O populismo judicial de Mário Sérgio Conti

por Luís Nassif, no GGN

Desde os anos 90, com o fim da ditadura, criou-se no país uma visão primária e maniqueísta de direitos civis. Como há diferenças óbvias entre o excesso de direitos dos influentes e a falta de direitos dos despossuídos, ambos precisam ter o mesmo tratamento. Como é impossível, no quadro processual, e do próprio modelo jurídico das democracias de mercado, dar ao pobre o mesmo tratamento do rico, que sejam igualados na falta de direitos.

Trata-se de um primarismo acachapante, uma ignorância ampla em relação a princípios básicos de direito. É desconhecimento de conceitos que, desde o Iluminismo, passaram a diferenciar sociedades civilizadas das comunidades bárbaras.

Lembro-me da comemoração dos 80 anos da Folha, no Teatro Folha do Shopping Higienópolis. Fiz parte de uma mesa com outros colunistas do jornal. Foi um festival de loas ao papel da imprensa.

Na mesa, uma colunista do senso comum comemorava o fato de que no dia anterior a Polícia Federal algemou o senador Jader Barbalho para conduzi-lo em um avião. E tudo isso graças ao trabalho exemplar da mídia.

Falei depois dela, lamentando a celebração da barbárie, da Lei de Talião, e ponderando que, quando a imprensa endossa um ato desses contra um senador da República, na prática está avalizando o pau-de-arara em qualquer delegacia de periferia.

Na saída do teatro, cruzei com Otávio Frias Filho e o advogado Luiz Francisco Carvalho, criminalista. Ambos me cumprimentaram pela defesa de princípios fundamentais, por ter investido contra a onda punitiva. Ficou só no cumprimento. Na prática, a história da mídia de massa mostra que a maneira mais fácil de conseguir leitores (quantidade, não qualidade) são os chamamentos ao fígado.

Não é por outro motivo que o maior massacre da história moderna do país, os 650 assassinatos de maio de 2006 pela Polícia Militar de São  Paulo, tenha sido varrido da história do estado.

Hoje, na Folha, o neo-colunista Mário Sergio Conti – intelectualmente melhor aparelhado que a ex-colunista – recorre a esse populismo judicial. Por quê os advogados que criticaram a Lava Jato não se posicionam contra a prisão preventiva de milhares de prisioneiros anônimos? Chama a carta de “hipocrisia seletiva dos homens de bens”.

Conti incorre em três pecados contra a originalidade.

O primeiro, de enveredar por esse populismo de araque, de pretender que a maneira de igualar ricos e pobres é na falta de direitos. É de uma pobreza intelectual que depõe contra o autor.

O segundo, recorrendo a um recurso primário de retórica, mais propício a comentários de trolls do que a jornalistas experientes. É o sofisma das afirmações infinitas. Tipo “porque você escreveu isso e deixou de escrever aquilo?”. Ao que se sucede: “Porque você escreveu aquilo é deixou de escrever aquilo outro”, em uma progressão que tende ao infinito.

Segundo ele, a carta revela a “hipocrisia da defesa seletiva dos homens de bens”, porque se refere especificamente aos presos da Lava Jato. Ora, muitos daqueles advogados são defensores de direitos humanos e as próprias OABs têm movido campanhas contra os abusos contra a população carcerária. A carta fala só sobre os tais “homens de bens” da Lava Jato porque se refere à Lava Jato, ora.

Se falasse também da população carcerária brasileira, o brilhante Conti cobraria uma crítica a Guantánamo, ou às prisões de Cuba, ou à população carcerária dos Estados Unidos. E o Iraque? E o África? É o padrão Facebook na mídia.

O terceiro é a tal imagem dos “homens de bens”. O uso da ironia exige, ao menos, a companhia da originalidade.

Há uma crítica consistente a ser feita contra a infinidade dos recursos judiciais que impede a punição dos que podem recorrer aos grandes advogados. Daí a se pretender igualar a todos na exposição abusiva às prisões preventivas vai uma distância enorme, a mesma que separa a civilização da barbárie, ou a discussão séria dos vícios processuais brasileiros do uso primário do populismo judicial.

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