Fundador do PSDB, líder do governo na Câmara por mais de quatro anos na gestão de Fernando Henrique Cardoso (1995-2002) e um dos coordenadores da campanha de Aécio Neves para a Presidência em 2014, o ex-deputado Arnaldo Madeira, 75, diz que não vê razões que justifiquem o impeachment da presidente Dilma Rousseff.
PSDB ‘não deve mergulhar na ideia do impeachment’, diz fundador da sigla
por Bela Megale, na Folha
Em entrevista à Folha, Madeira criticou a postura dos tucanos na condução processo, afirmando que a legenda ficou “a reboque” do presidente da Câmara Eduardo Cunha (PMDB-RJ) Também disse que o Brasil não tem um líder político capaz de tirar o país da crise: “Não há liderança que toque o país, nem no PSDB, e os partidos se tornaram cartórios de registro de candidatura.”
Folha – Por que o sr. é contra o impeachment?
Arnaldo Madeira – O impeachment é uma demanda de uma parcela da sociedade. Um impeachment é algo muito forte, um abalo na estrutura política do país. Eu não vi a sociedade mobilizada pró-impeachment como vi na época do (ex-presidente) Fernando Collor. Mas o cenário é muito instável, pode aparecer de qualquer lado no momento em que a gente menos espera.
Qual deve ser a postura do PSDB nesse processo?
O partido deve acompanhar, não se posicionar contra, mas também não mergulhar na ideia do impeachment. Até agora não houve nenhum fato forte que justificasse a saída de Dilma. O PSDB deveria ir mais devagar. Está com muita sede e paralisou as coisas para ficar em cima do impeachment.
Esse foi o erro do partido em 2015?
O partido ficou um bom tempo a reboque do (presidente da Câmara dos Deputados) Eduardo Cunha (PMDB-RJ), confiando na ação dele e paralisado no debate do impeachment. O papel da sigla seria apontar os erros que o governo vem cometendo e indicar alternativas. Nós não fizemos isso. O que aconteceu foi que o governo perdeu o ano se defendendo do impeachment e a oposição perdeu o ano propondo o impeachment.
Quais coisas o PSDB paralisou?
Por exemplo, esse era o momento discutir o parlamentarismo. Os países de sucesso são parlamentaristas, o único país presidencialista que deu certo é os Estados Unidos. Isso era um tema para o PSDB reforçar o tempo todo, como o PT fez com o fim do financiamento privado. Se tivesse parlamentarismo, afastava-se o primeiro-ministro e acabou a crise. Mas a sigla não fez isso. O PSDB perdeu a oportunidade de defender teses para melhorar a estrutura de governabilidade no país.
Quem é capaz de tirar o Brasil da crise?
Não há liderança política que toque o país. Os partidos não têm lideranças que consigam despertar confiança na sociedade no sentido de “esse cara vai fazer o certo”. Está carente de lideranças políticas em todos os partidos, incluindo o PSDB. Na prática, o Brasil hoje é um país sem partido, são grandes cartórios de registros de candidatura.
Vê dentro do PSDB alguma liderança capaz de ser o que o Fernando Henrique foi?
FHC foi um luxo. Achei que poderia ser o início de mudança na qualidade de gestão. O tempo está mostrando que foi uma exceção.
O PSDB se desfigurou?
Todos partidos se desfiguraram completamente. O PSDB, na origem, tinha grandes lideranças nacionais que estavam no seu comando. Hoje cada líder regional indica seu representante na direção nacional, então o partido fica enfraquecido. Essa desfiguração foi lenta e vem do fato de termos perdido a presidência da república. Nós já não éramos, na época do presidente FHC, um partido que tinha clareza sobre as coisas.
Como avalia a decisão do Congresso de parar os trabalhos no recesso?
O país está mergulhado em uma crise enorme, os investimentos paralisados, e você tem acontecimentos como o impeachment do presidente da câmara e da república em curso. Daí sai todo mundo de férias. Não dá para dize que isso é uma coisa séria.
Na época que estava no Congresso a casa era mais séria?
Não é que não tinha trapaças, problemas, mas o nível era mais elevado, a qualidade do parlamento. Tinha figuras com mais preocupação da preservação das instituições.
Qual deve ser a posição do PSDB num eventual governo de Michel Temer?
Se um governo Temer vier a se configurar, o que está meio difícil, eu sou a favor de montar projetos, mas sou contra participar do governo, ter cargos. O (senador) José Serra hoje é o cara mais qualificado do PSDB, mas divirjo dele nesse ponto.
Qual sua avaliação sobre a presidente Dilma Rousseff?
Quando você vai olhar a história dela, mesmo na época que atuou em grupos clandestinos, não era uma figura de destaque, era uma burocrata da organização. E ela de burocrata do Rio Grande do Sul a burocrata do governo federal virou presidente por causa do Lula.
Como avalia a decisão do STF (Superior Tribunal Federal) de anular a comissão pró-afastamento da presidente eleita na Câmara e dar mais poder ao Senado?
Há uma distorção, o Judiciário está com força desproporcional mediante outros poderes e vem praticando uma interferência indevida. Hoje todo mundo acha normal a politização da justiça e a judicialização das decisões políticas. Virou norma ter um assunto em discussão e o ministro do Supremo se manifesta sobre o que nem deveria falar.