A Lava Jato se tornou uma batalha midiática.
A defesa de Marcelo Odebrecht já entendeu que tanto Moro como os tribunais superiores não operam segundo princípios constitucionais, mas de acordo com a “atmosfera” produzida pela mídia.
O verdadeiro tribunal dos réus da Lava Jato não está na Vara do Paraná, nem no STJ, nem no STF, e sim nas redações de jornais decadentes – decadentes mais ainda com influência suficiente para destruir reputações, intimidar juízes, e manipular a opinião pública.
É um aprendizado que veio inclusive do julgamento do mensalão, onde a defesa dos réus se concentrou, ingenuamente, apenas em questões técnicas e jurídicas, na suposição de que o Judiciário não se deixaria levar pela gritaria dos jornais.
Deixou-se.
Como tem deixado novamente agora. Sergio Moro atua mais como justiceiro da Globo do que como um juiz isento, disposto a ouvir todos os lados da questão.
A prisão preventiva é usada como tortura. A delação premiada é vista como prova cabal pelos procuradores. Então eles ligaram uma coisa à outra.
Prende-se para obter delação. E delata-se para obter prisões.
E, sobretudo, usa-se a mídia para justificar as prisões e pressionar juízes de tribunais superiores a não concederem liberdade provisória a ninguém.
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Saiu na Folha.
Moro é parcial contra acusados, afirma advogado de Odebrecht
MARIO CESAR CARVALHO
DE SÃO PAULO
FÁBIO ZANINI
EDITOR DE “PODER”
19/01/2016 02h00
O juiz Sergio Moro não tem imparcialidade para julgar acusados na Lava Jato, na opinião de Nabor Bulhões, 65, advogado de Marcelo Odebrecht, um dos principais executivos presos pela operação. “Ele se deixou levar por um lado”, diz.
Para Bulhões, a prisão de seu cliente é ilegal porque não há nenhuma prova que o ligue a eventuais atos ilícitos da empresa, como ele defende na entrevista a seguir, concedida à Folha:
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Folha – Por que o sr. assinou carta de advogados acusando a Lava Jato semana passada?
Nabor Bulhões – A carta não é contra as instituições judiciárias brasileiras, mas contra abusos ocorridos no âmbito da operação. As instâncias superiores brasileiras ainda não se debruçaram por inteiro sobre esses vícios e abusos. Eles ocorrem predominantemente na origem, na condução da ação penal em primeira instância, tendo à frente os procuradores que integram a chamada força-tarefa. É uma manifestação de advogados, professores e juristas preocupados em garantir a higidez do sistema.
A força-tarefa diz que dos mais de 300 recursos impetrados pela defesa, pouco mais de uma dezena teve sucesso, o que mostraria que suas decisões são corretas.
A contabilidade é mistificadora. Diz respeito a elementos meramente incidentais das ações penais. As questões cruciais sobre competência do juiz, a isenção dele, também não passaram pelo crivo das instâncias superiores. Há questionamentos relevantes quanto ao fato de o juiz Moro se atribuir jurisdição nacional, quanto à parcialidade objetiva dele. Isso não é uma ofensa pessoal ao eminente magistrado. É um dado objetivo. Um dos princípios magnos do nosso sistema é que acusação e julgamento estão em esferas diferentes. Não é possível que o julgador seja o investigador.
Ele deveria ser substituído?
Ele se deixou levar por um lado ainda no domínio das investigações de natureza inquisitorial. O processo penal se inicia depois de oferecida e recebida a denúncia.
Não pode ser instrumento de opressão judicial. É a diferença entre ditaduras e democracias.
Mas deve ser afastado?
Já arguimos isso, temos arguições formais sobre isso.
Qual sua avaliação da delação premiada?
Temos advogados e alguns juristas que defendem e outros que se contrapõem, se insurgem. Estou entre os últimos. Entendo que a delação premiada é um instituto pragmático, porque busca supostamente combater a impunidade. Mas, num contexto democrático, isso só seria possível com o resguardo, a obediência a direitos e garantias constitucionais.
Isso me lembra o Alan Dershowitz, professor de Harvard, que costuma dizer: “Se você quer escapar da prisão nos EUA, incrimine alguém mais importante que você”.
A impressão é que a sociedade aplaude de maneira frenética a lei. A sociedade está errada?
Não devemos nos pautar pela manifestação da opinião pública. Se fosse assim, teríamos instituído a pena de morte, linchamento, a turba… Não passou ainda pelo STF essa matéria com o plexo de objeções constitucionais que pode exigir. Essa questão de dizer que a lei é antiga e vem sendo aplicada nunca me impressionou. Dou o exemplo da Lei de Imprensa, que se aplicava desde 1967, e quando chegou ao Supremo, a conclusão foi de que é incompatível com nosso sistema constitucional.
O que a força-tarefa e Moro dizem é que a partir da delação crimes foram desvendados e dinheiro foi devolvido.
Se devêssemos tomar critérios pragmáticos para avaliar valores magnos, teríamos de revogar a Constituição. A prova obtida por meio ilícito pode ser a mais valiosa, ainda assim é constitucionalmente inadmissível. Muitas vezes é através de uma interceptação absolutamente ilegal, ou tortura, que se pode elucidar um crime gravíssimo. Mas aí vamos fechar os olhos e permitir que a barbárie prevaleça.
O juiz diz que as anotações encontradas no celular de seu cliente não foram explicadas e sugerem uma tentativa de interferir no processo.
O juiz e a força-tarefa cometem um grande equívoco: confundem a Odebrecht, uma pessoa jurídica, com a pessoa física do Marcelo. Na impossibilidade de imputar a Marcelo qualquer conduta concreta enquanto pessoa física, ele fala na empresa.
No caso o juiz fala do Marcelo.
Não é verdade que Marcelo não se explicou. A manifestação do juiz Moro ao Supremo [na qual ele diz que o executivo não se explicou] é mais um dado objetivo da sua parcialidade. Isso foi objeto de um interrogatório. Marcelo respondeu todas as imputações da acusação. Ele [Moro] supervalorizou anotações que não têm o significado que ele disse que poderiam ter. Isso é grave porque você não pode partir de presunções para a decretação de uma prisão. Dos quatro núcleos da Lava Jato, delatores e testemunhas ou não conhecem Marcelo ou afirmam que ele jamais se envolveu com os delitos da Lava Jato. Nem preciso discutir isso em relação a Marcelo porque a nossa tese é de negativa de autoria.
Uma das acusações é que Marcelo, como presidente da holding, saberia das ilicitudes.
No direito penal tem de ter participação pessoal [do suspeito no crime]. Não existe presunção. O grupo Odebrecht tem mais de 300 empresas, opera em 21 países. A cultura do grupo é a da descentralização. Marcelo é presidente de uma holding de investimentos. Ele não é presidente da construtora que foi referida como vinculada aos contratos da Petrobras. Há uma norma constitucional que diz: a responsabilidade penal é pessoal e intranscendente. Por ser diretor de uma empresa, você não pode responder pelo que ocorre na empresa. É uso inadequado da teoria do domínio do fato [criada nos anos 50 para punir dirigentes nazistas que não participaram dos crimes, mas deram as ordens].
O Supremo tem o entendimento de que a teoria é válida.
A teoria do domínio do fato não se aplica a empresas. Quem diz isso é Claus Roxim, que desenvolveu a teoria na Alemanha. Não existe analogia em direito penal. Você sabe o que representam para o grupo Odebrecht os contratos da Petrobras? 4% do faturamento. Marcelo como presidente da holding não tinha controle sobre a atividade dos executivos da empresa. Não se pode criminalizar a conduta de alguém com base na conduta da empresa.
Marcelo escreveu “trabalhar para parar/anular investigações. Isso não é tentativa de interferir nas apurações?
Como é que se anula a investigação? Quando se argue a sua nulidade por violação de direitos e garantias. Havia notícias de manipulação de provas no âmbito da Lava Jato. Que crime é este?
A Suíça diz ter identificado o pagamento de US$ 17,6 milhões em propina pela Odebrecht. Esse volume de dinheiro não precisaria da aprovação do Marcelo?
Isso é uma especulação desvairada. Não serve para condenar alguém na esfera penal. Porque Marcelo há mais de 15 anos não deu nenhum comando financeiro. Ele não assina um cheque do grupo há mais de 15 anos.
As autoridades suíças dizem que o suborno passou por uma série de empresas controladas pela Odebrecht.
Marcelo desconhece todas. Ele não fez isso. Se alguém tiver feito isso, terá de responder. Jamais chegou um pedaço de papel dizendo que Marcelo ordenou a abertura [de empresa] ou a movimentação de contas. A prisão de Marcelo é um enorme equívoco que nós esperamos que o Supremo corrija.