lê. O governo, por sua vez, não debate mídia, como se toda a crise política que consome suas energias não tivesse a ver com o processo de asfixiamento midiático a que tem sido submetido.
Fala-se em regulamentação da mídia, mas que livros devemos ler sobre isso? Que filmes? Que documentários? Onde estão compiladas as informações sobre a regulamentação em outros países? Como levar adiante um debate sem esse tipo de subsídio intelectual?
O PT age por espasmos, contraditórios, confusos. Num dia, denuncia as delações, no outro exalta a delação contra seus adversários. Critica a Polícia Federal num momento, e depois exalta editorial do Financial Times que elogia a “luta contra a corrupção” no país.
A confusão do PT deriva de seu modus operandi, de também tentar surfar no senso comum. Seus dirigentes fazem pesquisas, e acreditam nelas, e agem de acordo com o que elas dizem. E mesmo assim, o partido parece se afundar cada vez mais, não fosse a resistência de sua militância, e do contraponto dos blogs.
A entrevista de Lula aos blogueiros, porém, pode marcar uma virada. Como já disse em post recente, a conjuntura não está de todo má. A guerra chegou a um momento crítico. A violência midiática e o arbítrio judicial nunca foram tão pesados.
E mesmo assim a conjuntura está razoavelmente boa, misteriosamente boa eu diria, se compararmos ao que vivemos em 2015.
Só que o governo tem de reagir. Tem de inovar. Tem de haver ofensiva política, centrada numa comunicação inteligente e criativa. Sem isso, a conjuntura pode voltar a se deteriorar.
Os prognósticos econômicos para este ano ainda são muito ruins, porém todos os indicadores apontam um gráfico de recuperação, na comparação com 2015 e na perspectiva para 2017.
A inflação será bem menor, com ênfase nos preços administrados. Está chovendo mais, beneficiando regiões pobres que vinham sofrendo especialmente com a seca.
As notícias que chegaram hoje, de Davos, sinalizam o interesse crescente dos grandes investidores internacionais pelo Brasil, de olho na queda de preço dos ativos locais, o que é bom, porque significa injeção de capital em setores produtivos e geração de empregos.
A Lava Jato deu voltas e mais voltas e não chegou nem em Lula nem em Dilma. Tanto é que setores do MP tentam outras estratégias, desesperadas, natimortas, para pegar o ex-presidente.
O impeachment já foi praticamente derrotado.
Falta agora o que todo mundo apontava no dia seguinte à vitória de Dilma no segundo turno de 2014: Dilma iniciar uma agenda positiva.
Se tem de fazer reformas difíceis, que o faça, mas compensando com avanços políticos, incrementando a comunicação, esforçando-se minimamente para fazer a batalha de narrativas, que consiste em propor, dialogar, esclarecer, defender-se dos ataques, atacar quando for preciso, despertar esperanças, oferecer horizontes.