Alvo de restrições recém-anunciadas pelo presidente Barack Obama, o comércio de armas de fogo nos Estados Unidos tem gerado receitas crescentes para empresas do Brasil.
por João Fellet, na BBC Brasil
Segundo o Ministério do Desenvolvimento, Indústria e Comércio Exterior, entre janeiro e novembro de 2015 as exportações de armas e munições brasileiras para o mercado americano somaram US$ 134,8 milhões (R$ 543 milhões), alta de 45,8% em relação ao mesmo período de 2014.
O volume de vendas é ainda maior, já que a legislação brasileira permite que parte das transações permaneça sob sigilo. Os Estados Unidos são o principal destino de exportações de armas leves brasileiras (principalmente pistolas e revólveres econômicos para uso civil e militar).
Em entrevista à BBC Brasil, analistas que estudam o comércio de armas dizem considerar improvável que as exportações nacionais sejam afetadas pelas novas restrições de Obama. Mas cobram maior transparência no intercâmbio e apontam riscos de desvios e mau uso de armamentos destinados aos americanos.
Armas nas mãos erradas
Na terça-feira, Obama anunciou, em um discurso com direito a lágrimas, que o governo americano exigirá que vendedores de armas nos Estados Unidos chequem os antecedentes de cada cliente – mesmo em transações pela internet ou feiras – e modernizará o sistema de checagem de dados de compradores.
As medidas têm caráter executivo (dispensam a chancela do Congresso) e buscam, segundo o presidente, evitar que armas caiam nas mãos erradas, como as de criminosos e pessoas mentalmente instáveis.
No curto prazo, porém, é possível até que as exportações de armas brasileiras para os Estados Unidos cresçam ainda mais.
Um levantamento do jornal The New York Times apontou que, após Obama defender um maior controle sobre o comércio de armas em novembro passado, as vendas de armamentos explodiram no mês seguinte, atingindo um dos maiores valores em duas décadas.
Dados da Taurus – maior empresa brasileira de armas leves – também apontam um bom momento nas transações com os Estados Unidos.
Em relatório a acionistas, a companhia diz que suas vendas para o país nos nove primeiros meses de 2015 cresceram 75,4% em relação ao mesmo período de 2014, gerando R$ 356,5 milhões em receitas. O valor representa mais que o dobro das vendas da Taurus no Brasil e 63% de suas receitas totais no período.
A empresa atribui parte do crescimento à desvalorização do real frente ao dólar.
Com o crescimento das exportações em 2015, a indústria brasileira de armas recuperou parte das perdas no ano anterior, quando as vendas para os Estados Unidos caíram 48,5%.
‘Vendas obscuras’
Segundo a Small Arms Survey, organização que monitora o comércio global de armas, o Brasil é hoje um dos quatro maiores exportadores de armas leves (de uso individual) do mundo.
Para Ivan Marques, diretor da Instituto Sou da Paz, a projeção do Brasil no segmento torna mais urgente que o Congresso Nacional aprove o Tratado Internacional sobre o Comércio de Armas (ATT).
O país foi um dos primeiros a assinar o tratado, em 2013, mas o documento ainda precisa da chancela do Congresso para entrar em vigor.
O ATT impõe maior transparência ao comércio de armas e institui mecanismos para que armamentos não sejam vendidos a países violadores de direitos humanos.
“A exportação de armas é bastante relevante para a pauta comercial do Brasil, mas hoje ela ocorre de maneira bastante obscura”, diz Marques.
Ele afirma que armamentos brasileiros – inclusive alguns banidos por convenções internacionais, como minas terrestres e munições cluster – já foram encontrados em vários países com histórico de violações de direitos humanos.
Hoje, a venda de armas para o exterior segue as diretrizes da Política Nacional de Exportação de Material de Emprego Militar, aprovada na ditadura militar e que garante o sigilo de operações quando requerido pelos negociantes.
Segundo Daniel Mack, consultor independente que estuda violência armada, o ATT estabelece uma conexão de responsabilidade entre o exportador e violações graves que venham a ser cometidas com as armas.
“Ainda que os Estados Unidos não sejam o típico país com graves violações de direitos humanos, vale perguntar quantas das mais de 30 mil mortes anuais por armas de fogo – entre homicídios, suicídios e acidentes – naquele país ocorrem com armas brasileiras”, diz.
Mack questiona ainda quantos armamentos brasileiros estão entre as mais de 200 mil unidades que, estima-se, são traficadas anualmente dos Estados Unidos para o México e a América Central para uso pelo crime organizado.
“Nesse sentido, o risco de exportar armas para os Estados Unidos é muito maior do que para qualquer outro país considerado desenvolvido.”